Discurso de SEXA o PR por ocasião da Cerimónia de Apresentação de Cumprimentos de Ano Novo pelo Corpo Diplomático Acreditado em Lisboa

Palácio Nacional de Queluz
11 de Janeiro de 2006


Senhoras e senhores Embaixadores e Chefes de Missão

Muito obrigado, pelas amáveis palavras e pelos votos de bom Ano Novo que acabam de me ser transmitidos em nome do corpo diplomático acreditado em Lisboa. São votos que gratamente retribuo, pedindo-vos que façam chegar aos vossos Chefes de Estado o meu desejo amigo de que 2006 seja um ano de paz, de concórdia e de prosperidade.

Esta cerimónia reveste-se para mim de um significado especial, por ser a última vez que recebo os vossos cumprimentos. Nesta ocasião, gostaria de vos dizer que foi para mim, como Presidente da República, um prazer contactar os Embaixadores estrangeiros acreditados em Lisboa. Para além das vossas qualidades pessoais, e do proveito que tirei dos vossos conhecimentos e experiência, a vossa presença foi sempre motivo de satisfação por simbolizar a amizade que liga Portugal aos países que aqui representam.


Pelo seu passado, pela sua posição geográfica, pela presença em diversos países de importantes comunidades portuguesas, pela projecção da sua língua, e, claro está, pela sua inserção política na Comunidade Internacional, como membro da União Europeia e, noutro plano, da Aliança Atlântica, Portugal tem relações especiais com um grande número de países, em todos os continentes, e interesses muito diversificados, de ordem política, económica e cultural.

O foco principal da nossa politica externa é a Europa. Encaramos a União Europeia como uma verdadeira comunidade de destino à qual estamos indissoluvelmente ligados. A nossa participação no processo de integração europeia é irreversível e molda de variadas formas o nosso presente e futuro. É na União Europeia que se elabora uma parte importante das leis pelas quais nos regemos e que se definem disciplinas que livremente nos comprometemos a cumprir. É na União Europeia que se encontram os nossos principais parceiros económicos. É também na União Europeia, num processo de permanente concertação e diálogo, que definimos aspectos cruciais da nossa política externa.


Os últimos dez anos foram um período de grande expansão e dinamismo para a União Europeia. Dois factos de particular relevo devem ser assinalados: a introdução da moeda única e o alargamento a 25 países, efectivo desde 1 de Maio de 2004. Este foi também um tempo de grande actividade na definição de novas regras de funcionamento interno da União. Foram concluídos os Tratados de Amesterdão e de Nice e foi levada a bom termo a negociação de uma Constituição para a Europa.

O ano de 2005 ficou todavia marcado pelo resultado negativo dos referendos à Constituição realizados em França e nos Países Baixos. A rejeição da Constituição abriu uma crise grave, sobretudo por ter resultado de votações amplamente participadas em dois países fundadores. Ultrapassar essa crise exigirá tempo, paciência e bom senso. Não obstante, a União deu já provas de que a sua capacidade de decisão se mantém intacta, ao levar a bom termo a negociação sobre as perspectivas financeiras para o período de 2007 a 2013 e ao confirmar a decisão de encetar negociações de adesão com a Turquia, para referir apenas dois temas de grande relevo político.


Se a União Europeia fornece o enquadramento jurídico, político e económico fundamental para Portugal, a nossa capacidade de defesa continua a depender em larga medida da Aliança Atlântica. Os últimos dez anos foram também, para a Aliança, um período de assinalável dinamismo, marcado essencialmente por dois desenvolvimentos: o alargamento e uma nova interpretação das suas missões, que a levou a intervir em diversos teatros de operação, designadamente na Bósnia Herzegovina, no Kosovo e no Afeganistão.

Para Portugal, participar nestas missões representou uma evolução importante na sua política externa, uma demonstração da maturidade do regime democrático para assumir responsabilidades internacionais e uma contribuição importante para a modernização e para o prestígio das suas Forças Armadas. O ano de 2005 ficou tristemente assinalado pela primeira baixa portuguesa numa actividade operacional no âmbito dessas missões, ocorrida no Afeganistão, mas tal não nos demoverá de continuarmos a assumir as nossas obrigações.


A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa é outro elemento central da nossa politica externa. Os meus dois mandatos coincidiram com a primeira década de vida desta organização. A CPLP não é, nem pode naturalmente ser vista, como uma alternativa à nossa inserção nas instituições euro-atlânticas. Ela representa um espaço de solidariedade assente numa história comum e na partilha de uma língua que é a terceira língua europeia mais falada do mundo e uma das poucas que continua em expansão.

Estou plenamente convicto que, neste período, graças à existência e à acção da CPLP, os países lusófonos e as respectivas sociedades reforçaram o seu conhecimento mútuo e alargaram a sua cooperação. Ao abrigo da CPLP, desenvolveram-se múltiplas redes de contactos entre as sociedades civis dos seus membros, alargaram-se os intercâmbios entre os seus Governos e administrações, trocaram-se saberes e experiências, gizou-se uma acção comum nos organismos internacionais. Assim, a CPLP é hoje uma organização consolidada, cuja acção se continuará certamente a expandir.


