Discurso de SEXA PR por ocasião do VII Congresso dos Juízes Portugueses

Carvoeiro
24 de Novembro de 2005


Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
Senhor Presidente do Tribunal Constituional,
Senhor Vice-Procurador Geral da República,
Senhor Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses,
Senhores Deputados,
Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados,
Senhores Juizes,
Minha senhoras e meus senhores,


Antes de mais, uma palavra de saudação a V. Exªs, Senhores Juizes, quando se inicia o VII Congresso da Vossa Associação Sindical, em que o tema de reflexão e debate é a Justiça como garantia do Estado de Direito. Na sua construção e desenvolvimento, têm tido V. Exªs papel essencial, pelo que na saudação que Vos dirijo vai também o apreço da República pela função que têm desempenhado na consolidação da democracia, de que o Estado de Direito é pilar essencial.

Senhores Juizes,
Minha senhoras e meus senhores,

No curso dos meus dois mandatos, dei especial e aprofundada atenção às questões da Justiça, suas disfunções e necessidade de reformas para as resolver.

As minhas palavras foram sempre assumidas por parte de quem sempre se considerou vosso colega, e que tem um conhecimento das coisas como manifestação de quem sabe passar por aqui, com as pessoas que aqui estão, muito da nossa ansiedade sobre a justiça e sobre a sociedade que desejamos

Devo reconhecer que muitas das disfunções persistem e, em larga medida, só começarão a ser resolvidas, como tenho reiteradamente sublinhado, quando se encarar e puser em prática um novo modelo de formação dos profissionais do foro e seu estatuto profissional, pari passu com o reordenamento do território judiciário, a reformulação das competências dos tribunais superiores e a simplificação das regras de processo.

E tudo isto para que possa instituir-se, finalmente, uma Justiça célere e equitativa, que não só permita torná-la eficaz, como reconstitua a confiança dos cidadãos nas suas instituições judiciárias.

Essa confiança está abalada. E está abalada, em larga medida, pela conjugação entre uma Justiça lenta e opaca - por ser essa a consequência natural das reformas que se não fazem -, com alguns desempenhos individuais, que, não constituindo a regra - é justo reconhecê-lo -, foram estando, com desusada frequência, na primeira linha da mediatização; portanto, na primeira linha da censura social.

Ora se a omissão das reformas necessárias constitui inequívoca responsabilidade do poder político, em prejuízo de todos nós, cidadãos, já os desempenhos devem merecer a serena reflexão de V. Exªs.

Tal reflexão, em terreno aberto como é o deste Congresso, em nada perturbará a independência e a imparcialidade dos juizes, se, finalmente, tivermos por adquirido que o respeito pelas decisões judiciais se esgota com o seu escrupuloso e pontual cumprimento; e que é da confrontação de opiniões sobre os fundamentos e o conteúdo de uma decisão judicial que ela poderá vir a revelar-se, à generalidade dos cidadãos, de forma inteligível e transparente.

Senhores Juizes,
Minhas senhoras e meus senhores,

Tenho exaustiva consciência das condições precárias em que é exercida a magistratura judicial, com assoberbamento por funções meramente burocráticas, sem secretariado pessoal que liberte os magistrados para a função de ordenar, decidir e julgar o processo, e, em tantos tribunais, com condições logísticas de vão de escada.

Como sei que a falta de contingentação de processos desorganiza qualquer agendamento de actos ou ordenação de tarefas; e que a qualidade e simplificação das sentenças esbarra com um sistema de inspecções, dirigido, com frequência, mais para a erudição jurídica do magistrado do que para o senso e o bem fundado da marcha do processo e sua decisão.

Como não ignoro que, sobretudo na 1ª instância, as condições de exercício da magistratura judicial exigem uma dedicação a tempo inteiro, em que os Senhores Juizes, sem qualquer preocupação de horário, incluindo parte ou a totalidade do fim de semana, não têm regateado, à comunidade, no seu desempenho diário, dedicação, zelo profissional e muito sacrifício, atitude que, sendo própria de titulares de órgãos de soberania, se impõe, todavia, reconhecer, pela exemplar medida com que se verifica.
O Presidente da República é, por isso, o primeiro a compreender a mágoa de V. Exªs com o ângulo de abordagem das relações entre as férias judiciais, a segurança social e a produtividade dos juizes, quando ninguém que conheça a vida forense ignora que apreciável segmento das férias judiciais constitui, na 1ª instância, e sem esquecer os turnos, um tempo de recuperação de atrasos de despachos de maior complexidade ou de decisões com maior fôlego, atrasos as mais das vezes causados pelas disfunções de um sistema por cujo figurino não são os juizes responsáveis.

