Por ocasião da Inauguração das novas Instalações da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa

Pólo Universitário da Ajuda
28 de Março de 2000


É com muito prazer que participo no acto de inauguração deste magnífico edifício da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa.

As minhas primeiras palavras dirigem-se à comunidade académica, que quero felicitar pelas possibilidades adquiridas com este novo espaço, onde existem melhores condições de trabalho para estudantes, professores e funcionários não docentes.

Permitam-me, que neste dia tão importante da vida desta instituição, preste homenagem ao trabalho de quantos contribuíram, ao longo da vossa história, para o prestígio desta tão antiga escola. Quero salientar o seu importante contributo em matéria de ensino, investigação científica e de prestação de serviços à comunidade.

Não vos esconderei o interesse especial com que tenho seguido o desenvolvimento do Pólo da Universidade Técnica de Lisboa, a que estive ligado em virtude das funções por mim anteriormente desempenhadas.


É com muito agrado que vejo este importante espaço da cidade ser ocupado pelo ensino superior. Dos debates, saudáveis polémicas e estudos então realizados, gostaria de salientar uma das motivações para a criação deste Pólo.

Essa motivação diz respeito à importância da instalação de um conjunto de escolas neste espaço, de modo a ultrapassar a dispersão das instituições e consequentemente dos saberes. Pareceu então que se poderiam aproveitar sinergias, dada a proximidade de instalação de várias instituições, associando nesta ideia a Faculdade de Agronomia. Esta proximidade permitiria a construção de projectos interdisciplinares, a racionalização de recursos, ou mesmo a frequência pelos alunos de disciplinas de outras escolas, de modo a ultrapassar a tradicional sectorização do ensino. Num universo em que cada vez mais se fala em reconhecimento de competências e saberes, parece-me oportuno relembrar aqui o desafio então colocado, mesmo que reconhecendo a dificuldade de o concretizar.


Permitam-me que neste momento em que inauguro este excelente edifício, saúde a sua equipa projectista e, através dela, agradeça o contributo que têm dado em todo o país arquitectos e engenheiros portugueses, para que o nosso património arquitectónico seja hoje uma referência incontornável no contexto cultural Europeu e Mundial.

Portugal possui, ao longo da sua história, belos exemplos de arquitectura escolar. É, no entanto, a partir da década de oitenta, que o ensino superior se constitui como um verdadeiro laboratório, onde arquitectos com carreiras já reconhecidas e arquitectos em início de carreira, trocam experiências e conceitos, afirmando a qualidade da nossa arquitectura.

Tem sido um desenvolvimento notável, infelizmente ainda pouco conhecido dos portugueses.

É necessário desenvolver uma pedagogia deste património arquitectónico, de uma imensa valia para a imagem de um Portugal moderno e criativo. É importante que esta pedagogia contribua para que os jovens, os mais directos utilizadores destes espaços, aprendam a observá-los e a valorizá-los.

Gostaria de deixar aqui, com o significado de estarmos numa universidade, num local de promoção de saber, de pensamento e reflexão, o desafio de rapidamente encontrarmos instrumentos de protecção do nosso património arquitectónico contemporâneo.

Sei que posso contar com a universidade para mais este desafio. A reflexão sobre o espaço físico que habitamos, sobre o nosso património construído, parece-me muito importante no quadro de estratégias para uma cidadania activa e participante.

Não é certamente errado afirmar que a responsabilidade cívica da escola se prende com a qualidade da educação e da formação dos seus alunos, e também com a forma como ela se apresenta à sociedade, de como se relaciona e integra na cidade ou no mundo rural, na capacidade de apresentar o seu projecto educativo, cultural e científico.

Citando Ítalo Calvino, "um lugar tem de se tornar uma paisagem interior para que a imaginação comece a habitar esse lugar e fazer dele o seu teatro", é talvez este o desafio que todos, em conjunto, funcionários, alunos e professores têm a partir de hoje nestas vossas novas instalações.


Minhas senhoras e meus senhores, caros estudantes, professores e funcionários,

A minha presença aqui hoje insere-se num conjunto de iniciativas que estou a desenvolver no âmbito do ensino superior.

Assumi como objectivos, aprofundar, ao longo de três meses, o conhecimento do sistema de ensino superior e da sua organização. Nesse sentido considerei necessário:

· Conhecer experiências positivas e dificuldades de adaptação das instituições aos processos de crescimento e às necessidades de modernização;

· Realçar o esforço nacional realizado, traduzido num considerável crescimento e democratização do acesso ao ensino superior, bem como na formação avançada dos docentes e na criação de infra-estruturas;

· Ouvir propostas e contribuir para o debate de soluções para os problemas existentes.

Tenho vindo assim a ouvir estudantes e responsáveis pelos diferentes sub-sistemas de ensino superior e tenho aprofundado o relacionamento entre ensino superior e sociedade.

