|
|
|||
Discurso de SEXA PR por ocasião da cerimónia comemorativa do 57º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem
Ordem dos Advogados, Lisboa
Minhas senhoras e meus senhores,
“(...) fazer brilhar a justiça para impedir o poderoso de fazer mal ao fraco”. Foram, todavia, precisos séculos de arbitrariedades e de horrores, de que a II Grande Guerra de 39-45 representou a fronteira do intolerável, para que fosse possível, sob a égide das Nações Unidas, colocar os Direitos do Homem sob a protecção de toda a humanidade, representada na mais universal das suas instituições. No então recém inaugurado Palácio de Chaillot, proclamou-se à cidade e ao mundo que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, e que todos “são dotados de razão e de consciência e devem agir uns para com os outros com um espírito de fraternidade” É com este programa que se inicia a moderna luta pelos Direitos do Homem, à luz de uma Declaração Universal que a Senhora Roosevelt, cuja clarividência e militância nunca é demais encarecer, justamente qualificou de Magna Carta de todos os homens. É, também, este programa que hoje nos congrega, com a exaustiva consciência de que mal começamos o combate que nos é proposto. Combate que não se esgota nos acontecimentos que, pela sua espectacularidade, suscitam a atenção e a indignação de todos - o Kosovo, o Afeganistão, a Palestina, o 11 de Setembro, o Iraque, Guantanamo, o 11 de Março, para falar apenas de alguns dos mais recentes, mas que ganha particular relevância aí onde a humilhação e o sofrimento vivem em silêncio à espera de reparação. É o caso da prostituição e das crianças desvalidas, de que têm cuidado de um modo exemplar as instituições que hoje recebem o prémio “BASTONÁRIO ANGELO D’ALMEIDA RIBEIRO”, a quem presto pública homenagem e público reconhecimento – ao instituidor e aos premiados, a estes, nas pessoas de Manuela Eanes e de Inês Fontinha, que são, uma e outra, credoras da nossa admiração e do nosso respeito, pelo notável desempenho que têm patenteado ao serviço da comunidade. Minha senhoras e meus senhores, Portugal, apesar dos níveis apreciáveis de fruição dos direitos humanos que a instauração da democracia veio trazer, tem ainda um longo caminho à sua frente. A Constituição de 76 representa um momento exemplar de proclamação sem reservas dos Direitos do Homem. E, no entanto, volvidos mais de 30 anos sobre a Revolução de Abril, sobram-nos algumas ilhas, que sem assumirem a dramaticidade das grandes violações, que atingem, reiteradamente, comunidades inteiras, constituem inaceitáveis espaços em que o homem e a dignidade do seu estatuto não estão presentes. É o caso dos imigrantes, das mulheres vítimas de maus tratos, de muitos condenados e de muitos detidos, dos socialmente excluídos. Tema de Direitos Humanos é, também, o estado da Justiça criminal, sobretudo nas fases que antecedem o julgamento, e em que ainda não vingou uma cultura de escrupulosa tutela de direitos de arguidos e de vítimas, como reiteradamente sublinhei nas múltiplas intervenções que tive em 2003, a propósito do processo Casa Pia, quando as vítimas pareciam ter saído da cena mediática e o estatuto de arguido não estava a ser respeitado.
“Perante o horror de que, por incúria nossa, foram vítimas tantas crianças e adolescentes, que nos tinham sido confiados para guardar e educar, impõe-se proclamar aqui a certeza do Presidente da República de que os responsáveis serão severamente punidos e que cessará, finalmente, a impunidade que, décadas a fio, fez deste caso uma vergonha para todos nós”. E referindo-me ao estatuto de arguido, afirmava, agora em de Setembro de 2003: “À presunção de inocência tem de aliar-se a lealdade processual, que é o modelo de Justiça penal consagrado quer na Constituição da República, quer nos pactos internacionais de direitos humanos de que Portugal faz parte, com sublinhado para a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o seu indeclinável princípio do julgamento equitativo. Ora a lealdade processual não é compatível com formas de administração da Justiça em que o julgador, iluminado pela sua convicção, se exima a confrontar o arguido com ela, ou recuse o risco de a ver infirmada por uma instância de recurso.” O respeito dos direitos humanos na Justiça criminal exigirá que a formação de magistrados seja especialmente exigente nesta área, e que, no quadro da definição e execução da política criminal, sejam instituídos meios de o Governo e o Ministério Público prestarem contas da sua acção. Não se pense, todavia, que a mudança de protagonistas constitui solução para o que quer que seja. Primeiro, cuide-se do quadro de actuação, e só depois das pessoas e sua eventual substituição, se e na medida em que o novo quadro o possa aconselhar. É questão, porém, que pela cronologia das coisas já não será tema do meu mandato. Minhas senhoras e meus senhores, A comemoração de hoje é História e projecto. Honrando a História, saibamos encontrar as vias de cumprir o projecto.
|