Discurso de SEXA PR por ocasião do lançamento do livro "Com os Portugueses - 10 Anos na Presidência da República"

Fundação Engº António de Almeida, Porto
16 de Dezembro de 2005


As minhas primeiras palavras são, como não podia deixar de ser, de sincero agradecimento à Fundação Engenheiro António de Almeida, na pessoa do seu Presidente e meu velho Amigo, Dr. Fernando Aguiar Branco. Sinto-me muito honrado e feliz por poder apresentar o meu livro nesta Casa, que tão bem representa o dinamismo, diversidade e espírito solidário característicos do movimento cultural portuense.

É grande também o meu reconhecimento à Fundação Montepio Geral, que generosamente entendeu financiar a edição do livro, tornando-o, desse modo, mais acessível ao público.

Quero agradecer ainda às Edições Afrontamento por todo o empenho e competência postos na produção do volume. Com as limitações de tempo que tiveram de enfrentar, o resultado final parece-me excelente – por isso quero saudar todos os colaboradores da Editora e, em especial, o Dr. José Sousa Ribeiro, seu Director, e José Miguel Reis, a quem se deve a concepção gráfica do volume.

Tenho a noção da importância que as Edições Afrontamento tiveram, antes e depois do 25 de Abril, na difusão da cultura portuguesa, em especial no âmbito das ciências sociais. Sei que, sem a persistência verdadeiramente militante dos seus responsáveis e colaboradores, o panorama neste sector seria hoje bem mais pobre. É, pois, com orgulho que me associo ao rol dos autores publicados pela Afrontamento, não sem recordar o papel que nela teve, como dirigente e como autor, o meu saudoso amigo e talentoso historiador César Oliveira.

Agradeço ainda, muito reconhecidamente, a todos os que quiseram juntar os seus depoimentos aos textos que seleccionei para o livro. São, todos eles, testemunhos atentos e afectuosos, que muito me sensibilizaram. Kofi Annan, Carlo Ciampi, Jacques Delors, Mary Robinson, José Silva Lopes, João Ferreira de Almeida, Luís Portela, António Cardoso Pinto, Milice Ribeiro dos Santos e Rui Lourenço.

Os Professores Elisa Ferreira, José Pacheco Pereira e Manuel Ferreira de Oliveira, que, não obstante a intensidade das suas vidas profissionais, se prontificaram a comentar o meu livro nesta sessão, são igualmente credores da minha homenagem e reconhecimento. Não esquecerei tanta boa vontade e atenção. E a benevolência das palavras que me dispensaram não se sobrepôs, creio bem, ao espírito analítico e à independência crítica que são seu apanágio.

A minha acção como Presidente da República nestes dez anos passados beneficiou em muito da diligência e competência dos membros das minhas Casas Civil e Militar. Seria, pois, grande injustiça não deixar aqui, para todos eles, os que me acompanham agora e os que, por contingências da vida e da morte partiram, uma palavra de amizade e muita gratidão.


Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Caros Amigos:

Não ficaria de bem comigo próprio se, após o lançamento deste livro em Lisboa, não viesse apresentá-lo publicamente no Porto.

Em primeiro lugar, porque desde há muito venho estabelecendo uma intensa ligação afectiva a esta cidade - cidade por vezes sombria, mas que, olhada de perto, como eu fiz, tanto nos surpreende com todo o sol que traz dentro de si.

As mais de uma centena de visitas que aqui fiz ao longo dos meus mandatos, a pretexto de acontecimentos e iniciativas das mais variada natureza, ajudaram de resto a aprofundar e a dar novos sentidos a essa relação.

A verdade é que, tendo eu querido fazer da minha passagem pela Presidência da República um movimento de permanente aproximação aos problemas e anseios concretos dos cidadãos portugueses – daí, em parte, o título do livro -, fui criando, nos últimos dez anos, com as populações e os cidadãos anónimos de Norte a Sul do País, uma corrente de afectos e de cumplicidades tão ampla e tão genuína que justificaria, no mínimo, para inteira tranquilidade de consciência e apaziguamento das minhas emoções, tantos lançamentos do livro quanto os concelhos do País.

Como compreenderão, não é este um exercício a que, nesta altura, possa submeter-me...

