Comemorações do 10 de Junho - "Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas"

Viseu
10 de Junho de 2000


Neste Dia, saúdo calorosamente todos e cada um dos portugueses, estejam onde estiverem. Convido-vos, hoje, a reflectir sobre as responsabilidades que todos temos de enfrentar, quando equacionamos o futuro do país. Nessa reflexão ponderamos o progresso alcançado, mas, também, os desafios e as dificuldades que de nós exigem capacidade de resposta, mais iniciativa e maior coesão.

Este é o Dia em que celebramos Portugal, a nossa identidade, a nossa história e a nossa cultura, de que Camões é o símbolo mais alto. Não um símbolo distante e morto, porque já nada nos diga. Um símbolo que devemos renovar e tornar presente, pois a obra que nos legou soube captar o que no seu tempo é de todos os tempos e, por isso, também do nosso – a incerteza, a perplexidade e a exaltação face ao novo e ao inesperado, a indignação que não aceita a injustiça, a busca de um sentido mais humano para a vida. Tudo isto num Mundo que iniciava então, por nossas mãos, o primeiro ciclo da globalização e a aventura da ciência moderna.

Enganam-se aqueles que vêem em Luís de Camões apenas o cantor das glórias passadas. Ele é o poeta da complexidade e da mudança. Na sua poesia, ecoa tudo o que é humano, a grandeza e a vulnerabilidade dos mais nobres sonhos. A obra camoniana fala-nos da harmonia e do desconcerto de um Mundo que não nos é dado, porque somos nós que o construímos com o nosso trabalho, a nossa vontade e o nosso poder criador. Camões viveu, conheceu, experimentou tudo, andou por onde pôde. Como nós, foi português, foi europeu e foi universal.

Este é o Dia em que falamos de Portugal, falando dos portugueses, pois sabemos que a melhor homenagem que podemos prestar à História é continuá-la, encarando a análise dos problemas concretos das pessoas concretas. Este é o Dia em que afirmamos a nossa confiança no que está bem e a nossa vontade de mudar o que está mal.

Mais do que nunca, são necessárias capacidade para compreender o presente e coragem para explicar aos portugueses as opções e as exigências que temos. Só assim as pessoas se reconhecerão na política, porque encontrarão nela a voz dos seus anseios, problemas e expectativas, mas, também, a análise serena das possibilidades ou das limitações à sua realização.

Temos sempre o dever de falar verdade aos portugueses. De lhes apresentar com rigor o estado do país, não iludindo as dificuldades e não adiando as questões. Mas temos, também, o dever de explicar que não é possível, no espaço de uma só geração, resolver todas as questões, dar resposta a todos os anseios, manter permanentemente satisfeitas todas as expectativas. É preciso rigor na preparação do futuro e realismo na gestão do presente. Esta é, como sabemos, a primeira condição para mobilizar os portugueses, com vista à resolução dos problemas.É o que tenho procurado fazer. As palavras que vos quero, hoje, dirigir são ditas por Portugal e pelos portugueses, constituindo um renovado apelo a que nos unamos em torno do que é fundamental.

Este é também o Dia em que dizemos aos portugueses que vivem longe da Pátria como os sentimos presentes e como temos orgulho no prestígio que nos acrescentam e na projecção que nos conferem.

As Comunidades Portuguesas, às quais a democracia conferiu um estatuto, um reconhecimento e uma dignidade que antes nunca tinham conhecido, são, hoje, uma marcante realidade do novo Portugal. A renovação que nelas se operou, a integração na sociedade onde vivem e trabalham, não quebrou o vínculo que as une à Pátria de origem antes o reforçou, contribuindo para ampliar a projecção internacional de Portugal.

