Discurso de SEXA PR por ocasião da sessão de abertura do “I Encontro Nacional de Educação e Formação de Adultos”

Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
12 de Dezembro de 2005


Quero felicitar a Associação “O Direito de Aprender” por esta interessante iniciativa e pelo trabalho que tem realizado em prol da educação de adultos. Cumprimento também a Fundação Calouste Gulbenkian pelo importante apoio prestado ao tão decisivo sector da educação.

Permitam-me que comece por sublinhar a importância que atribuo ao desenvolvimento da educação ao longo da vida. Fiz da educação uma prioridade dos meus mandatos porque acredito que é fulcral para a qualidade da democracia e para o desenvolvimento. Esta causa levou-me a conhecer e compreender de perto um grande número de situações educativas que envolviam adultos, muitos dos quais tinham graves percursos de exclusão educativa e profissional. A mensagem que deixarei aqui decorre, em grande parte, do que aprendi com essas situações. Muitas pessoas que então conheci tinham reencontrado um novo sentido para as suas vidas, graças a processos de educação de segunda oportunidade.

Sei que existem experiências muito interessantes de certificação de competências ao nível do ensino básico ou de criação de iniciativas empresariais a partir de processos formativos. Tive mesmo a oportunidade de presidir a um júri de certificação de competências ao nível do 9º ano de escolaridade, experiência inesquecível e que me permitiu entender melhor um processo extremamente inovador.

Foi muito grato verificar como estas podem constituir uma oportunidade de reconciliação das pessoas com o estudo e com a vida. São processos que reforçam a auto-estima e valorizam a história pessoal e a cultura dos cidadãos, que lhes tornam possível aprenderem a aprender. São processos que estimulam o desejo de iniciar novos caminhos de educação e formação.

Acredito que o acesso de todos ao longo da vida à educação é um direito e é, também, uma condição de progresso do país.

A mundialização e a evolução tecnológica exigem contributos importantes da educação e da formação quer no que diz respeito ao trabalho, quer em tantos outros aspectos. Os cidadãos necessitam de adquirir permanentemente novas competências para compreenderem o mundo e para trabalharem. O país precisa de pessoas com capacidade de iniciativa e inovação, e precisa de mais ciência e de mais cultura.

É neste quadro que a aprendizagem ao longo da vida se impõe, devendo esta concepção orientar a organização da educação formal desde os primeiros anos de escolaridade, como ponto de partida para que cada um saiba e possa gerir a sua aprendizagem.

Aprender ao longo da vida não é, longe disso, ser condenado a uma “escola perpétua”, é, sim, enveredar por um caminho de constante aperfeiçoamento, quer dentro, quer fora dos sistemas formais de educação e formação, alternando e combinando aprendizagens de teor cognitivo com uma participação activa e criativa em processos cívicos, culturais, artísticos, onde muitas e valiosas aprendizagens também ocorrem.

Hoje em dia, uma política de promoção da educação de adultos é indissociável da abertura das instituições políticas a um papel crescente por parte dos cidadãos e das suas organizações na concepção e concretização de respostas, conjuntamente debatidas e avaliadas, aos grandes problemas que se levantam às nossas sociedades. A este propósito, alguém já afirmou, com muita justeza, que “um povo educado é mais fácil de governar, mas muito mais difícil de oprimir”.

Nos tempos actuais, perante a complexidade de problemas que devem enfrentar as pessoas e as sociedades, torna-se necessário pôr em evidência a pluralidade das dimensões do exercício da cidadania, conjunto de funções tão diferentes como a de eleitor, de contribuinte, membro da família ou de um grupo social, produtor, consumidor, residente/munícipe de um território, o associado de uma organização, o telespectador, o leitor, e muitas outras. Assim, a educação de adultos como formação permanente do cidadão, terá que comportar – muitas vezes sob a forma de “aprender, fazendo” – todas estas valências, que oscilam entre uma perspectiva dominante de desenvolvimento pessoal e uma orientação prioritária para o trabalho.

Acredito no papel relevante da educação de adultos como um instrumento essencial em todas as dinâmicas que visem a democracia local participativa, a elevação da qualidade de vida, o desenvolvimento territorial sustentável, o aumento de produtividade na empresa, a integração dos imigrantes, a inserção de pessoas excluídas ou em risco de exclusão, a manutenção em actividade das pessoas mais idosas, a inclusão de pessoas com deficiência.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

A Cimeira de Lisboa, em 2000, constituiu um forte impulso para a adopção de uma estratégia de “Educação e Formação ao Longo da Vida” por todos os Estados-Membros da U.E. e que envolve também a própria Comissão Europeia. Considera-se ser esta estratégia um pilar fundamental para que a União Europeia prossiga em simultâneo as suas grandes finalidades de desenvolvimento económico e de coesão social. E é igualmente consensual que a plena execução desta estratégia tem que assentar, paralelamente, numa atitude constante de “sede de saber” por parte de cada cidadão e por parte dos poderes políticos, na criação das condições mais propícias à concretização de uma aprendizagem para todos e ao longo da vida.

