Visita à Universidade dos Açores

Ponta Delgada
22 de Julho de 1999


Quero cumprimentá-lo Senhor Professor pela sua posse como Reitor e desejar-lhe a si e a esta Universidade, as maiores felicidades.
É com muito prazer que aqui me encontro hoje, completando assim a visita que tenho vindo a realizar aos três polos da vossa Universidade, nesta minha estadia nos Açores.
Na primeira parte desta intervenção gostaria de afirmar como me foi grato presenciar, uma vez mais a importância do trabalho realizado por esta instituição. Trabalho que tem contribuído de um modo muito positivo para a formação de quadros e para a produção de conhecimento sobre os Açores.
São particularmente importantes as prestações realizadas em domínios essenciais ao desenvolvimento, tais como a Agricultura e o Desenvolvimento Rural ou ainda a formação de educadores de infância em Angra do Heroísmo, as Ciências do Mar na Horta, a Vulcanologia, as Ciências e as Humanidades em Ponta Delgada com uma função de relevo na formação de professores.
Sei que não tem sido fácil conciliar as regras e a fórmula de financiamento do ensino público utilizadas no nosso país com a especificidade de uma Universidade tripolar, localizada em diferentes ilhas, onde a deslocação de recursos constitui um problema difícil de ultrapassar. Confio, todavia, que será possível evoluir no sentido da adopção de parcerias, com apoios financeiros provenientes designadamente da Região e dos Ministérios da Ciência e da Educação. A excelência de projectos que aqui me foram apresentados deve, a meu ver, ser reconhecida e apoiada.
A identidade cultural desta região bem como o seu desenvolvimento, muito têm ganho ao longo dos vinte e três anos desta universidade com a vossa actividade.
A minha deslocação aos Açores tem como objectivo conhecer melhor e dar a conhecer o processo de desenvolvimento da região, bem como os obstáculos que a ele se colocam.
Creio, por isso, serem estes o local e o momento certos para, no contexto desta visita, vos colocar algumas questões que dizem respeito à educação, sector a que tenho dedicado a maior atenção ao longo do meu mandato e que considero ser um motor essencial da democracia e do desenvolvimento.
Na segunda parte vou referir alguns desafios que se colocam no mundo de hoje e, em particular nos Açores, bem como às respostas que estão a ser encontradas no sector da educação.
Se durante muito tempo a educação foi encarada quase exclusivamente na perspectiva da formação das crianças e jovens, hoje, ela é cada vez mais, considerada também como um instrumento decisivo para o desenvolvimento e para a democracia.
Ao longo destas duas últimas semanas visitei iniciativas que me sensibilizaram por representarem um esforço significativo para ultrapassar situações de dificuldade e muitas vezes de inércia. Algumas dessas iniciativas apresentam inovação e criatividade, designadamente no domínio das actividades económicas, do turismo, da educação ou do combate à exclusão.
Constatei que a preservação do ambiente e a valorização do património surgem como elementos essenciais ao futuro dos Açores. Verifiquei, todavia, a existência de dificuldades de compreensão de algumas iniciativas neste domínio, facto que requer trabalho permanente ao nível da educação ambiental e patrimonial. Senti, em paralelo, a contradição entre o isolamento das populações e a evolução em matéria das comunicações. Verifiquei a dependência relativamente ao emprego no sector público. Fui mais uma vez confrontado com a dor e a insegurança das populações vítimas da actividade sísmica e da meteorologia.
O papel dos órgãos regionais foi decisivo na concepção, gestão e debate dos projectos que visitei como também o foi o papel das autarquias ou noutros casos ainda a iniciativa associativa.
Esta experiência inesquecível que eu e a Maria José estamos a viver, levam-me a colocar, mais uma vez algumas interrogações sobre o mundo de hoje, no que diz respeito à preparação das populações e em particular dos jovens, para lidarem com os desafios colocados por esta mudança rápida, contínua e com tendência para acelerar:
Estaremos nós a formar jovens capazes de enfrentar os desafios em matéria de preservação do ambiente e património?
Estaremos nós a sensibilizar os jovens para a necessidade de intervir na vida cívica e contrariar o espírito de indiferença que tanto tem prejudicado a democracia?
Estaremos nós a preparar os jovens e os adultos para trabalharem num mundo em acelerada mutação tecnológica, e assumirem iniciativas empresariais que contrariem o espírito de dependência no mundo do trabalho e promovam o desenvolvimento local?
Estou convencido e, por isso, o afirmo neste contexto, que a educação pode dar um contributo muito significativo para que a evolução se processe de forma sustentada e com a participação dos cidadãos. Para tal há que garantir uma formação básica para todos e, simultaneamente, o desenvolvimento de competências essenciais ao trabalho e ao exercício da cidadania.
Aqui nos Açores senti de forma especial como é importante que as crianças e os jovens aprendam na escola a gostar da terra em que vivem, desenvolvam a consciência de que o território é um bem comum, que temos a obrigação de respeitar.