Permitam-me que partilhe convosco três preocupações que decorrem destas reflexões:

- A primeira preocupação centra-se nas consequências da evolução da população escolar e na necessidade de conciliar crescimento e qualidade.

O ensino superior sofreu nos últimos anos uma significativa evolução, traduzida no crescimento dos sub-sistemas que o compõe, nos públicos que o frequentam, nas missões que lhe são exigidas. Essa evolução constitui um passo muito importante para o desenvolvimento do país e para a democratização da educação.

O crescimento foi considerável. Estima-se que entre 1970 e 1997 a taxa bruta de escolarização da faixa etária dos 20-24 anos, passou de 10% para mais de 40%.

Portugal é o país da OCDE que registou maiores taxas de aumento de frequência do ensino superior. Este é um dado muito positivo.

Devemos constatar com satisfação o enorme esforço investido na qualificação do corpo docente e na construção de novos espaços. Podemos dizer que o sistema suportou bem o crescimento, tendo sido realizado um importante esforço financeiro. Num tempo de balanço, não posso esquecer o ponto de partida da educação em Portugal no momento da Revolução de Abril, nem podemos tão pouco esquecer o investimento realizado em todos os níveis de ensino.

Algumas das consequências desta rápida evolução devem ser todavia cuidadosamente ponderadas.

É preciso agir.

Há, a meu ver, que inovar ao nível dos conteúdos, métodos de trabalho e processos organizativos, por forma a responder às exigências da formação cultural, cívica e às necessidades do mundo do trabalho. Há que considerar nomeadamente, a heterogeneidade dos públicos que frequentam hoje as escolas superiores e enfrentar com rigor, mas também com decisão, o problema colocado em Portugal pelos elevadíssimos níveis de insucesso escolar. Trata-se de um problema na origem de grande desperdício financeiro e desgaste psicológico de professores e alunos, que não pode ser ignorado.

É importante que as avaliações em curso, do ensino universitário e politécnico, permitam conhecer melhor o seu funcionamento e encontrar caminhos para melhorar a qualidade dos percursos educativos e das aprendizagens realizadas. Se uma parte do défice de formação dos estudantes do ensino superior pode ser imputado a dificuldades dos ensinos básico e secundário, não é mais possível deixar de pensar a adaptação pedagógica do ensino superior aos estudantes reais em número e diversidade cultural.

Este é um dos problemas com que se defrontam uma parte dos sistemas educativos europeus e para o qual será necessário encontrar respostas.

- Uma segunda preocupação diz respeito à necessidade de articular ensino e investigação com o desenvolvimento económico e empresarial e com as necessidades da comunidade.

O que é verdadeiramente essencial na natureza das universidades é o seu valor intrinsecamente cultural, no sentido em que promovem a reflexão e a criação de condições que asseguram o desenvolvimento científico e civilizacional. Transmitidas de geração em geração, é destas condições que resulta a sobrevivência da espécie humana e a melhoria do seu bem-estar. Daí que o ensino superior não possa, actualmente, alhear-se de nada do que de importante se passa no mundo, nomeadamente do fenómeno da globalização. Neste contexto, a investigação e uma ligação eficaz ao exterior são fundamentais para a universidade, não só para garantir e favorecer a qualidade do ensino mas também para criar um clima favorável à ciência, ao conhecimento e à cultura, sem o qual não se conseguirão melhorar os níveis de desempenho económico e de justiça social na nossa sociedade.

Uma dupla atitude de abertura institucional tem que ser advogada, quer em relação às outras instituições de ensino nacionais e estrangeiras, por meio de parcerias e geminações, reconhecendo as respectivas capacidades e competências, como às entidades do mundo económico e empresarial, através da elaboração de projectos conjuntos, da prestação de serviços de cunho científico de grande qualidade, do lançamento de esquemas de formação e investigação em colaboração.

Esta articulação entre instituições de ensino e sociedade, conduzirá a uma maior pertinência dos projectos curriculares e a uma maior articulação das formações com o mercado de trabalho, que está na origem de sérias preocupações de governos e de alunos.

Gostaria de felicitar esta escola pelo trabalho pioneiro que vem desenvolvendo neste domínio e, muito em especial, no que diz respeito à prestação de serviços à comunidade.

- Em terceiro lugar, é urgente repensar, de entre as missões do ensino superior, a necessidade de produzir respostas em matéria de educação ao longo da vida.

Portugal atingiu níveis de frequência do ensino superior muito favoráveis no contexto internacional. Esta aposta nas gerações mais jovens, que importa prosseguir, é, a meu ver, essencial. Existe, porém, ainda um défice de formação e uma dívida da democracia para com as populações com mais de trinta e cinco anos, detentoras de qualificações profissionais muito baixas a que é necessário dar especial atenção. É por isso essencial repensar o papel das instituições educativas, criando estímulos para que desenvolvam novas formações destinadas a novos públicos. O desenvolvimento exige quadros qualificados qualquer que seja a sua idade. Mas esta é sobretudo uma condição de solidariedade, coesão e equilíbrio social.