Discurso de SEXA PR por ocasião do Sessão de Encerramento da Iniciativa Presidencial sobre "Envelhecimento e Autonomia"

Fundação Cidade de Lisboa
24 de Novembro de 2005


Durante quatro dias contactei directamente as realidades complexas do envelhecimento e da dependência. Foi uma oportunidade para tomar consciência, uma vez mais, das alterações do padrão demográfico no nosso País, do acentuado envelhecimento da nossa população e dos esforços realizados para que esse facto se traduza em novas potencialidades para os cidadãos e para dar combate às grandes dificuldades que ele também origina.

Duas dificuldades maiores forma identificadas. Primeira: o envelhecimento desenvolve-se, em associação de causa-efeito, com uma baixa da natalidade, como se o aumento do número de idosos em vez de contribuir para a aposta da sociedade no seu próprio futuro gerasse antes uma atitude geral de retraimento e desconfiança perante a vida. Segunda: a ocorrência significativa de situações de dependência e de isolamento, num contexto de insuficiência de medidas preventivas e de respostas adequadas e estas debilidades.

Precisamos de inverter o círculo vicioso do primeiro problema. O aumento da esperança de vida tem de se repercutir também num aumento de esperança na vida. Certamente que esta é uma alteração de fundo das nossas sociedades, que não se obtém por um passe de mágica ou uma medida localizada. Mas temos que a colocar no horizonte das nossas políticas sociais.

Dar conteúdo ao chamado envelhecimento activo será uma forma de também combater o problema. Uma valorização das pessoas idosas e do seu papel na sociedade constituirá um contributo de grande efeito para uma mudança da percepção que temos do envelhecimento. Envelhecimento activo pressupõe uma sociedade verdadeiramente activa e solidária. Activa na acção quotidiana, na busca da criatividade, na promoção da dignidade humana e da experiência como elemento de ligação entre as diversas gerações.


Ao longo destes dias tive o grato privilégio de contactar com actividades de e para pessoas mais velhas. Testemunhei o empenho e esforço de entidades públicas e privadas, neste domínio. A todos dirijo uma palavra de reconhecimento e gratidão.

Mas testemunhei também o imenso trabalho por fazer, para que todos tenham as condições para enfrentar a doença grave, a pobreza, o isolamento, a incapacitação permanente. É para estas situações que vai a minha preocupação e o meu apelo. Apelo para que as possamos conhecer melhor e reunamos os meios para sobre elas actuar, de forma a repor a equidade e a solidariedade em todos os espaços sociais do nosso País.

Do que pude constatar, gostaria de distinguir algumas situações que exigem particular atenção:

1ª – O isolamento de pessoas idosas nos grandes centros urbanos, em especial na Grande Lisboa e no Grande Porto, que nos deve levar a uma reflexão muito séria sobre a forma como estamos a tratar a cidade e os objectivos norteadores do urbanismo. As insuficiências nas acessibilidades, nas qualificações das zonas mais antigas, a desestruturação familiar e a quebra dos laços de vizinhança, a solidão e o isolamento, os ritmos de vida são aspectos que o urbanismo não pode ignorar sob pena de também por essa via acentuarmos as dificuldades do envelhecimento. Só em Lisboa vivem aproximadamente 44 mil idosos sós.

2ª – O envelhecimento em paralelo com a desertificação humana do interior. Este fenómeno, cujas causas são conhecidas, não pode deixar de nos interpelar quanto ao grande tema da equidade territorial e das oportunidades de desenvolvimento para as diversas regiões do País. Ora é também aqui que os serviços para idosos, as respostas com base na itinerância e no apoio domiciliário são fundamentais para aumentar a qualidade de vida dos cidadãos mais velhos.
3ª – A dependência entre os idosos, problema que tem aumentado em razão do envelhecimento populacional. Criou uma necessidade urgente de serviços especializados de saúde que permitam dar melhores condições de vida às pessoas que requerem cuidados especiais, por exemplo na área da reabilitação ou das doenças neurológicas como o alzheimer. Importando manter os idosos, sempre que possível, no seu meio familiar, habitacional e comunitário, é fundamental desenvolver serviços de apoio domiciliário, com componente social e de saúde, promovendo a melhoria da qualidade de vida das famílias.

4ª – Envelhecimento activo, a que atrás me referi. É preciso integrar uma mudança de paradigma de organização social com origem no aumento da esperança média de vida: maior capacidade efectiva de intervenção dos mais velhos na vida social e desenvolvimento de serviços específicos para pessoas idosas. Toda a Europa está a despertar para este paradigma, gizando um conjunto de políticas que permitam aos idosos uma melhoria significativa da sua qualidade de vida. Refiro-me a medidas como o turismo sénior, o trabalho a tempo parcial, o voluntariado, a formação ao longo da vida. Não devemos esquecer que daqui a 20 anos as pessoas idosas terão uma formação mais avançada, provavelmente rendimentos mais elevados e distintas necessidades culturais. Temos que antever essa evolução e prepará-la, promovendo iniciativas que vão no sentido de um envelhecimento positivo e saudável, que previna a dependência e dê significado à vida.

5ª – Revigoramento da sociedade civil, na lógica da responsabilidade e solidariedade cidadãs e cooperação entre instâncias públicas e privadas num regime de parcerias.

Finda esta minha Jornada num espaço da Fundação Cidade de Lisboa e no quadro das Universidades da Terceira Idade (UTI), um exemplo de cooperação entre diversas entidades para apoiar actividades de grande relevo de pessoas mais velhas.

Congratulo-me com esta feliz coincidência e aproveito para sublinhar o papel das UTIs na activação da esperança das pessoas idosas. De facto a sua intervenção não se resumirá a proporcionar um espaço de entretenimento ou mera ocupação de tempo ou mesmo de partilha de saberes – que já seria muito importante. As UTIs contribuem para o conhecimento da sociedade e dos seus problemas, entre os quais os próprios problemas do envelhecimento. Quero exortar-vos a que aprofundem esse caminho, contribuindo com propostas de solução e participando na respectiva concretização.

Espero que este trabalho se itensifique e desejo que as UTIs se difundam por todo o País, pólos dinamizadores de um envelhecimento activo, exemplos vivos do princípio da aprendizagem ao longo da vida e impulsionadores da solidariedade intergeracional.

São estes os meus votos finais, ancorados numa forte razão de esperança.