Por ocasião da visita à Universidade Portucalense

Porto
02 de Junho de 2000



Minhas Senhoras e Meus Senhores

É com muito prazer que visito a Universidade Portucalense Infante D. Henrique, no final do ciclo de visitas a instituições de ensino superior.

Quero felicitar os responsáveis por esta instituição, os seus professores, alunos e funcionários pelo esforço que têm realizado, em particular na formação avançada dos seus docentes e no lançamento de programas de investigação. É grato verificar, também, o investimento realizado na construção de instalações e na criação de boas condições de trabalho.

Ao longo do meu mandato tenho assumido a educação como uma prioridade nacional e como um sector essencial ao desenvolvimento e à democratização do país. No início deste ano decidi realizar uma série de iniciativas, tendo como objectivo aprofundar o conhecimento do sistema de ensino superior e da sua organização.

As reuniões de trabalho com alunos e responsáveis pelas instituições públicas e privadas, bem como as visitas a universidades e institutos politécnicos foram extremamente enriquecedoras. Hoje pretendo conhecer a vossa Universidade e contactar mais de perto com a realidade do ensino superior particular e cooperativo, valorizando o seu papel na democratização do acesso ao ensino superior.

Se temos níveis de frequência do ensino superior próximos da média dos países da OCDE, o crescimento rápido a que se assistiu nos últimos anos deve-se de modo significativo ao vosso contributo. E se os caminhos percorridos nem sempre foram os mais adequados, considero que estão reunidas hoje as condições para o desenvolvimento da qualidade do ensino e da investigação, para uma melhor organização do sistema e para a sua adequação às necessidades do país.

Tenho dito em vários momentos que a criação de uma Universidade necessita de tempo, de pessoal docente qualificado e de projectos científicos e culturais próprios. Em Portugal, o ensino superior cresceu de forma por vezes vertiginosa e, em muitos casos, sem essas condições.

É tempo de repensar a rede e a identidade das instituições, de investir mais na ciência, na cultura, na acção social escolar. É tempo, sobretudo, de adaptar os projectos institucionais aos novos públicos que frequentam o ensino superior. Constato com agrado as oportunidades oferecidas por esta instituição em matéria de cursos pós-laborais, dando novas oportunidades de formação a alunos-trabalhadores.

Neste esforço de adaptação das instituições a novos desafios da sociedade e a novos públicos acredito que o sistema de avaliação pode ser de grande utilidade.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Permitam-me que partilhe convosco algumas das reflexões que tive a oportunidade de fazer ao longo destes últimos meses.


A primeira reflexão diz respeito à evolução positiva em matéria de crescimento do ensino superior, formação avançada de docentes, construção de edifícios e aquisição de equipamentos destinados a aulas, bibliotecas, laboratórios, informatização das instituições. Hoje são cerca de 350.000 os alunos a frequentar o ensino superior. Sei bem que o retrato das qualificações dos portugueses menos jovens é ainda muito negativo, o que nos penaliza em termos sociais, culturais e económicos. Não devemos, contudo, permitir que uma onda de pessimismo nos impeça de ver e tomar consciência da evolução da educação em Portugal e de uma importante obra da democracia que é absolutamente necessário prosseguir. Penso que é meu dever chamar a atenção para os aspectos que necessitam de ser mudados, mas devo igualmente valorizar esforços e iniciativas positivas.

A segunda reflexão prende-se com a necessidade de tornar efectiva a democratização do ensino. O acesso ao ensino, por si só é insuficiente. É necessário que esse acesso se traduza num aumento significativo do número de diplomados. A elevada taxa de repetências e abandonos escolares constitui um forte obstáculo à democratização efectiva do ensino superior. O fenómeno do insucesso e dos abandonos na primeira fase do ensino superior é hoje fonte de preocupação também noutros países da Europa. Sendo consequência do alargamento da base de recrutamento deve ser objecto de políticas de inovação ao nível das pedagogias, da formação de professores, da orientação dos alunos, das estratégias de articulação do ensino secundário com o ensino superior.