Como compreende que a opção por uma crescente uniformização dos regimes de segurança social não exige, na sua fundamentação, que seja qualificado como injustificado privilégio um regime que tinha fundadas razões para ser instituído e mantido, enquanto foi financeiramente viável conferir um tratamento específico a quem muito dá à comunidade.

Mas porque sei tudo isto, e disso dou público testemunho, não apenas enquanto advogado e cidadão, mas também em nome da República a que presido, estou em posição, exactamente porque enquanto Presidente da República tenho a responsabilidade de promover e garantir o regular funcionamento das instituições, incluindo os tribunais, de apelar à serena reflexão de V. Exªs.

Serena reflexão sobre as reais condições de independência do poder judicial e sobre as efectivas relações entre essa independência e o estatuto profissional dos magistrados judiciais, sem se resvalar para a transformação da divergência de entendimento sobre o que deve ser aquele estatuto em suposto projecto de domínio ou de control de uns poderes pelos outros.

Esse processo de intenções se ofende inutilmente os seus supostos autores, ofende ainda mais os magistrados judiciais, cuja independência e imparcialidade estariam, então, à mercê da maior ou menor diferença, ainda que justificada, entre o seu regime de trabalho ou de segurança social e o da generalidade dos cidadãos – o que é inaceitável e não corresponde à realidade.

Serena reflexão, também, sobre a medida em que os magistrados judiciais poderão contribuir para um maior respeito pelos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos, seja quando está em causa a prisão preventiva de um arguido, seja quando protegem a sua reputação com uma tutela rigorosa do segredo de justiça; seja ainda quando se trate de fiscalizar, pessoalmente, a licitude das restrições à reserva da vida privada, como é o caso das escutas, ou de não dar aos poderosos, por maior que sejam os aplausos e a devoção popular que granjeiam, tratamento diverso do que é conferido à generalidade dos cidadãos.

Serena reflexão, ainda, sobre a necessidade de serem instituídas vias habituais de relação entre os tribunais e a comunidade, para que o diálogo sobre os processos, que, inelutavelmente, se tornaram tema de informação escrita e audiovisual, se não limite às iniciativas avulsas dos órgãos de informação, ou à troca de opiniões entre profissionais do foro com alguma notoriedade.

A recuperação da confiança dos cidadãos no funcionamento das suas instituições judiciárias só poderá ser acelerada se a marcha e a decisão dos processos que chegam à opinião pública contar com um esclarecimento dos seus responsáveis.

Tenho afirmado, reiteradamente, que as relações entre os tribunais e a comunicação social são indispensáveis. E se um tratamento sério da informação forense passa por uma formação jurídica e judiciária dos jornalistas por ela responsáveis, impõe-se que os magistrados judiciais, por sua vez, estejam atentos às técnicas e às boas práticas da comunicação social e com elas se familiarizem, para que a vida dos tribunais seja inteligível pelo comum e as sentenças deixem de ser entendidas e cumpridas como oráculos.

Serena reflexão, finalmente, sobre o restabelecimento do diálogo entre todos os responsáveis pelo funcionamento da Justiça, e sobre as condições de promoção de um consenso de longo prazo quanto ao seu figurino global. As reformas não podem esperar, e, sem consenso, ficarão sempre aquém, pelo menos da sua boa execução

Senhores Juizes,

O estado da Justiça não deixa espaço para nos perdermos na crispação da conjuntura, com o cortejo de mútuos remoques e recriminações, que servem apenas para adensar inúteis desencontros.

Há um tempo para a mágoa e um tempo para ir além da dor, como diria Pessoa.

Saibam, V. Exªs, fazer da mágoa reflexão e projecto, que respondendo às Vossas legítimas aspirações, contribuam para a edificação da Justiça e, por via dela, do Estado de Direito.

Muito obrigado.