Discurso de SEXA PR por ocasião da Sessão Solene de Abertura do Ano Académico do Instituto da Defesa Nacional 2005/2006

Instituto de Defesa Nacional, Lisboa
13 de Dezembro de 2005


Senhor Ministro da Defesa Nacional
Senhor Director do Instituto de Defesa Nacional
Senhor Dr. Rui Machete
Minhas senhoras e meus senhores

Quero começar por agradecer o convite para estar presente na abertura do novo Ano Académico do Instituto de Defesa Nacional, e cumprimentar o seu Director pela qualidade do trabalho desenvolvido pelo Instituto de Defesa Nacional, que se tornou uma instituição portuguesa de referência nos estudos estratégicos e de defesa, bem como um lugar de encontro insubstituível, onde civis e militares podem debater, num quadro de pluralismo e abertura, os grandes temas da segurança nacional.

Aliás, como futuro vizinho do Instituto de Defesa Nacional, espero ter a oportunidade de vir a participar nesses debates, se houver lugar também para um antigo Presidente da República que teve o privilégio de poder aprender algumas coisas sobre defesa e segurança nos últimos nove anos.

Quero também cumprimentar o Dr. Rui Machete pela sua relevante intervenção sobre o tema, sempre significativo, das Relações Bilaterais entre Portugal e os Estados Unidos. Todos sabem que mantive uma posição crítica em relação à intervenção militar no Iraque, na ausência de um consenso entre os aliados e sem um mandato expresso do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Esse contexto tornou impossível a participação das Forças Armadas Portuguesas em missões operacionais no Iraque. Todavia, mesmo nos momentos mais difíceis, empenhei-me, pessoalmente, em salvaguardar quer a coesão da Aliança Atlântica, quer os vínculos da aliança bilateral entre Portugal e os Estados Unidos. Somos um Estado membro da União Europeia e a nossa prioridade é a integração, a segurança e a defesa europeias. Mas somos, na União Europeia, um Estado que defende a comunidade transatlântica de defesa e a permanência da aliança com os Estados Unidos, que não só é parte indispensável da nossa segurança, como parte integrante da aliança entre as democracias e, como tal, um pilar de estabilidade da ordem internacional.

Nos últimos dez anos, as nossas Forças Armadas mudaram de um modo profundo, tão profundo que passámos a ter como adquiridas as mudanças que, entretanto, foram realizadas, graças, sobretudo, à capacidade de decisão, às qualidades profissionais e ao espírito de bem servir dos militares portugueses.

Essas mudanças eram indispensáveis, quer por razões internas, quer pela evolução do quadro internacional depois do fim da Guerra Fria. Por um lado, depois das longas guerras coloniais e da revolução, foi preciso reconstituir o lugar das Forças Armadas como instituição nacional no regime democrático e como um corpo de defesa moderno num Estado membro da União Europeia e da Aliança Atlântica. Esse percurso teve etapas sucessivas e consolidou-se, durante a última década, com a modernização, a internacionalização e profissionalização das Forças Armadas.

As Forças Armadas portuguesas, por tradição e por vocação, são um agente de modernização. Pela própria definição dos seus objectivos, que incluem a sobrevivência do Estado, a defesa nacional exige o máximo disponível, que nunca é bastante, e exige também a formação e organização de uma elite, com elevada preparação profissional em domínios muito especializados. Esse grau excepcional de exigência é reforçado pela integração das Forças Armadas portuguesas na Organização do Tratado do Atlântico Norte, o quadro multilateral de defesa colectiva que reúne os sistemas militares mais avançados do mundo. Esse enquadramento internacional contribuiu significativamente para preservar a linha modernizadora das Forças Armadas, mesmo nos períodos mais críticos da história recente.

As nossas Forças Armadas são uma organização moderna e exemplar, em permanente adaptação. Essa dinâmica de modernização, a par da necessidade de racionalização de recursos financeiros escassos, tornou cada vez mais necessária a profissionalização das Forças Armadas, começando pela Armada e pela Força Aérea para, finalmente, chegar ao Exército. Foi um processo complexo, em que as chefias militares demonstraram as grandes qualidades de comando para assegurar uma transição sem rupturas, nem sobressaltos. Para todos, responsáveis políticos e chefes militares, ultrapassar a tradição republicana do serviço militar obrigatório representou uma decisão particularmente difícil e implica um empenho renovado na defesa dos valores republicanos de serviço ao Estado e à democracia portuguesa.

Paralelamente, a modernização das estruturas militares e a evolução da doutrina estratégica e operacional reclama uma crescente inter-operabilidade entre as forças dos três ramos das Forças Armadas, bem como a re-organização dos sistemas de comando, tendo em vista a constituição de um Estado-Maior da Defesa. No mesmo sentido, realizou-se a re-estruturação do ensino superior militar com a criação do Instituto de Estudos Superiores Militares, integrando o Instituto Superior Naval de Guerra, o Instituto de Altos Estudos Militares e o Instituto de Altos Estudos da Força Aérea, onde começou este ano a formação conjunta dos oficiais superiores do Exército, da Armada e da Força Aérea.