A terceira reflexão, também associada à democratização do acesso ao ensino superior, diz respeito à necessidade de produzir respostas em matéria de educação ao longo da vida. Apesar de o número de alunos com mais de 25 anos a frequentar o ensino superior ter tendência a crescer, tenho verificado a existência de dificuldades em produzir novas respostas destinadas aos estudantes que interromperam os estudos e pretendem retomá-los. Essas respostas devem ter em conta a experiência profissional dos alunos, uma vez que a maioria já trabalha, e devem também validar as competências adquiridas e articular a formação teórica com a prática. É necessário que esta formação dos adultos constitua um elemento essencial do mercado de trabalho.

Sei que se trata de novos caminhos cujas dificuldades não podemos negar, mas torna-se cada vez mais importante que as instituições educativas se organizem de modo a articular a sua oferta com os percursos de formação individuais realizados por processos formais e não-formais.

Não é fácil à instituição educativa reconhecer que existem outras instituições e espaços de formação, entre os quais a família, os media, as associações e as empresas, espaços esses onde muito se aprende. Não é fácil à instituição universitária assumir que o seu futuro será menos de transmitir e deter o saber, do que de fazer adquirir métodos de trabalho e organização do saber, de investigação, de debate e de intervenção. Não é fácil a construção de percursos de formação cada vez mais individualizados e adaptados à experiência e aos interesses de cada estudante.

Estes serão, porém, percursos necessários de inovação, desde que experimentados com cuidado e construídos em diálogo com o exterior e, em particular, com as empresas e as instituições da cultura e da ciência. São animadoras as experiências já existentes neste domínio. Gostaria de salientar, a este propósito, a importância do aumento das ofertas de ensino nocturno .

Uma quarta reflexão prende-se com os problemas que me foram frequentemente relatados para assegurar a mobilidade entre instituições portuguesas, bem como no espaço europeu. A falta de flexibilidade e a dificuldade de reconhecimento de competências são uma das causas desta situação.

Gostaria de salientar dois aspectos desta questão. O primeiro aspecto prende-se com as dificuldades que encontram os alunos que pretendem mudar de instituição ou fazer uma parte dos seus estudos noutra instituição congénere de um país europeu. As dificuldades ao reconhecimento das aprendizagens realizadas e das competências adquiridas são muitas vezes obstáculos à mudança. O segundo aspecto diz respeito à falta de estímulos nas carreiras docentes permitindo a abertura e a mobilidade profissional, essenciais à renovação de projectos pedagógicos.

Uma quinta reflexão diz respeito às consequências da evolução demográfica na vida das instituições públicas e privadas e, provavelmente, à necessidade de reformulação das suas missões, por exemplo com um peso maior nos sistemas de formação ao longo da vida. Esta preocupação face a um futuro difícil de planear poderá a meu ver ser aproveitada como motor de inovação e mudança.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Este é um momento importante para o ensino superior em Portugal, no qual se debatem questões decisivas para o seu futuro. Debates em que estão em causa matérias tão diferentes como o governo e a autonomia das instituições, os processos de avaliação, as formas de acesso e de democratização do ensino, as modalidades pedagógicas mais adequadas ou os problemas da mobilidade e da empregabilidade.

Em tempos de interrogação, e até de incerteza, é importante não perder de vista os grandes valores de referência que norteiam a nossa acção. Temos a obrigação de fornecer a todos os alunos um ensino de qualidade, de lhes facultar uma formação científica e profissional de alto nível. O tempo vivido na Universidade é essencial para a construção de cada um como pessoa, para a definição de uma maneira própria de ser e de estar no mundo.

Por isso, a qualidade de uma Universidade mede-se, também, pela riqueza das experiências humanas e culturais que é capaz de proporcionar. Os anos aqui passados recordam-se pela vida fora, porque são anos que marcam a nossa identidade pessoal e colectiva.

O drama da educação é que nunca temos o direito de falhar, porque estes alunos concretos só aqui estão uma vez. Mas não será, justamente, esta a razão que transforma a educação na mais difícil e na mais nobre de todas as missões sociais? Não será, justamente, esta a razão que vos traz aqui, professores e alunos, unidos neste esforço de erguer a vossa Universidade, a Universidade Portucalense?

Pela vossa dedicação, quero deixar-vos, como Presidente da República, uma palavra de reconhecimento e de apreço.