Por outro lado, é necessário que as instituições educativas assumam uma função de apoio ao desenvolvimento, quer garantindo a educação e a formação profissional, quer através da investigação e produção de conhecimento.
Estou convencido que a educação pode dar um contributo muito significativo para que a evolução se processe de forma sustentada e com a participação dos cidadãos. Para tal há que garantir uma formação básica para todos e, simultaneamente, o desenvolvimento de competências essenciais ao trabalho e ao exercício da cidadania. Refiro-me designadamente à promoção de capacidades de compreensão do mundo que nos rodeia, de intervenção cívica, de negociação, de tolerância, de gestão dos recursos naturais.
É também necessário que as instituições educativas assumam uma função de apoio ao desenvolvimento, quer garantindo a educação e a formação profissional quer promovendo a investigação, a produção de conhecimento e a inovação. Estas serão as bases indispensáveis a sociedade do conhecimento para que haja cada vez menos espaço para a exclusão social, educativa e cultural.
Creio que devemos ser optimistas relativamente aos desafios que se colocam nos domínios que referi. Apesar dos problemas que ainda existem, foram em Portugal dados passos significativos no acesso a todos os níveis de ensino.
Se olharmos os índices educativos da população portuguesa constatamos a existência de alguns problemas que é necessário ultrapassar sobretudo no que diz respeito à qualificação da população com mais de trinta e cinco anos. Com efeito, se o nosso país deu passos notáveis na formação de jovens, a situação dos adultos apresenta um dos piores índices da Europa. Considero que a Democracia tem no nosso país uma dívida a saldar para com os menos jovens.
É, por isso, necessário que se possa encontrar novas respostas, mais flexíveis e pertinentes ao nível do acesso, para quem quer voltar a estudar .
Foi-me muito grato verificar que alguns dos problemas educativos mais graves do nosso país estão a encontrar nos Açores caminhos específicos e inovadores para a sua solução. Refiro-me por exemplo à gestão integrada das escolas dos diferentes níveis de ensino, com vantagens inegáveis para o sucesso educativo das crianças e jovens, do apoio à transição entre ciclos, das taxas de cobertura da educação pré-escolar e do ensino secundário. Fui igualmente sensível às experiências de articulação da educação e da formação profissional, permitindo designadamente a formação de quadros em áreas de grande carência, importantes para o desenvolvimento local e regional.
Estes exemplos são reveladores da importância da autonomia para a construção de caminhos próprios, adaptados às características da Região.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
A última parte da minha intervenção dirá respeito ao ensino superior. Aqui a evolução e o processo de democratização do acesso foram muito significativos, facto pelo qual nos devemos regozijar todos. Graças à expansão verificada a frequência do ensino superior corresponde hoje a mais de 35% da população portuguesa com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos. Esta realidade teve necessariamente consequências positivas para os jovens e para o país e, em especial para as regiões do interior e ilhas, onde foram criadas as universidades novas e institutos politécnicos.
Todavia esta expansão que era necessária, trouxe, ao ensino superior novos problemas que importa enfrentar de modo a melhorar a qualidade deste sector e potenciar o seu papel no desenvolvimento. Noutros momentos tenho afirmado que é necessário reflectir sobre o processo de crescimento ocorrido em alguns casos infelizmente de forma precipitada e pouco estudada.
Uma instituição de ensino superior deve ser criada de forma planeada e articulada com a região em que está inserida, o que exige tempo de preparação, formação dos seus docentes, diálogos com a comunidade, desenvolvimento de uma cultura científica, como aconteceu no caso da Universidade dos Açores. Infelizmente não foi assim nalgumas das instituições criadas no país nos últimos anos.
Tenho vindo a alertar para a necessidade de repensar a rede do ensino superior, avaliar a experiência desenvolvida, traçar novos rumos. Não é aceitável que sejam dadas respostas pontuais a solicitações e pressões conjunturais como já tenho afirmado noutras ocasiões. Não se deve optar pela proliferação de polos ou extensões, um pouco por todo o lado ao sabor de reivindicações locais ou interesses institucionais. Se a realidade tripolar desta universidade encontrou uma justificação em contextos histórico e geográfico bem precisos, o mesmo caminho não se deve aplicar a outras realidades bem diferentes, pelo menos enquanto não for repensada a rede do ensino superior em Portugal.
É importante encontrar processos mais racionais de organização que contribuam para diminuir o insucesso e abandono escolares existentes hoje no ensino superior português. Por outro lado, a alteração da composição socio-cultural da população escolar exige novas respostas pedagógicas e organizativas. É necessário, inovar em matéria de modelos curriculares, valorizando experiências já existentes, por forma a permitir uma maior articulação entre a instituição de formação e o mundo do trabalho.
Quero deixar aqui um desafio especial à Universidade dos Açores para que pense a necessidade de incentivar o ensino de segunda oportunidade e educação ao longo da vida essenciais no mundo actual, mas ainda mais necessários no caso específico português e em particular nesta Região.