Parte activa de outros quadros de concertação multilateral, a que confere especial importância, como as cimeiras ibero-americanas e o processo de Barcelona, Portugal atribui um valor muito particular à sua qualidade de membro da Organização das Nações Unidas. Com efeito, Portugal considera que o desenvolvimento das relações internacionais deve assentar no respeito pelo direito, o que implica a defesa dos princípios básicos do multilateralismo. Consideramos, por isso, que as Nações Unidas e os seus órgãos especializados desempenham um papel insubstituível e de decisiva importância na vida internacional. Mau grado alguns percalços, esse papel tem vindo a afirmar-se com cada vez mais força nesta época da globalização.

Em 2005, tive o grande gosto de representar Portugal na cimeira convocada para assinalar o sexagésimo aniversário da fundação das Nações Unidas, que deu um importante impulso ao processo de reforma da organização. No âmbito dessa reforma, foi para nós motivo de particular contentamento a criação da Comissão para a Consolidação da Paz, por se tratar, na origem de uma proposta portuguesa. É fundamental que não se perca a dinâmica desse processo; é de particular importância alcançar em 2006 acordos sobre alguns assuntos pendentes, entre os quais destacaria a fixação das modalidades de funcionamento do novo Conselho dos Direitos Humanos.
Quero ainda nesse contexto referir, no ano transacto, a escolha do Eng. António Guterres para Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, o posto mais elevado no Secretariado da organização alguma vez ocupado por um português.

Aposta convicta no processo de integração europeia; fidelidade à Aliança Atlântica; desenvolvimento da CPLP; respeito pelo direito internacional e reforço da diplomacia multilateral, no âmbito das Nações Unidas: são estes os eixos fundamentais da nossa politica externa, objecto de um amplo consenso na sociedade portuguesa. Estou seguro de que essa política se continuará a desenvolver em torno destes quatro eixos, com a preocupação de, servindo os interesses portugueses, servir também o interesse da Comunidade Internacional.

Senhoras e Senhores Embaixadores

O ano que passou foi ainda pontuado por alguns acontecimentos que não quero deixar de referir. Foi um ano de impressionantes desastres naturais, marcado pelas sequelas do “tsunami” do final de 2004; pela devastação causada em Nova Orleães pelo furacão Katrina; e pelo terrível terramoto que ocorreu no norte do Paquistão.
Não posso deixar de reiterar nesta ocasião a nossa profunda solidariedade para com os países afectados e às dezenas de milhares de vítimas destes cataclismos.

Também não podem passar em claro, por merecerem uma condenação enérgica e o mais vivo repúdio, os atentados terroristas ocorridos este ano em Londres, em Amã e em Bali. A luta contra o terrorismo internacional e contra a sua ideologia de ódio e fanatismo deve continuar a ser uma prioridade internacional.

Infelizmente, 2005 foi mais um ano de grande violência e tensão no Médio Oriente. Desde logo no Iraque, ainda longe de encetar um tempo de paz, apesar de haver a registar, como indicação positiva, a grande afluência às urnas nos actos eleitorais que tiveram lugar. Depois, também no Líbano, onde ocorreram uma série de assassinatos políticos absolutamente condenáveis. E finalmente no conflito entre Israel e os palestinianos, embora neste caso, se possa assinalar um movimento positivo num conflito há anos bloqueado: refiro-me à retirada de Israel de Gaza e ao desmantelamento dos seus colonatos naquele território e numa pequena parcela da Cisjordânia.


Senhoras e Senhores Embaixadores

Antes de terminar, quero recordar aqui as Visitas de Estado que tive o prazer de efectuar em 2005, à República Popular da China, a França, ao Chile e ao Reino da Bélgica, bem como aquelas que ocorreram noutros quadros, ao Japão, a Espanha, ao Reino Unido, a Itália, à Finlândia, ao Luxemburgo, ao Paraguai, a Moçambique e a Angola. Uma menção amiga também para os Chefes de Estado que tive a honra de receber em Portugal ­— Sua Majestade o Rei de Espanha, os Presidentes de Moçambique, da Turquia, da Argélia, da Eslováquia e da Estónia — sem esquecer, também, o Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, com quem desenvolvemos um trabalho muito frutífero ao longo destes dez anos. Todas estas visitas serviram o propósito de aprofundar amizades, consolidar entendimentos, alargar cooperações.


Uma última palavra para recordar que o ano transacto marcou o fim do pontificado de Sua Santidade o Papa João Paulo II, a cujas exéquias tive a honra de assistir em representação do Estado português e a eleição de um novo Papa, Bento XVI, a quem endereço uma saudação especial de respeito, que reflecte o sentimento da nação portuguesa. Não quero deixar, nesta ocasião, de lamentar a ausência, por motivos de saúde, de Sua Excelência Reverendíssima o Núncio Apostólico, a quem desejo um pronto restabelecimento.

Agradeço a vossa presença e a todos desejo um bom ano de 2006. Obrigado pela vossa atenção e bem hajam.