A internacionalização crescente das nossas Forças Armadas é penhor tanto de uma forte capacidade nacional de adaptação ao novo quadro estratégico do post-Guerra Fria e às novas ameaças, como de uma demonstração da competência, do profissionalismo e da flexibilidade da instituição militar.

Há dez anos, as Forças Armadas portuguesas integraram, pela primeira vez desde a Grande Guerra de 1914-1918, uma missão militar internacional num teatro operacional na Europa. Tanto como a profissionalização, a nossa participação militar na IFOR, constituída para impor os acordos de Dayton e pôr fim à guerra fratricida na Bósnia-Herzegovina, foi um momento de viragem. O destacamento nacional, com cerca novecentos homens, constituía uma força significativa com responsabilidades de comando, e pôde assegurar um impecável desempenho da sua missão.

A nossa presença militar na Bósnia-Herzegovina contribuiu, decisivamente, para demonstrar que Portugal se tinha tornado numa democracia moderna, com todas as condições para assumir responsabilidades na defesa europeia, incluindo missões de imposição da paz com elevado risco. Essa demonstração foi muito importante para a politica europeia de Portugal, no momento critico em que se completava o processo de unificação monetária.

No mesmo sentido, a intervenção das Forças Armadas portuguesas em Timor-Leste, com meios navais, aéreos e terrestres consideráveis, consolidou essa grande viragem. A nossa diplomacia e a instituição militar foram decisivas para assegurar a autodeterminação nacional dos Timorenses e cumprir, finalmente, uma obrigação histórica e constitucional de Portugal. Os sucessivos destacamentos militares portugueses, integrados nas missões das Nações Unidas e apoiados pela Guarda Nacional Republicana e pela Policia de Segurança Pública, bem como por um contigente admirável de cooperantes civis, deram um contributo impar para a consolidação da independência de Timor-Leste, durante um período de transição muito complicado e arriscado. A missão das Nações Unidas em Timor-Leste, cujo sucesso não teria sido possível sem a presença das nossas Forças Armadas, é uma das raras missões internacionais de segurança que conseguiu realizar exemplarmente os seus objectivos.

A presença das nossas Forças Armadas em sucessivas missões militares internacionais desde o fim da Guerra Fria, em Angola e em Moçambique, nos Balcãs e em Timor-Leste e, agora, no Afeganistão, representa um esforço notável, em que participaram, no total, cerca de vinte mil soldados portugueses. Essas intervenções demonstram uma forte capacidade de adaptação às mudanças estratégicas internacionais e foram um factor decisivo na modernização das novas Forças Armadas Portuguesas.

Como Presidente da República empenhei-me, desde a primeira hora, a favor de uma presença efectiva de Portugal nas missões militares internacionais que correspondiam à defesa dos interesses nacionais e ao cumprimento das nossas obrigações como Estado membro das Nações Unidas, da Aliança Atlântica e da União Europeia. No exercício das minhas funções, garanti que o Conselho Superior de Defesa Nacional pudesse ter uma intervenção efectiva na definição das missões externas e no seu acompanhamento regular, pois entendo que essas missões devem ser permanentemente reavaliadas, tanto pelos responsáveis militares, como pelos responsáveis políticos.

Como Comandante Supremo das Forças Armadas, visitei as forças nacionais destacadas na Bósnia-Herzegovina e em Timor-Leste. Em cada uma das minhas visitas, fui testemunha do reconhecimento geral que mereciam o alto profissionalismo, a competência e a dedicação dos nossos militares, expresso, designadamente, pelos mais altos responsáveis dessas missões. Quis exprimir, desse modo, não só o meu orgulho, que é fundo e sincero, nas Forças Armadas portuguesas, como a prioridade que sempre atribui a essas missões internacionais, que não só serviram interesses vitais portugueses, como contribuíram, significativamente, para restaurar o prestigio nacional das nossas instituições militares.

Como todos os processos de mudança, também a transformação e a modernização das Forças Armadas portuguesas ainda não chegou ao seu fim. Sou o primeiro a reconhecer as dificuldades na obtenção dos meios operacionais que são indispensáveis para conjugar o imperativo de assegurar a maior autonomia possível na defesa soberana do espaço nacional com as obrigações internacionais do Estado, incluindo a nossa determinação de consolidar a posição de Portugal como um produtor internacional de segurança. Não quero ocultar as minhas preocupações, de resto constantes, com a segurança dos militares que integram as missões internacionais em teatros de elevado risco, sempre com a maior coragem. Também tenho obrigação de conhecer os inevitáveis efeitos de perturbação que provocam as reformas internas, as quais nem por isso deixam de ser menos necessárias.

Porém, aprendi a ter uma confiança crescente nas hierarquias militares e altas expectativas sobre o desempenho das nossas Forças Armadas.

A nova geração militar, que fez escola neste período de transição e de mudança e detém um curriculum internacional notável, está a assumir todas as suas responsabilidades, até aos mais altos níveis da hierarquia das Forças Armadas. Reconheço nessa geração, ao mesmo tempo, a força dos valores democráticos e a permanência dos valores nacionais, a par de uma verdadeira vocação militar de servir Portugal. O sonho de uma nação rebelde e universalista está em boas mãos, entregue a uma geração de profissionais pragmáticos, experientes e competentes no exercício das funções únicas de defesa da segurança nacional.