Discurso de SEXA PR por ocasião da Sessão Evocativa dos 70 Anos do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa

Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa
16 de Novembro de 2005


É com o maior prazer que me associo às comemorações dos setenta anos de vida do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, que quero felicitar pelo excelente trabalho que vem realizando.

O vosso percurso está associado a uma luta que me é cara: a luta pelos direitos humanos e em especial pela criação e consolidação dos direitos sociais.

O serviço social, nascido em Portugal com a marca das políticas que caracterizavam o Estado Novo, designadamente no campo da assistência e do trabalho, foi-se progressivamente distanciando do modelo inicial, para assumir a dimensão de modernidade que hoje caracteriza quer os vossos cursos, quer a prática dos profissionais formados nesta escola.

Nessa evolução, parece-me de assinalar a sustentação dos cursos no vasto conjunto das ciências sociais, numa preocupação de aproximação teórica e metodologicamente fundamentada aos problemas das populações, no estabelecimento de parcerias internacionais e na procura no equilíbrio em matéria de género, com o fim da exclusividade feminina no acesso às formações.

Na primeira parte da minha intervenção, gostaria de dar um testemunho pessoal sobre a importância do papel dos assistentes sociais.

Ao longo dos meus mandatos, tenho procurado estar próximo dos portugueses e conhecer as suas preocupações e anseios, tentando compreender os seus problemas, não numa perspectiva de lamúria, mas sobretudo para entender a complexidade das situações, equacionando-as e veiculando-as para o executivo, e ainda dar visibilidade a um sem-número de iniciativas e trabalhos de grande mérito.

Nestes contactos e deslocações realizadas pelo país, tenho conhecido empenhados profissionais de serviço social, actuando designadamente em áreas ligadas à segurança social, à saúde, à educação, à justiça, com acção meritória na integração de deficientes, no apoio aos idosos, aos toxicodependentes, em situações de exclusão social muito preocupantes, em programas educativos dirigidos à integração de jovens e crianças.

Também nas autarquias, e falo-vos com a minha experiência de autarca, é cada vez mais pertinente o trabalho em sectores como a habitação, a educação, a saúde. Gostaria ainda de assinalar o interesse das funções desenvolvidas nas instituições de solidariedade social, cooperativas de habitação, associações de desenvolvimento local e educação de adultos.

Trata-se de um leque muito diversificado de intervenções que poderão contribuir para que o país encontre respostas a dois grandes desafios, aliás intimamente ligados entre si: o desafio da integração social e o desafio do desenvolvimento.

Gostaria de me concentrar agora um pouco sobre os problemas da integração social, domínio em que este Instituto pode dar um contributo essencial, quer no plano da investigação quer no plano da formação graduada e especializada.

Neste aspecto, os problemas relacionados com a imigração têm importância especial.

De facto, tocando um leque de dimensões que passam pelas dificuldades de alojamento, de acesso ao emprego, de afirmação cultural e identitária, de relacionamento com a escola e a escolarização, os processos sociais envolvendo a população imigrante colocam, hoje, à sociedade portuguesa no seu conjunto e aos responsáveis políticos, em particular, desafios de integração com grande delicadeza e complexidade.

São problemas que exigem estudo, capacidade para observar as pessoas de perto e com olhar compreensivo – e tudo isso ultrapassando, na medida do possível, estereótipos enraizados, preconceitos não consciencializados e também – porque não admiti-lo? – algum bem intencionado irrealismo.

Espero sinceramente que este Instituto possa dar uma parte das respostas a estes enormes desafios. Para isso terá de mobilizar, como tem feito noutras ocasiões, todos os recursos e competências ao seu alcance – na certeza de que um tal contributo se poderá traduzir em sábias acções de prevenção que evitem, no futuro, intervenções precipitadas e enviesadas pela urgência e a necessidade, sempre inconsequente, de evitar males maiores.

Sou o primeiro a reconhecer que não é fácil lidar com problemas que radicam na dificuldade de as populações autóctones verem territórios que consideram seus partilhados por cidadãos que não conseguem deixar de encarar como estranhos – mas, se quisermos viver em sociedades abertas, livres e democráticas não há alternativa relativamente a uma integração plena dos imigrantes.

Neste sentido, a definição de políticas pró-activas e de metodologias de intervenção no terreno capazes de transformar jovens estrangeiros imigrantes em cidadãos que a si mesmos se considerem e sejam considerados portugueses reveste-se de uma enorme importância. Talvez se possa mesmo entender que, a consumar-se, essa transformação será uma espécie de pedra de toque das políticas sociais que hão-de garantir, no futuro, a necessária coesão social à generalidade dos países europeus.

Permitam-me que na terceira parte da minha intervenção me refira ao papel da educação na integração de jovens e adultos.

Um dos maiores obstáculos à integração social e ao desenvolvimento do nosso país diz respeito à privação da educação. Os portugueses foram penalizados por décadas de ignorância – nunca é demais lembrá-lo.

