Discurso de SEXA PR por ocasião do Lançamento do livro “Do Conselho de Estado ao Actual Supremo Tribunal Administrativo”, da Prof. Doutora Maria da Glória Dias Garcia

Supremo Tribunal Administrativo
02 de Fevereiro de 2006


A visita a esta casa é-me duplamente grata: pela circunstância de ocorrer na cerimónia de lançamento da obra Do Conselho de Estado ao actual Supremo Tribunal Administrativo e pela visibilidade que pode dar à reforma da justiça administrativa.

Iniciada em 2000, aprovada em 2001 e em vigor desde 1 de Janeiro de 2004, a reforma do contencioso administrativo, processo que contou com a participação activa do Supremo Tribunal Administrativo, constitui um instrumento essencial à garantia de direitos fundamentais dos particulares face à Administração e a uma efectiva tutela da legalidade e do interesse público.

É hoje praticamente unânime a convicção de que esta reforma do contencioso administrativo constituiu a primeira reforma global e integrada e representou um significativo progresso em relação ao ordenamento jurídico anterior.

Tal convicção é partilhada não só pelos variados operadores dentro da comunidade jurídica, mas também pelo cidadão comum que se vê finalmente dotado de um verdadeiro direito de acção contra a Administração, de um amplo leque de providências cautelares e de um processo eficaz de execução de sentenças, como inovações a salientar num processo administrativo caracterizado pelo tratamento paritário das partes, pelo levantamento de limitações aos meios de prova admissíveis, pela desburocratização e simplificação generalizada dos procedimentos, sendo por isso mesmo potenciador de uma maior economia processual, de uma maior celeridade na emanação das decisões judiciais, em suma de uma prestação global mais equitativa e eficaz da Justiça.

São aliás múltiplos os aspectos de que se reveste a evolução a todos os títulos positiva, orientada pela oportunidade de transformar o contencioso administrativo em contencioso de plena jurisdição.

A consagração pelo legislador constituinte de uma jurisdição administrativa e fiscal, obrigatória e autónoma, tem que ser entendida como a opção consciente pela especialização funcional, enquanto única via para, num mundo crescentemente complexo, se conferir maior qualidade e eficácia à justiça prestada.

Com efeito, a resolução das dúvidas quanto à jurisdição competente, quer em matéria de contratação pública, quer em matéria de responsabilidade civil extracontratual do Estado por danos causados no exercício de qualquer das suas funções, constituem sem dúvida aspectos de particular relevância para o utente da justiça administrativa, na medida em que minoram a insegurança jurídica, a disseminação de conflitos, a duplicação de processos e a consequente morosidade processual.

Por outro lado, de um contencioso administrativo centrado no recurso contencioso de mera anulação passou-se a um contencioso que assenta no princípio da plena e efectiva tutela das posições subjectivas dos interessados, e que, como tal, faz corresponder a cada direito ou interesse legalmente protegido do particular, um meio adequado de defesa em juízo, seja este um processo cautelar, um processo declarativo, ou um processo executivo.

No plano da organização judiciária a reforma optou pela longamente aguardada introdução de alçadas e atribuição de um valor à causa, pela agregação de tribunais administrativos e fiscais de 1ª instância, pela constituição de secções especializadas no seio dos próprios tribunais superiores.

Retiradas as competências de primeiro grau ao Tribunal Central Administrativo, e, em grande medida, ao Supremo Tribunal Administrativo, criaram-se condições para que o primeiro se assuma como instância de recurso jurisdicional das decisões dos tribunais administrativos

de circulo e dos tribunais de primeira instância, e o segundo realize a sua natural vocação de tribunal de revista, especialmente orientado para a uniformização da jurisprudência.

A este esforço de racionalização da justiça, acrescem os passos dados no sentido da sua descentralização.

A análise efectuada, sem pretender ser exaustiva, demonstra amplamente que se começa a erguer uma justiça administrativa mais próxima dos cidadãos, ou seja uma justiça menos burocrática nos seus procedimentos e mais apta a proferir decisões expeditas e de fundo.

Para prosseguir tal objectivo é inestimável a colaboração de todos os operadores do direito, mas hoje em especial os juízes da jurisdição administrativa, que com o seu labor e desempenho vêm prosseguindo um esforço árduo e um trabalho profícuo, no sentido levar a bom porto uma reforma de tal dimensão.

É assim duplamente importante, no actual contexto de profunda mudança da justiça administrativa, a publicação do livro da Senhora Professora Maria da Glória Dias Garcia “Do Conselho de Estado ao actual Supremo Tribunal Administrativo”.

Aggiornamento da edição de 98, trata-se de um contributo de mérito assinalável para a história das nossas instituições judiciárias e de livro de consulta obrigatória para o conhecimento e compreensão da justiça administrativa no nosso tempo histórico.

Também esta - a do conhecimento e divulgação da história das instituições judiciárias -, constitui uma via a percorrer nessa preocupação de todos nós, que nos ocupamos das coisas da República, de que a cidadania, mais do que um nome, seja um verdadeiro e efectivo estatuto.

Muito obrigado