Temos um orgulho acrescido nesses portugueses e luso-descendentes dispersos pelo Mundo. Às tradicionais qualidades de trabalho, honestidade, determinação, as novas gerações souberam juntar a capacidade de se ligarem ao que de moderno se faz nos países onde estão, de se ilustrarem e de evoluírem intelectual e profissionalmente, de começarem a ter uma voz activa, audível e prestigiada, nas sociedades em que se integram.

Tenho mantido um contacto permanente com as nossas Comunidades. É-me muito grato testemunhar a todos os portugueses que elas acompanham e colaboram no nosso esforço de desenvolvimento e que são hoje um factor de renovação da nossa imagem no Mundo.

Senhor Presidente da República de Cabo Verde

É uma grande honra tê-lo connosco. O convite que lhe dirigi representa o sinal da nossa amizade pelo Povo de Cabo Verde, ao qual estamos ligados e que tanto admiramos, pela coragem frente à adversidade, pelo esforço na construção de um País desenvolvido; um povo que tanto apreciamos pela cultura e pela sensibilidade tão ricas, expressa, por exemplo, nas obras de Baltasar Lopes e de Germano Almeida, na voz de Cesária Évora.

A presença de Vossa Excelência representa igualmente a nossa vontade de valorizarmos a língua e os laços que unem todos os povos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Para que essa Comunidade se instituísse foi preciso vencer dificuldades e obstáculos. Já muito se fez, entretanto. Ao contrário de algumas pessoas, faço uma análise positiva destes primeiros anos da CPLP. Sempre pensei, atendendo às dificuldades da sua génese, que a Comunidade teria um processo longo de institucionalização, requerendo a construção de uma confiança comum na sua utilidade e no domínio dos seus mecanismos; por isso nada ganharia com uma ambição inicial desmedida e irrealista, que poderia rapidamente transformar-se em frustração.

Sempre achei que a Comunidade não é apenas um instrumento multilateral dos Estados. Foi e continua a ser essencial, como a experiência tem demonstrado, que as sociedades ganhassem consciência das suas enormes virtualidades e se fossem, progressivamente, apropriando dela, introduzindo-lhe novas dinâmicas e a exigência de novas funções e realizações.

Penso que é chegada, agora, a altura de dar novos passos, concretizando projectos que dão sentido e substância à Comunidade. Entre esses projectos está, naturalmente, o de pôr em acção uma política ambiciosa de língua, com instrumentos, como a televisão e as novas tecnologias de comunicação, com meios e com uma dinâmica tais que possam dar ao português a afirmação e a difusão a que tem direito, quer pela importância da sua diversidade cultural, económica, geográfica e política, quer pelo número dos seus falantes. Há, ainda, um longo caminho a percorrer. Insisto numa evolução progressiva, na qual todos se vão consensualmente revendo. O que não quer dizer paralisia. Sublinho, assim, a necessidade de dotar a CPLP de uma plataforma de objectivos a médio prazo, dos recursos financeiros necessários e de um sistema de avaliação rigorosa dos seus resultados. Tenho a certeza de que esta é a vontade dos nossos países.

Senhor Presidente,

Em Portugal, vive uma significativa Comunidade de Cabo Verdianos, aos quais estamos reconhecidos pela diversidade cultural com que nos enriquecem e pelo contributo que, com o seu trabalho, dão ao nosso desenvolvimento.

A sociedade portuguesa, como acontece, aliás, com todas as sociedades europeias, é cada vez mais multicultural e multiétnica. Isso tem de ser considerado como um enriquecimento, contribuindo para aprofundarmos o espírito da tolerância e de abertura à diversidade, que constitui a melhor marca do nosso humanismo universalista.

Perante o representante máximo da República de Cabo Verde, quero afirmar que não escondemos algumas dificuldades existentes na integração das Comunidades Imigrantes e não escamoteamos as condições difíceis em que alguns dos seus membros vivem. Não são apenas os sinais de xenofobia e racismo que por vezes irrompem, provocando, aliás, reacções simétricas, e que têm de ser combatidos. É a falta de condições sociais, são as dificuldades de uma integração que as proporcione, assegurando ao mesmo tempo o respeito pelas identidades culturais e religiosas.

