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Discurso de SEXA PR por ocasião das comemorações do Ano Internacional da Física
Palácio de Belém
Quero com este encontro associar-me às comemorações do Ano Internacional da Física.
Faço-o com a satisfação de reconhecer na designação de 2005 como Ano de referência para a Física o empenho em realçar a importância da física e da ciência para a sociedade em que vivemos. Conforme declarei na sessão realizada na Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho, naquele que foi o primeiro acto das celebrações no nosso país, «o grande desafio é estarmos direccionados para a ciência, para a inovação e para as tecnologias como as verdadeiras fontes da transformação de Portugal numa nação desenvolvida, que aspire a um papel que não seja meramente periférico à escala mundial». As grandes descobertas que serviram de base à construção da modernidade – de novas gentes, novos céus e novas estrelas – favoreceram um visão do mundo assente no estudo da transformação e no primado do movimento. A ciência moderna é o instrumento que descreve esta atitude perante o cosmos. O edifício civilizacional que construímos desde então está indelevelmente marcado pela frase lapidar de Galileu, de que «a natureza é como se fosse um livro escrito em linguagem matemática», ideia fundadora que atravessa todo o pensamento científico moderno. Da física à química e à biologia, das ciências aplicadas às ciências sociais, o movimento e a mudança são o centro de todas as preocupações da racionalidade. Conhecer as leis dessas transformações, ou seja, distinguir o que se conserva daquilo que muda, é o grande objectivo do esforço de investigação científica. A física está pois indissociavelmente ligada ao modo como foi construído o passado recente e o presente das nossas sociedades. E, quero afirmá-lo sem receios, igualmente o seu futuro. A sustentabilidade no nosso planeta dependerá da pertinência da continuação da actividade científica e, nesta, a física tem um papel central pela sua natureza.
Em primeiro lugar, o uso sistemático de instrumentos – o seu carácter experimental – para observar, interrogar e interactuar com a realidade que nos rodeia; em segundo lugar, a utilização desimpedida e sem fronteiras da publicação dos seus resultados e das suas interrogações. O uso de instrumentos deu-nos a faculdade de constatar que o mundo em que vivemos possui dimensões muito diferentes da nossa escala humana – o caminho para o infinitamente grande, bem como para o infinitamente pequeno – dimensões às quais temos hoje possibilidade de transformar a natureza e produzir novos artefactos. Por outro lado, o carácter público da disponibilidade do conhecimento científico garantiu e garante a sua validade e permite uma avaliação da qualidade, isto é, do valor da novidade que se cria com a sua difusão pela sociedade. Estes importantíssimos valores estão assim inscritos na matriz da nossa continuação sobre a Terra mercê do entusiasmo com que usemos e pratiquemos a ciência. A necessidade de divulgar e publicar os resultados científicos, bem como de tornar conhecidos do público as opiniões e interrogações dos cientistas, a importância de avaliar os impactos dos grandes projectos e dos sistemas tecnológicos e, sobretudo, de analisar os progressos científicos em termos das implicações para a sustentabilidade, são reais, prementes e sérias. A opinião pública, os segmentos profissionalizados da população, os actores e agentes económicos e culturais, a comunidade científica, não se podem alhear nem alienar das grandes questões da ciência, ou daquelas que envolvem criticamente a ciência. O reforço da componente científica na cultura como um todo, é uma tarefa primordial para as comunidades que querem continuar a ser avançadas. Lucidamente, Antero de Quental apontou, nos finais do século XIX, como causa principal do nosso atraso histórico a repressão do espírito crítico, experimental, inovador, universalista. A ciência, e a física em particular, todos o sabemos, não são domínios do conhecimento que se possam considerar “fáceis”. Tal advém do necessário rigor na utilização de linguagens de alta precisão, bem como de um longo tempo de aprendizagem e familiarização com os seus conceitos e práticas. Por este motivo, a física requer novas formas de ser ensinada para ser estimulante. Sobretudo, o seu ensino tem que basear na experimentação. Um melhor ensino experimental da física e das ciências é o mais importante contributo para influenciar a qualidade do futuro que desejamos. Não podemos deixar que as sementes plantadas por uma plêiade de cientistas e educadores, entre os quais destaco a figura de Manuel Valadares e, também, a de Rómulo de Carvalho, cujo centenário muito justamente se celebrará em 2006, deixem de germinar, por efeito do tédio ou da indiferença. É preciso mais cientistas em Portugal e a parte determinante desse esforço joga-se nas escolas secundárias. Nos últimos tempos temos desenvolvido um corpo de investigadores de relevo e reconhecimento internacional, mas precisamos também de os fixar em Portugal. Este será o único modo de podermos atrair os estrangeiros que nos ajudarão – e, ajudando-nos, realizar-se a si próprios – no desempenho das tarefas que reputamos prioritárias para o nosso progresso e bem-estar. Aprender física é, pois, uma tarefa central do presente, de qualquer presente de uma sociedade que a si própria se denomine como moderna. Devemos por isso proporcionar a sua aprendizagem a todos os jovens. Evidentemente, nem todos podem, nem devem, ser físicos, ou investigadores. Mas todos podem, e devem, conhecer as grandes questões que se põem à sociedade e em que a física assume um papel relevante. É neste percurso que se percebe que é despertando a curiosidade que nos habituamos a ver as regras mudar. Apenas seguindo este caminho conseguiremos entender que a enorme variedade de valores e percepções existente constitui um inestimável património para basear a nossa ideia de um futuro melhor e mais solidário. É este o preço que temos de pagar pela liberdade: questionar cientificamente as condições de um presente em constante alteração, rumo a um futuro que, ele próprio, será atingido apenas para proporcionar uma plataforma para novas interrogações, novas mudanças e novas caminhadas. Será assim que recriaremos a nossa identidade cultural. Portugal precisa de mais ciência, de muito mais e de muito boa ciência, daquela que para além de nos permitir resolver os problemas que se põem à sociedade do nosso tempo, nos fornece uma visão essencialmente construtiva do mundo, baseada na afirmação sem entraves do espírito crítico e participativo. Queremos, assim, que muitos mais jovens se sintam atraídos e experimentem o gosto de estudar física e outras ciências. Esse gosto, a que todos os grandes físicos e cientistas do passado, de Galileu a Einstein, bem como os distintos físicos que aqui se encontram, sempre se referem como o «prazer de um primeiro encontro» que acompanha a emoção da descoberta... Quis hoje distinguir o esforço de físicos portugueses, investigadores, divulgadores, professores, e coordenadores de projectos de grande impacto, que, ao longo das últimas décadas, se têm empenhado e destacado na criação de condições para uma melhor prática da investigação e da formação em física em Portugal. Igualmente, quero hoje homenagear a Sociedade Portuguesa de Física pelo trabalho meritório que vem desenvolvendo nestes campos desde a sua criação.
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