Sessão Solene na Câmara Municipal de Viseu

Câmara Municipal de Viseu
09 de Junho de 2000



Dando neste momento início às comemorações oficiais do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, quero começar por saudar Viseu, agradecer a disponibilidade e o carinho que a população e as mais diversas instituições têm prestado ao conjunto de iniciativas que ficam a assinalar esta data, no ano 2000. A todas sobreleva a Câmara Municipal, cuja proposta para acolher as comemorações foi feita em termos praticamente irrecusáveis, e que se não poupou a esforços para conferir a maior dignidade às cerimónias que irão decorrer na cidade de Viseu. Quero pois publicamente manifestar a V. Ex. ª, Senhor Presidente da Câmara, a expressão do meu reconhecimento, a qual é extensiva a todos os vereadores e colaboradores do município. Não esqueço também, Senhor Presidente da Assembleia Municipal, o órgão a que preside, que, que na pluralidade que lhe é própria, conferiu aos passos fundamentais da decisão de aqui estarmos o indispensável consenso político.
Creiam que é com o maior gosto que me encontro hoje em Viseu.
Permita-me Senhor Presidente, Minhas Senhoras e meus Senhores, que convoque neste momento a minha própria experiência de observador desta cidade e desta região, cujo percurso tenho podido verificar por vezes de bem perto. Como sucedeu a outras regiões do país, marcadas por uma forte ruralidade, sofreu transformações profundas nas ultimas três décadas. Depois do êxodo migratório – que levou braços destas terras para outras paragens, não só de Portugal como da Europa da América e da África, e que empurrou para a desertificação muitos núcleos populacionais, Viseu aplicou-se de forma determinada a inverter a situação de isolamento e quase paralisia económica. Recorreu a uma multiplicidade de meios – da melhoria de comunicações à valorização do património cultural, do investimento industrial à terciarização, da qualificação da mão-de-obra à modernização da agricultura, nomeadamente da vitivinicultura, da organização de um sector de ensino superior à implantação dos novos domínios da produção imaterial. Em suma, Viseu deu combate à tendência para a perda de efectivos populacionais e para o envelhecimento da população, e, mantendo embora uma elevada percentagem de população agrícola, a indústria e os serviços atingiram uma notável projecção.
A urbanização deu um salto e a cidade modernizou-se, assegurando um padrão de qualidade de vida aos seus residentes muito atractivo. No interior do País, o caso de Viseu tornou-se exemplar: uma cidade aberta ao exterior, que adquire uma centralidade própria, um dinamismo surpreendente.

Estamos assim chegados ao primeiro tema que gostaria hoje de enunciar: a necessidade de olharmos para as nossas cidades como centros vitais do nosso desenvolvimento actual e futuro. Reconhecendo o lugar eminente que a resposta aos problemas das cidades deve ocupar nas políticas públicas em Portugal, é fundamental que o sistema urbano se fortaleça mais e se articule melhor.

A urbanização cresceu rapidamente nas últimas décadas em Portugal e o dinamismo urbano tornou-se o principal factor de estruturação do território.


Mas os desequilíbrios sociais resultantes da aceleração da urbanização, e os impactos da concentração urbana sobre os recursos patrimoniais e paisagísticos trouxeram a primeiro plano uma problemática urbana múltipla e complexa.

As políticas urbanas tem de ser capazes de corrigir e qualificar o ordenamento das cidades e aprofundar as suas faculdades de integração cultural e social.

Três grande desafios enfrentam as políticas urbanas no nosso País. Em primeiro lugar, o desafio da competitividade. Trata-se aqui de dar ao sistema urbano os meios necessários ao papel insubstituível que as cidades têm no desenvolvimento dos seus territórios, quer esses meios sejam da ordem das infra-estruturas, quer sejam da ordem do imaterial. Mas trata-se também – e este aspecto é porventura tão decisivo – de reconhecer que a intensidade dos processos de mundialização, num contexto de forte desregulação dos mercados, torna mais difícil ser competitivo por si só, individualmente.
É por isso que se torna necessário pensar e falar cada vez mais em redes de cidades, em formas de complementaridade, em coordenação de recursos e de estratégias.

O segundo desafio é o da coesão. Coesão quer aqui dizer capacidade de resposta à mobilidade das pessoas, qualidade de vida, segurança, emprego e qualidade de emprego, justiça na cidade. Quer dizer respeito pela diferença e eliminação dos factores de exclusão, das barreiras entre grupos e entre indivíduos, ou seja humanização da vida urbana.

O terceiro desafio é precisamente o da cidadania. Ou seja, o da afirmação plena dos valores duma sociedade plural, onde a legitimidade da representação política ande a par de outras formas de expressão participativa da vontade popular. A cidade tem que ser o espaço privilegiado dos cidadãos, numa altura em que cada vez mais a participação cívica se enraíza na experiência do quotidiano.

Há um debate em curso sobre o modelo institucional que melhor se ajusta a esses desafios. Não nego a pertinência dessa discussão, até porque o Estado português perdeu o impulso descentralizador e o poder local parece ter esgotado o patamar das suas capacidades de gestão no âmbito das competências e meios atribuídos.