Nos últimos anos, tem sido na verdade abundante a produção de documentos programáticos, quer a nível nacional, quer à escala internacional (UNESCO, OCDE, Comissão Europeia), em que se foca o papel essencial que tem a Educação e Formação de Adultos na prossecução, plena e coerente, de políticas públicas que assegurem e estimulem as aprendizagens em todas as idades e nas mais diversas situações educativas.

Na segunda parte da minha intervenção gostaria de vos transmitir algumas preocupações e desafios relacionados com a educação de adultos em Portugal.

Tenho seguido a situação do nosso país em matéria de educação de adultos com alguma preocupação por constatar que esta não tem sido objecto de uma política pública persistente, articulada, ajustada, coerente, abrangente.

Como entender que apesar de um nível de analfabetismo que em 1974 atingia mais de 30% da população e de termos ainda hoje os níveis mais baixos de escolarização e de qualificação das pessoas adultas da União Europeia, incluindo os jovens da faixa etária 25-34, a educação e formação de adultos não tenha sido erigida em prioridade política?

Seria injusto porém não mencionar as numerosas experiências positivas realizadas, designadamente as que serão aqui apresentadas. É de destacar a acção da ANEFA, criada em 1999 com uma perspectiva interministerial, que permitiu o desenvolvimento de iniciativas inovadoras que, segundo sei, chamaram a atenção de numerosos especialistas internacionais.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

A democracia herdou entre nós uma dívida para com os portugueses excluídos da educação e da formação. Recusei-me sempre a considerar que pudessem ser considerados cidadãos dispensáveis e afirmei também que nos competia saldar colectivamente aquela dívida. Temos, assim, pela frente algumas tarefas inadiáveis.


Deixarei quatro desafios no final da minha intervenção:

1 - O primeiro desafio diz respeito à importância do desenvolvimento de uma política consistente de educação de adultos, à semelhança do que se passa em vários países europeus, com excelentes níveis de desenvolvimento. Há consenso quanto à sua necessidade. Há que aumentar o investimento pessoal e público neste sector tão decisivo. É preciso uma grande mobilização de vontades e recursos para que as metas que o Governo definiu recentemente para este sector no Programa Novas Oportunidades sejam alcançadas.


2 - O segundo desafio diz respeito à necessidade do conhecimento, avaliação e acompanhamento das inovações em curso nesta área. Acredito no papel que a sociedade civil pode desempenhar nesta matéria, a exemplo da iniciativa que a Associação Direito de Aprender leva a cabo. Apesar do desaparecimento da ANEFA, algumas medidas lançadas por este organismo têm persistido e mostrado a sua oportunidade e relevância, embora sempre naquela situação a que as condenam a pouca visibilidade social. É o caso, de várias iniciativas de educação de adultos e dos Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências, que são um caso de sucesso.

É uma experiência de vanguarda, no campo da educação de adultos. Será necessário, sem dúvida, prosseguir neste caminho alargando-o aos ensino secundário e superior e multiplicar experiências, avaliando e reforçando o trabalho feito. Este parece ser o caminho para que um número cada vez maior de pessoas procure processos de formação.


3 - O meu terceiro desafio diz respeito à necessidade de redefinir a missão das instituições educativas – dos ensinos básicos, secundário e superior – de modo a que estas se assumam como centros de aprendizagem e formação ao longo da vida. Centros integrados nas comunidades locais com capacidade para responder a necessidades do desenvolvimento e às expectativas das pessoas, independentemente da sua idade ou do seu percurso académico. É preciso, todavia, que estas respostas não sejam decalcadas sobre modelos escolares, onde muitos dos candidatos à formação tiveram uma má experiência. A evolução demográfica tem deixado disponibilidade para que as instituições se mobilizem para esta causa, mas é necessário um grande esforço de mudança ao nível das práticas de formação.


4 - Um quarto desafio prende-se com a necessidade de articular sistemas e instituições de educação e de formação, estabelecer parcerias, envolver os diversos actores e criar sinergias. Hoje muitas destas instituições vivem de costas viradas umas para as outras havendo muitas oportunidades perdidas e recursos desaproveitados. O Governo tem projectos onde se prevê coordenar a acção de vários ministérios em torno de metas de educação e formação.

Reitero uma mensagem final: considero a educação ao longo da vida uma estratégia de aperfeiçoamento da democracia, de promoção da igualdade de oportunidades, de combate à exclusão social e de fomento do desenvolvimento das nossas sociedades. É, por isso, que estou, com muito gosto, aqui convosco. Desejo-vos um bom trabalho!