Aqueles que vivem entre nós, numa situação legal, respeitando a nossa convivência cívica, as nossas leis e contribuindo, com o seu trabalho, para a nossa economia, têm direitos que queremos garantir. Merecem, para além disso, ser compreendidos nas suas dificuldades e tratados com humanidade, respeito, solidariedade.
Portugal, que é, sobretudo nos últimos dois séculos, um país de emigração, tem, dentro das suas capacidades, o dever de garantir àqueles que nos procuram o mesmo que desejamos para os nossos compatriotas, nos países que os acolhem. Não podemos esquecer o sofrimento e os sacrifícios por que passaram tantos portugueses, nas décadas de sessenta e setenta, nem as prepotências e os abusos que sobre eles exerceram alguns empregadores sem escrúpulos. Como temos também presente as solidariedades e os apoios que encontraram nos países de acolhimento.

Reconheço, com satisfação, o esforço feito, entre nós, por sucessivos governos e por tantas organizações da sociedade, procurando integrar melhor e apoiar, no seu início de vida entre nós, esses imigrantes que nos procuram, vindos, já não apenas dos Países Africanos, mas também, do Magreb, ou do leste da Europa. Muitos deles – temos de o denunciar com mágoa e revolta - são vítimas de criminosas redes internacionais de tráfico e exploração de mão-de-obra. É preciso ser implacável para com esta realidade, extremando os limites da lei, para que, à sombra de subterfúgios ainda existentes, não se perpetuem situações de degradação humana que não podemos tolerar.

Os imigrantes que nos procuram – importa dizê-lo – são hoje indispensáveis ao funcionamento de uma parte significativa da nossa economia. E, enquanto se mantiverem as tendências demográficas do nosso país, a necessidade de contar com o seu contributo só tenderá a aumentar.

Devemos cultivar a tolerância e a solidariedade para com aqueles que entre nós trabalham legalmente. Assim, é mesmo útil que se possam concertar políticas de emigração com os Estados dos países de origem. Devemos, contudo, ser intransigentes para com as redes internacionais de imigrantes ilegais e para com os empregadores nacionais que procuram aumentar os seus lucros à custa da exploração inumana da mão de obra clandestina. Este é um dever moral e político, uma questão fundamental de defesa dos Direitos Humanos.

Portugueses,

A sociedade portuguesa mudou profundamente desde o 25 de Abril. A nossa adesão à Comunidade Europeia, acelerou essa transformação, ao dotar o país dos meios financeiros necessários à sua modernização. Durante anos, lutámos por ideias, projectos, programas, reformas, direitos. Divergimos e confrontámo-nos. Percebemos os desafios e convergimos quando foi necessário. Foi de tudo isso, da discórdia e do consenso, que se construíram as bases políticas do desenvolvimento do país. Devemos orgulhar-nos, tenho-o repetido, do caminho percorrido.

Hoje, porém, quando olhamos para a sociedade, vêmo-la mobilizada pelo consumo e, muitas vezes, pela ideia de que tudo é fácil, tudo é possível e, mesmo, de que tudo é legítimo. Há uma cultura consumista erigida como o grande referencial de desenvolvimento e de progresso. Esta é uma ilusão perigosa, quer para os cidadãos e as famílias que estruturam as suas vidas em torno desse conceito, quer para o Estado que lhes julgue dever dar satisfação. O progresso material das pessoas e dos países depende da capacidade em manter uma economia capaz de produzir níveis de riqueza que se auto-sustentem. Para isso, é necessário poupar, produzir riqueza, investir, pensando no futuro, gastar apenas o que se pode, evitar o endividamento excessivo, redistribuir, para equilibrar o desenvolvimento da sociedade.Como vos tenho dito ao longo do meu mandato, temos de saber viver na justa medida das nossas reais capacidades e não acima delas, seja na vida pessoal e familiar, seja na administração do Estado.

