Discurso de SEXA PR por ocasião do Sessão de Abertura da Iniciativa Presidencial sobre “Envelhecimento e Autonomia”

Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
21 de Novembro de 2005


O primeiro acto desta jornada sobre “Envelhecimento e Dependência” decorre na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, no que pode e deve ser entendido como uma reafirmação do princípio da solidariedade, numa das instituições mais emblemáticas e mais antigas da solidariedade no nosso País.

Agradeço à Misericórdia de Lisboa o acolhimento que me proporciona hoje e presto-lhe, reconhecido, a homenagem de sempre, que lhe é devida pela sua acção em prol da dignidade humana e da realização dos valores civilizacionais do humanismo, da fraternidade, da cidadania.

O tema do envelhecimento e da autonomia ganhou nas nossas sociedades uma nova actualidade, com contornos também novos. Referi-me a ele por diversas vezes, ao longo dos meus mandatos, em intervenções de fundo, ditadas pela preocupação com as consequências de uma alteração do padrão demográfico. Alertei para o facto de o envelhecimento da população ter passado a constituir um factor decisivo na questão social. Apelei a políticas de solidariedade corajosas e criativas, capazes de cimentar a coesão social e geracional.

O envelhecimento da população, em consequência de uma melhoria significativa dos instrumentos de defesa da vida humana, representa para a humanidade um sem número de novas oportunidades. Mas sucede que às oportunidades – oportunidades para um contributo mais activo e qualitativo das pessoas idosas, com base no seu saber e experiência e na sua disponibilidade de tempo – se contrapõe também um reverso.

Para muitos de nós, envelhecimento é sinónimo de sofrimento, de solidão, de descrença no futuro. Esse é o ponto fundamental desta minha jornada pelo País: quero verificar as situações reais de dificuldade em que se traduz o envelhecimento, para perceber e estimular as medidas que estão a ser adoptadas para minorar ou evitar aquelas situações e mobilizar as potencialidades do envelhecimento.

Que situações? Pessoas mais velhas em situação de pobreza, de solidão grave ou atingidas por outras exclusões; pessoas em situação de “grande dependência”, resultante não só da idade mas também de doença grave, deficiência profunda, acidente incapacitante ou outras causas.

Por outro lado, ao assumirmos estas realidades, não podemos abstrair de todas as outras pobrezas e exclusões. Não podemos também furtar-nos à intervenção nas causas desses problemas nem à indispensável co-responsabilidade de todos os cidadãos e de todas as instituições económicos e sociais. Todos nós somos interpelados pela gravidade destes problemas sociais, todos temos que dar o nosso contributo para a sua solução. Este tipo de problemas implica valores e expectativas. Não são problemas simples.

Procurei documentar-me, na preparação desta Jornada, sobre os números que respeitam às situações que enunciei. Procurei saber quais as percentagens de cidadãos nestas situações, beneficiários de respostas minimamente adequadas. Procurei também saber quais os objectivos e os custos relacionados com a aplicação efectiva do princípio da igualdade previsto na Constituição

Verifiquei que, devido a limitações várias, as respostas a estas perguntas são muito genéricas e pouco sistematizadas. Em contrapartida registei esforços para melhorar o conhecimento e os avanços ocorridos, subsequentemente, na concepção, planeamento e acção directa. Existem, assim, motivos bastantes para admitirmos que, num prazo relativamente curto, aquelas perguntas terão respostas, pelo menos aproximadas. A identificação clara e precisa das situações é uma condição fundamental para a definição das políticas de intervenção ajustadas.

Sabemos que o envelhecimento vem crescendo notoriamente. E cresce também o número das pessoas consideradas “grandes dependentes”. Está nas mãos de todos nós o conhecimento solidário destas realidades e o empenho na solução dos problemas que lhes estão associados. Para tanto precisamos de ser fiéis às nossas boas tradições ancestrais e de as actualizar com e eficácia. Precisamos também de não separar a sociedade civil do Estado, não transferir responsabilidades de um lado para o outro, articular e coordenar convenientemente organismos e instituições e iniciativa social, sem espaços vazios ou duplicações inúteis.

No actual esforço de contenção da despesa pública, exige-se de todos nós uma forte capacidade prática a favor da melhor utilização dos recursos disponíveis. Muito embora a despesa social deva crescer a médio e longo prazo, sobretudo em favor das situações mais graves, não podemos esperar que isso aconteça, de maneira significativa, nos próximos tempos.

Dir-se-á até que devemos aproveitar as dificuldades financeiras actuais, não só para a melhor utilização dos recursos disponíveis mas também para a aquisição de mais rigor nessa utilização de modo a garantirmos que assim acontecerá quando os orçamentos forem mais folgados.

Pretendo nestes dias pôr em destaque 3 ideias-força: - proximidade; - parceria; - subsidiariedade

A relação de proximidade é a base de todas as políticas sociais e da acção solidária. É assegurada, sobretudo, pelo trabalho voluntário que deveria actuar em todas as localidades. Enquanto não se atingir este objectivo, inúmeros idosos, “grandes dependentes” e outras pessoas carenciadas encontram-se expostas a grave abandono.

Por isso me parece indispensável reforçar as disponibilidades e capacidades da sociedade civil para intervir neste domínio, em articulação com os diferentes organismos e instituições que se ocupam das questões geradas pelo envelhecimento e pela dependência.

O recurso a parcerias deveria acontecer em todas as freguesias, municípios e no plano nacional, mobilizando todos os recursos possíveis para a solução de casos e problemas sociais mais prioritárioss. Parceria, portanto.

A seguir, subsidiariedade. Como os recursos são notoriamente escassos, inúmeras situações não encontram solução no âmbito da freguesia e do município nem no plano central, com os meios disponíveis e políticas em vigor. É necessário encontrar respostas sociais a partir dos caos e problemas concretos, por vezes até personalizados. Decisões políticas subsidiárias justificam-se aqui onde as respostas locais são insuficientes.

A consciência colectiva, resultante do conhecimento solidário, e até personalizado, dos casos e problemas sociais, é o dinamismo por excelência das políticas sociais e da acção solidária. Tê-lo-ei bem presente nestes dias. Desejo conhecer melhor as respostas sociais experimentadas e previstas, mas desejo sobretudo conhecer as situações e problemas sem resposta. Não com o objecto de denúncia irresponsável, mas para que todos nós possamos concentrar na busca de soluções, no quadro de cooperação que acabei de indicar.

Devo acrescentar que não deixarei, a este propósito, de prestar especial atenção ao papel que as autarquias têm vindo a desempenhar nas políticas de solidariedade, assente nos três patamares que referi: proximidade, parceria, subsidiariedade. É uma nova área de acção autárquica que se tem vindo a desenvolver e que quero valorizar nesta jornada.

Como disse atrás, este não é um problema simples. Estou consciente dos condicionamentos que temos de enfrentar. Mas não podemos desistir da construção de uma sociedade mais justa e equitativa, onde a solidariedade entre gerações se traduza num sistema de protecção social eficiente. Recuso uma sociedade que esconde o sofrimento, a carência e a solidão atrás da porta e que corre o risco de patrocinar o egoísmo em vez da generosidade.

É a dignidade da pessoa humana que está em causa, e o correlativo direito à protecção social um valor irrenunciável da nossa sociedade e um penhor da confiança no futuro.