Não será demais insistir neste ponto.

É necessário avançar de forma decidida para um novo patamar de desconcentração e descentralização administrativa. Há que fazê-lo com envolvimento das autarquias locais e no mais escrupuloso cumprimento do resultado político da consulta já realizada ao eleitorado.


Senhor Presidente,
Minhas Senhoras e meus Senhores,

Com isto, eis-me chegado ao segundo tema desta intervenção: a reforma do Estado, enquanto parte essencial da preocupação em melhorar os processos de decisão pública. Trata-se de um tema que está hoje no centro da reflexão política em toda a Europa, onde se reconhece que a mundialização, por um lado, e as desigualdades e processos de exclusão social, por outro, se traduziram em complexidades e dificuldades, sem paralelo no passado.

Alguns dos problemas que em Portugal enfrentamos, estão identificados. O Estado é fraco na defesa do interesse colectivo em face dos grupos de interesses organizados, quando devia ser forte. A capacidade de controlo e regulação, indispensável para promover a equidade e defender o interesse público não é satisfatória. Por outro lado, os sectores mais inovadores da economia e da sociedade esbarram contra o obstáculo constituído por um Estado pesado e lento, onde a burocracia domina.

Tenho também entendido que se justifica interpelar o sistema político, até porque a decisão pública, é sempre uma decisão política. E de facto, sentimos muitas vezes que o sistema político parece não apenas longe de expectativas dos cidadãos e dos mecanismos da sociedade, mas também alheado da emergência das novas problemáticas que a sociedade e a cultura reflectem mais depressa. As consequências dessa distância, ou indiferença perante parece reflectir-se, por exemplo, no modo como os jovens vêm a política e com ela se relacionam.

Estabeleceu-se na relação sociedade civil - Estado um círculo vicioso que é preciso romper.

A sociedade civil parece pouco apta a exprimir aspirações de autonomia e comunicação face ao Estado, cujas prioridades e formas de intervenção são, por sua vez, pouco estimulantes a uma abertura da sociedade.

Finalmente, o sistema político não promove um debate público vivo, participado, estimulante. Pelo contrário, o debate é muitas vezes fechado, pouco permeável ao quotidiano dos cidadãos, e desenrola-se em termos que não mobilizam a opinião pública, tudo isso favorecendo a impressão de que a decisão resulta exterior àqueles a quem efectivamente se dirige.

Ora o processo de decisão é, como se costuma dizer, tão importante como a decisão propriamente dita. Sem debate público vivo, sem diagnósticos precisos e atempadamente partilhados, sem informação técnica rigorosa, como esperar que a comunidade partilhe também os riscos das decisões que sempre antecipam alguma coisa do futuro e da incerteza que lhe está sempre associada?

Estou profundamente convencido que este combate pela reforma do sistema político é crucial.

Por isso me tenho empenhado nele e vou continuar a insistir na necessidade de mudanças que permitam adoptar decisões mais rápidas e capazes de antecipar os problemas, associar mais parceiros ao processo de decisão e contribuir para ampliar a capacidade de reflexão crítica da sociedade.

Senhor Presidente da Câmara
Minhas Senhoras e meus Senhores

Comecei esta intervenção pelo tema das cidades, a propósito de Viseu. A ambos, quero voltar, para uma última palavra.

Creio que todos concordarão que a tarefa que se nos coloca é transformar as cidades numa fonte de oportunidades, de identidades, de cultura cívica, isto é redescobrir a função histórica dos espaços urbanos.

Percebe-se que em Viseu este encargo está aceite e que, na pluralidade das perspectivas que certamente aqui se confrontam, há uma agenda de preocupações partilhadas. Quero a este propósito salientar que o futuro em construção se alimenta, em Viseu, de uma sólida e brilhante tradição cultural.

Correndo o risco de pecar por defeito, não posso esquecer neste momento quatro grandes figuras da cultura portuguesa com ligações ao território de Viseu: o pintor Grão Vasco, o antropólogo Leite de Vasconcelos, o escritor Aquilino Ribeiro, a figura ímpar de gestor cultural que foi Azeredo Perdigão. Na sua diversidade de áreas de criação e de intervenção, e na diversidade de tempos históricos que viveram, eles testemunham de forma eloquente a força de uma identidade que também expressaram e ajudaram a construir.

Ter orgulho no que fomos pode representar um valor de futuro. Nas realizações em que projectamos o que de melhor pudémos e soubémos, encontramos inspiração e ânimo para novos desafios.

Sabemos que a encruzilhada é apertada e o espaço para a afirmação de Portugal e dos portugueses não está garantido para todo o sempre. Mas há uma história em que nos reconhecemos e homens – como aqueles viseenses – cuja projecção nos honra.

Digamos então que só nós podemos garantir esse futuro, com o nosso trabalho e com a nossa inteligência, com a nossa determinação, e, atrevo-me até a dizer, com a capacidade de superarmos os nossos próprios limites.