Não vos escondo: hoje, há dificuldades no horizonte. Precisamos de conjugar esforços, para não deixarmos, nem que a prosperidade alcançada nos acomode, adiando a resolução de problemas, nem que essas dificuldades ponham em causa o que já conseguimos construir. Necessitamos também de procurar os compromissos políticos entre os partidos e os grupos parlamentares que sejam a base das reformas de que necessitamos. A reforma da Segurança Social é dessa necessidade um exemplo.

Temos, além disso, de saber distinguir o que não pode ser confundido: uma coisa são as dificuldades conjunturais que tornam mais vulneráveis as nossas fragilidades estruturais e que afectam, infelizmente, os níveis de expectativas dos portugueses e os rendimentos familiares atingidos, por exemplo, pelo aumento das taxas de juro. Outra coisa diferente é a visão catastrófica de um país à beira de uma crise económica, porque essa não é a nossa realidade. Há dificuldades e riscos, mas Portugal não se encontra num impasse.

De entre as dificuldades e os problemas sobre os quais devemos pensar seriamente, aponto alguns, dos quais, creio, depende a nossa afirmação como País democrático e europeu, e o nosso reforço como comunidade nacional, coesa e solidária.

O primeiro deles diz respeito à independência nacional. Como é sabido, num Mundo globalizado e com múltiplas dependências, em que os países integram grandes conjuntos regionais, os próprios conceitos de independência e de soberania nacional mudaram radicalmente. Ser independente, hoje, é ter voz, peso e influência nos lugares onde as decisões se tomam, é participar nos grandes projectos estratégicos da economia e da nova economia, do desenvolvimento cultural, científico e técnico. A independência e a soberania nacionais defendem-se na aposta em políticas continuadas de investimento na educação, na investigação científica, na criação cultural, no audio visual e na expansão da língua, na nossa participação activa na construção da nova sociedade do conhecimento, da informação e da comunicação.

A independência e a soberania nacional reforçam-se tornando Portugal um país mais competitivo e inovador, economicamente; mais coeso e avançado, socialmente; mais desenvolvido e solidário, regionalmente. A independência e a soberania defendem-se no nosso empenhamento num projecto de União Europeia, cujas instituições respeitem o princípio de igualdade entre os Estados-membros e que assente no reforço da cidadania europeia. Um projecto político, social e cultural, que tem de ser de todos os países que o integram, salvaguardando, porém, sempre, as suas identidades próprias. Não será viável nenhum projecto político para a União Europeia que tenha como pressuposto a diluição da identidade nacional dos países que a compõem.

O segundo tema de que vos falo, e que tem uma directa ligação com o primeiro, diz respeito à vida profissional dos jovens adultos. Muitos deles, hoje com 30 ou 35 anos, fizeram a sua vida escolar no período de maior crise do sistema educativo, ou iniciaram a sua vida profissional no momento em que a economia portuguesa se restruturava à custa de tantos sacrifícios.É preciso assegurar a estes jovens condições de educação e de formação ao longo da vida que lhes permitam encarar com confiança o futuro, num mercado de trabalho cada vez mais aberto e competitivo.

É indispensável considerar que este não é apenas um problema económico e social da maior importância que afecta uma geração, pois ele situa-se no lugar-charneira das gerações em que as responsabilidades sociais se consciencializam e onde a experiência se transmite. É um problema de grande irradiação e com reflexos em toda a estrutura social. Devemos fazer tudo o que podemos para o solucionar, recorrendo, nomeadamente, a políticas mais agressivas que assegurem a ligação entre o sistema de ensino e de formação e as empresas.

