Discurso de SEXA PR por ocasião do Simpósio sobre “Sociedade Cosmopolita, Segurança e Direitos Humanos em sociedades pluralistas e pacíficas”

Universidade de Évora
12 de Fevereiro de 2006


Alteza
Senhor Professor
Minhas Senhoras e meus Senhores

Foi para mim um grande prazer presidir a este simpósio organizado por ocasião do Doutoramento honoris causa de Sua Alteza o Príncipe Aga Khan por esta ilustre universidade, cujo tema não pode ser mais actual nem mais apropriado à obra notável em favor da paz, do diálogo entre culturas e religiões e do respeito pelos Direitos Humanos que tem sido realizada pela comunidade ismaelita.

Os temas aqui discutidos são de grande importância e actualidade porque uma parte significativa das tensões sociais e culturais que se manifestam no nosso tempo derivam do choque entre, por um lado, uma sociedade cada vez mais globalizada e, por isso, cada vez mais cosmopolita e, por outro lado, as resistências locais que essa sociedade gera.

Essa tensão, aliás, não é de agora. O cosmopolitismo, com tudo o que implica de conhecimento, de comparação e de convivência pacífica entre diversas formas de viver e de pensar, sempre foi uma ameaça para fundamentalismos e particularismos diversos, de raiz religiosa, nacionalista ou ideológica, e sempre foi por eles atacado com grande virulência.

Com efeito, ao permitir comparar experiências e circular livremente entre diferentes povos e civilizações, o cosmopolitismo encoraja o espírito crítico e a liberdade de pensamento e de expressão, valores que estão no âmago da cultura política liberal e democrática. Na exacta medida em que esses valores têm um apelo universal, provocam resistência por parte de todos os dogmatismos que se vêem ameaçados na sua pretensão de deter a verdade absoluta.

Uma cultura cosmopolita é uma cultura tolerante à expressão da diferença, aberta à discussão, curiosa em relação ao outro. Essa tolerância funda-se na defesa das liberdades individuais — de pensamento, de expressão, de religião, de associação — como valor máximo da organização política da sociedade e tem, como limite, a própria intolerância: por outras palavras, só não podemos ser tolerantes perante a intolerância alheia.

Se, por um lado, esta cultura cosmopolita está hoje mais viva do que nunca, pois nunca tanta gente viajou e teve acesso livre à informação, através da televisão e da internet, ela também suscita uma forte resistência, em especial por parte de sectores fundamentalistas que — convém reconhecê-lo — se manifestam hoje em várias religiões.

Vem isto também a propósito da controvérsia desencadeada pela publicação na Dinamarca de caricaturas do profeta Maomé, caricaturas essas depois reproduzidas noutros órgãos da imprensa ocidental.

Qualquer que seja o juízo negativo que possamos fazer sobre o sentido, a oportunidade, a intenção e o teor destas caricaturas ela não põe em causa, de modo nenhum, o direito à liberdade de expressão.

Agora que as tensões entre o Ocidente e o Islão estão particularmente exacerbadas, a contenção, o diálogo, a serenidade são, mais do que nunca necessárias.

Dito isto, nada justifica a violência — porventura orquestrada ou pelo menos tolerada — que essas caricaturas provocaram em diversos países do mundo muçulmano. Não é compreensível nem aceitável que essas caricaturas ­originalmente publicadas em Setembro — e que foram, afinal de contas, actos relativamente isolados e já criticados pela generalidade dos governos do Ocidente — sejam interpretadas como uma manifestação de xenofobia generalizada contra o Islão e sirvam de pretexto para atacar Embaixadas e excitar o ódio contra o Ocidente.

Tal como nunca aceitámos a “fatwa” contra Salman Rushdie, também agora não podemos aceitar que a liberdade de expressão seja atacada, posta em causa e coarctada por grupos políticos e por regimes que, infelizmente, não se têm distinguido pelo seu apego à democracia e pela sua defesa dos direitos humanos e cuja voz — talvez seja oportuno recordá-lo — não temos ouvido, com igual vigor, denunciar e condenar actos terroristas bastante mais reprováveis do que a simples publicação de caricaturas, por mais infelizes que estas possam ser.

O diálogo entre civilizações é, sem dúvida, muito necessário, como não me tenho cansado de sublinhar, mas tem de ser conduzido com abertura, boa fé e moderação de parte a parte. É por isso que o exemplo dado pela comunidade ismaelita é tão importante. Ela é o exemplo vivo e actuante de um entendimento do Islão que, sem renegar a fé e a tradição, acompanha a evolução dos tempos, abrindo-se à convivência com outras religiões e culturas. É minha profunda convicção de que é esse, afinal, o entendimento do Islão perfilhado pela vasta maioria dos muçulmanos, cuja voz é infelizmente abafada pelo clamor estridente dos extremistas.

Muito obrigado pela vossa atenção.