Ora, a Educação para Todos e a plena expressão da cidadania estão intimamente associadas. Não podemos falar de cidadãos verdadeiramente participativos se não existirem instrumentos de formação eficazes ao seu alcance. A educação é um instrumento de coesão social, de desenvolvimento e de democracia.

Comentei, repetidas vezes, o facto de nos termos atrasado relativamente aos nossos parceiros europeus, porque em momentos em que teria sido necessário, e possível, investir fortemente na educação e na formação profissional, não fizemos as opções estratégicas que teriam sido fundamentais.

A evolução de alguns países europeus mostra que a prioridade à educação, formação, ciência e inovação é a opção certa para o desenvolvimento. Hoje esses países têm mais desenvolvimento, emprego e condições para continuar a investir em infra-estruturas.

O olhar no futuro tem de guiar as nossas opções.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Mas, para que possamos falar de Educação para Todos, segundo a feliz expressão da Unesco, teremos de ter escolas multiculturais que saibam valorizar diferentes culturas, ensinar a compreender o mundo em que vivemos, a dialogar e aceitar diferenças, a apoiar os seus alunos, combatendo o insucesso e abandono escolares.

Existem hoje processos de inovação em curso que é necessário avaliar com serenidade, quer ao nível das políticas, quer ao nível das práticas a que dão origem. É preciso conhecer potencialidades e também dificuldades. Defendo a avaliação serena e com consequências na regulação da vida das instituições.

Considero, ainda, necessária a existência de cidades educadoras com equipas polivalentes capazes de fazer uma ligação eficaz entre a escola, a família e o bairro.

Tenho encontrado muitas equipas destas, em que se integram excelentes profissionais de serviço social, trabalhando corajosamente em situações muito difíceis, situações que aprenderam a compreender e explicar, condição indispensável para encontrarem caminhos de integração.

É preciso reconhecer que as instituições educativas por si só não conseguem integrar satisfatoriamente todas as crianças e todos os jovens. São indispensáveis redes de apoio de que façam parte, para além das escolas e das famílias, técnicos da área da psicologia, sociologia, serviço social, e também autarcas, mediadores, agentes de segurança e as próprias estruturas de emprego e formação profissional

A existência de um trabalho integrado é indispensável ao acompanhamento, orientação vocacional e profissional dos jovens, designadamente nos bairros sensíveis. As questões do emprego e da formação profissional são – vale a pena insistir neste ponto - um elemento chave da integração.

Ainda no domínio da educação e da formação, uma das dimensões mais importantes a ter em conta diz respeito à aprendizagem ao longo da vida e à formação daqueles que cedo foram excluídos da escola.

Infelizmente, apesar das baixas taxas de escolarização e de qualificação por parte da população adulta portuguesa, a educação de adultos não tem sido uma verdadeira prioridade das agendas políticas em Portugal, mantendo-se através de décadas uma situação que penaliza sucessivas gerações.

Apesar de algumas iniciativas que constituem progresso inegável – gostaria de referir designadamente os processos de validação e creditação de competências ou as iniciativas de desenvolvimento local –, o nosso país continua a ter de dar passos significativos, diria mesmo muito ousados, para recuperar o atraso existente em matéria de educação de adultos e de aprendizagem ao longo da vida.

A educação ao longo da vida constitui um instrumento essencial ao desenvolvimento das sociedades, requerendo das instituições e dos professores, novas competências, diferentes ritmos e estilos de actuação.

Minhas Senhoras e meus senhores:

Ao terminar esta intervenção, gostaria de vos dizer que tenho consciência dos problemas que se colocam às instituições que, como a vossa, formam técnicos de serviço social. Neste como noutros sectores, a pressão sobre o acesso ao ensino superior deu origem a um crescimento injustificado de cursos, que coloca novos problemas designadamente ao nível da qualidade das formações e ao nível do emprego dos diplomados.

São problemas que exigem novas abordagens das avaliações dos cursos e das instituições. Disse muitas vezes que a proliferação de cursos sem a garantia de qualidade não era um bom caminho.

Há que encontrar, no contexto do Processo de Bolonha, novas vias para o desenvolvimento do ensino superior. Porque ao contrário do que muitos dizem e pensam, nós não temos excesso de licenciados. Precisamos até de crescer mais nesse domínio, mas de forma mais consequente.

Sem embargo de se dever reivindicar, sem complexos, uma maior abertura do sistema de emprego, incluindo o emprego público, ao recrutamento e reconhecimento de qualificações escolares de nível superior, para não dizer mesmo secundário, será preciso coragem para nos próximos anos reformarmos as formações que temos e melhorarmos a sua qualidade.

É necessário inovar em matéria de modelos pedagógicos no trabalho universitário. É urgente repensar o futuro das instituições de ensino superior de modo a que possam assumir no quadro do Espaço Europeu de Ensino Superior as suas missões estratégicas, das quais depende o futuro do país.

As mudanças na educação não são fáceis exigindo, por isso, o esforço e mobilização de todos os parceiros, designadamente professores, pais e autarcas.

Sei que é também essa a vossa perspectiva. Desejo as maiores felicidades para a vossa instituição.