Só sendo rigoroso e exigente nesta questão essencial da formação ao longo da vida poderemos assegurar a coesão entre gerações e a continuidade do desenvolvimento do país. Este é um problema de todos. Do Estado, a quem se deve exigir que continue, como o tem vindo a fazer nos últimos anos, a desenvolver políticas públicas. Das empresas, a quem cabe um papel essencial na formação dos seus trabalhadores, e a quem se deve exigir um maior investimento na formação profissional. Das pessoas, que têm de assumir, como condição da sua realização pessoal, do seu desenvolvimento profissional e da sua capacidade de manutenção de empregos qualificados, uma disponibilidade permanente para a formação ao longo da vida.

O terceiro tema que deste decorre tem, por isso, a ver com a solidariedade entre gerações e a valorização das pessoas idosas. Insisto na ideia de que o aumento da proporção de idosos na sociedade portuguesa é, para além de um sinal claro de desenvolvimento, um dos maiores desafios com que estamos confrontados.

Esse desafio deve pôr-nos crescentes interrogações quanto às potencialidades desperdiçadas pela inactividade dos cidadãos mais velhos, que se vêem, por vezes, impedidos de realizar actividades económica e socialmente úteis, que podem e querem realizar e dos quais a sociedade ainda tanto pode esperar.

Somos a primeira geração que conhecerá um Portugal com mais idosos do que jovens. É esta uma nova realidade que interpela o nosso actual conceito de família, no seio da qual, por condicionalismos diversos e conhecidos, há cada vez menos espaço para acolher os mais idosos, sobretudo quando se tornam mais dependentes. Questiona também a sociedade, ainda pouco disponível, em Portugal, para desenvolver projectos, nos quais os mais idosos tenham um papel a desempenhar na passagem do testemunho às gerações mais novas. Esta realidade confronta-nos ainda com a necessidade de assegurar aos mais de milhão e meio de idosos com menos de 50 contos de pensão de reforma da Segurança Social perspectivas realistas de podermos continuar o esforço que vem sendo feito de elevação gradual das suas condições de vida para limiares de maior dignidade.Os mais velhos têm de ser tratados com respeito e carinho, vistos como depositários de uma experiência de vida e de uma sabedoria. Essa riqueza não pode ser desperdiçada.

Outro tema que nos tem de merecer séria reflexão tem a ver com as condições de trabalho e com a qualidade do emprego como factor insubstituível de realização pessoal. Há em Portugal, como em todos os países desenvolvidos, um problema, muito difícil, de equilíbrio entre a qualidade e a quantidade de emprego.

Como não me tenho cansado de dizer, os estatutos precários de emprego são sempre fonte de instabilidade e de insegurança, quer para quem os vive, quer para a sociedade no seu conjunto. Importa estimular medidas que visem controlar o emprego precário. A sua actual expressão em Portugal é, indiscutivelmente, uma fonte de preocupação. Todos reconhecem que é necessário algum grau de flexibilidade para permitir a modernização. Mas seria bom que todos reconhessessem, também, que a precaridade de emprego, quando atinge determinados níveis, é um factor inibidor do desenvolvimento. É indispensável que a lei em vigor seja respeitada, reprimindo-se o recurso ao emprego ilegal, ao trabalho clandestino e ao trabalho infantil.

Finalmente, outra preocupação que partilho convosco diz respeito às desigualdades sociais, à exclusão social urbana, à pobreza e à toxicodependência. Embora, haja sinais positivos de que a tendência para a desigualdade crescente, que se foi acentuando até meados da década de 90, está a ser contrariada, precisamos de persistir no esforço nacional em favor de maior equidade na distribuição dos rendimentos e no combate à exclusão social que, sobretudo nos grandes centros urbanos, atinge formas muito preocupantes. Tal objectivo exige certamente uma legislação fiscal mais equitativa e, sobretudo, a garantia da existência de meios que impeçam a evasão fiscal de agravar as injustiças existentes.