O livro tem por título Com os Portugueses e divide-se em duas grandes Partes: a Primeira, que intitulei “Globalização, construção europeia e Portugal”, onde reflicto sobre o complexo processo de relacionamento da sociedade portuguesa com o espaço económico, social e cultural europeu e mundial, e a Segunda, “Uma ambição para Portugal”, subdividida, por sua vez, em dez capítulos, a saber: “Aperfeiçoar a democracia”, “A Defesa Nacional e as Forças Armadas”, “Justiça e cidadania”, “Repensar as funções do Estado”, “Questionar o modelo de desenvolvimento”, “Coesão e direitos sociais”, “Por um sistema de saúde ao serviço dos cidadãos, “A causa da educação”, Ciência e inovação” e “Cultura e identidade”.

Pois bem: vir ao Porto fazer a apresentação de um livro com estas características tem, então, para mim, o significado fundamental que consiste em dizer ao País, a Portugal todo, a partir do lugar que historicamente sempre protagonizou o inconformismo dos cidadãos com os esquecimentos e injustiças do poder centralizador, que todos somos indispensáveis para construir uma sociedade democrática, respeitadora, no papel e na acção prática, dos princípios do Estado de Direito, e aberta aos valores do humanismo universalista.

Uma sociedade que, simultaneamente, seja capaz, nas pequenas e grandes acções do dia a dia, de mobilizar e conjugar, sem inibições absurdas, todas as competências e energias disponíveis para produzir mais e melhor nas difíceis e imprevisíveis condições de competitividade dos mercados e de desregulação das relações internacionais.

Uma sociedade que se interrogue em permanência sobre a capacidade que tem para garantir igualdade de oportunidades a todos os seus membros e níveis de protecção social dignos para os mais vulneráveis.

Uma sociedade que não faça do acesso à justiça, à saúde e à instrução um privilégio ou vantagem relativa, explícita ou implícita, só para alguns.

Uma sociedade que encare o desenvolvimento e difusão do saber científico e o direito à criação e fruição culturais como ingredientes básicos de uma cidadania activa, em que o direito à construção autónoma do futuro se conjugue com o respeito pela natureza e pelas obras do passado e com a tolerância, não meramente formal, para com a diferença.

Caros Amigos:

Fui convidado, há alguns anos, a conhecer de perto uma experiência de animação cultural no Porto, que, a partir do então ainda projecto de animação e extensão educativa da Casa da Música, tivera a ousadia, para muitos próxima da imprudência ou ingenuidade inconsequente, de levar a ópera a um bairro popular da cidade. O objectivo desse projecto seria não tanto para pôr os habitantes a escutar, porventura pela primeira vez, alguns acordes eruditos, mas inseri-los, como protagonistas de corpo inteiro, na trama musical e cénica do espectáculo, em que alguns músicos e outros artistas profissionais também colaboravam. E pude ver, nessa altura, como, de forma discreta, o envolvimento da população local na construção da obra artística desempenhava funções latentes de integração social, aumentando seguramente os níveis de auto-estima e felicidade das pessoas que viviam naquele bairro.

Tenho pensado muito no significado desta experiência, sobretudo quando, ao longo do País, me deparo com verdadeiros milagres de mobilização de recursos escassos para enfrentar problemas dramáticos, aparentemente sem solução, que afectam o quotidiano dos cidadãos.

Nesse contacto com pequenas-grandes realizações concretizadas graças ao denodo, inconformismo e sentido de partilha de cidadãos anónimos, pergunto-me por que razão não se tem tornado possível generalizar os procedimentos postos em prática nessas circunstâncias, por que razão é tão lento o movimento de democratização real das sociedades, por que razão, finalmente, o desígnio generalizadamente assumido, no plano dos princípios, de justiça social tarda em inserir-se, com naturalidade, nas rotinas políticas e nas práticas quotidianas das pessoas.

Não tenho a pretensão de pensar que o meu livro possa vir a constituir um repositório de propostas capazes de acelerar o processo de democratização ou de operacionalizar, como que por magia, a construção de sociedades mais justas.

Até prova em contrário, acredito, contudo, que ele possa fornecer um enquadramento genérico para, nas condições de incerteza e de risco que caracterizam as nossas sociedades, ajudar a vislumbrar oportunidades para ultrapassar as suas maiores injustiças, ainda que as propostas avançadas surjam recobertas pelo suspeito manto das pequenas (ou médias...) utopias.

É uma convicção, porventura imodesta, que deixo ao vosso julgamento.

Muito obrigado pela atenção que me concederam.