Espaços cheios de contradições, onde, muitas vezes, os laços de solidariedade familiar e de vizinhança foram desaparecendo, é nas zonas urbanas mais carenciadas que as insuficiências e inadaptações dos nossos sistemas de educação, de saúde, de justiça e de protecção social se tornam mais evidentes. Apesar dos encorajadores resultados obtidos com os ajustamentos introduzidos nas políticas públicas de protecção social e com as políticas de emprego utilizadas, é preciso que estejamos conscientes de que a erradicação da pobreza é um combate para o tempo de uma geração. A não ser prosseguido, com determinação, manter-se-iam níveis inaceitáveis de exclusão, com graves consequências para as gerações que nos substituirão.

É também nestas áreas urbanas onde, com maior intensidade, se tem feito sentir o problema da toxicodependência, embora ele tenha atingido também as zonas rurais. Este é um flagelo social gravíssimo, a que ninguém pode ficar indiferente. Nos últimos anos, têm-se registado enormes avanços no debate público sobre esta questão. As dramáticas consequências do problema da toxicodependência e da complexificação das redes de narcotráfico e de branqueamento de capitais obrigaram as sociedades a abrir-se a novos debates e a encarar novas soluções.

Neste tema tão delicado e tão complexo que, directa ou indirectamente, ninguém se iluda, nos afecta a todos, não é de bom conselho fecharmo-nos em ideias preconcebidas. Hoje, a par do reforço das políticas repressivas de combate ao narcotráfico, que têm de ser cada vez mais eficazes e severas, é indispensável encarar a necessidade de debater com seriedade a descriminilização do consumo de algumas drogas e de iniciar uma nova geração de políticas de apoio a toxicodependentes.

Tenho acompanhado de perto esta realidade. Ela tem constituído uma das preocupações permanentes do meu mandato. Tudo devemos fazer para que os traficantes sejam severissimanente punidos, tomando-se todas as medidas de combate ao branqueamento do dinheiro da droga. Mas não podemos transformar o combate à droga e aos traficantes num combate aos cidadãos toxicodependentes. Todos conhecemos a tragédia da droga que se abate sobre os consumidores e as suas famílias.

Não podemos ignorar esta realidade, nem bloquearmos perante ela. Temos de tentar as saídas possíveis, vencendo o preconceito e ultrapassando as respostas que não o são, porque se revelaram incapazes. Para mim, uma vida humana é insubstituível. Devem ser feitos todos os esforços para a salvar. Um toxicodependente não é um criminoso, é um ser humano em dificuldade e um doente.

Tenho conhecido muitos jovens vivendo em situações degradantes de exclusão, numa fronteira dramática entre a vida e a morte, entre a contracção e a propagação de doenças infecto-contagiosas gravíssimas. Tenho visto famílias destruídas pelo sofrimento, exauridas de recursos financeiros para tentar salvar a vida de um familiar, doridas, impotentes, vencidas pelo cansaço e pelo desespero, revoltadas.

Conhecemos esta tragédia e devemos agir. Porque tão grave como ignorar, como fechar os olhos, é conhecer e não agir. Se não fizermos nada, muitos dos jovens toxicodependentes morrerão. É essa a crua realidade. Mas, por cada vida que se salve, vale a pena vencer os preconceitos. Porque cada vida que se salva é uma vitória nossa sobre o narcotráfico.

Portugueses,

Após décadas de estagnação e isolamento e não obstante os problemas que persistem ou surgem, o nosso País mudou profundamente nos últimos vinte anos. Se compararmos os índices económicos, sociais e culturais mais significativos, vemos que essa mudança representa, globalmente, a mais vasta transformação estrutural operada em Portugal, desde a primeira metade do o século XIX.

Essa transformação prossegue. Somos uma sociedade em processo contínuo de transformação, que encontrou mesmo na ideia da mudança e de transformação um dos factores mais produtivos do seu dinâmismo, uma sociedade que mudou não apenas as suas estruturas, como foi mudando os seus modelos e os seus padrões. Hoje, somos – e ainda bem! - uma sociedade mais exigente e mais reinvindicativa, mais consciente das suas carências, mais apta a pugnar pelos seus direitos.

Conhecemos os sinais que dão fundamento à confiança em nós e no futuro. Não me tenho cansado de os apontar, como estímulo e como exemplo. O que correu bem e deu certo autoriza-nos a dizer que, se quisermos, somos capazes de chegar aonde desejamos sabendo, porém, que nem a lamúria nem a facilidade são as vias para lá chegar.

Mas devemos também ter presentes os problemas que ainda não solucionámos, as situações inaceitáveis que ainda não erradicámos, as dificuldades que não ultrapassámos. Não posso, não devo e não quero ignorar, esquecer ou esconder esses problemas, essas situações, essas dificuldades.

Ao apontá-los, tenho como preocupação os grandes objectivos estratégicos do nosso desenvolvimento sustentado, o bem-estar dos portugueses e a nossa coesão social. Faço-o no plano nacional em que, como Presidente de todos os portugueses, me situo. Faço-o, julgo, com rigor e sem demagogia, sabendo que temos limitações. Mas estando também consciente de que o impulso reformador precisa ser permanentemente renovado. O Presidente da República não é nem a alternativa, nem o substituto dos governos ou das oposições. É o garante da unidade nacional, das liberdades e dos direitos dos cidadãos, da estabilidade e do regular funcionamento das instituições. É o impulsionador das grandes reformas e do dinamismo social, é o moderador e o árbitro da vida nacional. Dirige-se directamente a todos os portugueses, e a sua ligação com eles é permanente. Ouve-os e dá-lhes voz, se necessário.

Sempre pensei que a política se faz com causas, com convicções, com ideais e com princípios. Que se avalia pelos objectivos e pelos resultados. Nunca me resignei, no passado, perante a injustiça, nunca fechei os olhos ao que está mal, nunca disfarcei as dificuldades. Não o fiz, não o faço. Compete ao Presidente da República ajudar a equacionar os problemas e a encontrar as soluções, suscitar a reflexão e o debate sobre os grandes temas que se inscrevem no médio e no longo prazo, mobilizar o País em torno das grandes opções estratégicas e das grandes causas. Compete-lhe entender os sinais de mudança, expressos nos movimentos sociais e culturais, nas transformações da economia. Cabe-lhe antecipar os riscos e prevenir as rupturas. Tem o dever de estar atento e intervir, quando é necessário, com moderação, firmeza e oportunidade, sabendo que a estabilidade não se confunde com passividade nem com imobilismo, que a coesão não evita o debate, a crítica e o pluralismo, que o debate não pode impedir a decisão, quando é chegado o momento.

Portugueses,

A cidade de Viseu, onde, neste ano 2000, celebramos o Dia de Portugal, é uma terra cuja história se encontra ligada às origens mais remotas e ilustres da nossa identidade. Na sua evolução mais recente representa um exemplo de capacidade de modernização e desenvolvimento , que deve ser apontado.

Viseu e a sua região são um exemplo de transformação e de progresso, preservando, ao mesmo tempo, aquelas características que são o fundamento da sua identidade própria. O que foi feito resultou da vontade que conseguiu contrariar o que parecia inelutável, simboliza o impulso que quer reformar, mudar, aperfeiçoar, fazer avançar.

Neste Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, nesta terra de história, cultura e tradição, mas também de inovação, progresso e iniciativa, quero dizer aos portugueses, a todos os portugueses: compreendo os vossos anseios e as vossas expectativas. Tenhamos confiança em que conseguiremos continuar no rumo do desenvolvimento, enfrentando e vencendo as dificuldades. Sabemos que o destino de cada um está indissoluvelmente ligado ao destino de todos. É isso que faz de nós um Povo solidário e uma Pátria livre.