Comemorações do 75º Aniversário da Cidade de Portimão

Portimão
11 de Dezembro de 1999


Saúdo calorosamente Portimão no dia da celebração do seu Septuagésimo quinto aniversário. È com muito gosto que me encontro entre vós acedendo ao amável convite que esta Câmara me quis dirigir.
A oportunidade que me concederam, quero aproveitá-la não apenas para homenagear a população do Concelho, mas também para trocar breves impressões convosco sobre o futuro que nos compete construir para o país, para o Algarve e para Portimão.
Ao trabalhar com os meus colaboradores na preparação desta visita confrontei-me com uma realidade que de imediato me chamou à atenção pela importante carga simbólica de que se reveste.
Refiro-me ao facto de usarem da palavra nesta Sessão Solene todos os partidos com assento na Assembleia Municipal.
Tenho-me preocupado, ao longo da minha vida política, em reflectir sobre a forma como melhor se pode articular a democracia representativa com a participação dos cidadãos.
Esta problemática, presente de há muitos anos a esta parte no debate de ideias das democracias contemporâneas, ganhou foros de urgência perante as profundas transformações por que passaram as sociedades desenvolvidas nas últimas duas décadas.
O regime constitucional português ao consagrar o poder autárquico democrático abriu caminho á legislação que consagra a actual forma de funcionamento das autarquias.
Dois aspectos merecem particular atenção. Um, profundamente enraizado na vida das populações: as sessões públicas de Câmara, onde os munícipes se podem directamente dirigir ao poder executivo municipal colocando problemas e propondo medidas. O outro, porventura menos visível, no que representa como prática democrática, é o facto de a vereação ser composta não apenas pelos vereadores da maioria mas também por aqueles que representam as oposições.
Esta vossa sessão leva esse espírito e letra da lei mais longe, enriquecendo-o com a participação das oposições nesta Sessão Solene.
Este é um gesto de profundo significado político e de grande efeito pedagógico. É cada vez mais importante, do meu ponto de vista, que as pessoas, ao votarem, sintam a utilidade do seu voto. E essa utilidade não se resume apenas á eleição de uma maioria. É essencial que os eleitores que votaram em candidatos e partidos que não alcançaram a maioria sintam que existem mecanismos democráticos que permitem que a expressão das suas opiniões se possa continuar a manifestar.
As autarquias são, neste, como em muitos outros aspectos, uma escola de democracia. E julgo mesmo que todos aqueles que sentem o apelo da dedicação a uma vida cívica e política só têm a ganhar se começarem as suas carreiras percorrendo os diversos patamares da vida autárquica.
É por este conjunto de preocupações que continuo a acreditar nas potencialidades dos princípios constitucionalmente consagrados como base do nosso sistema eleitoral. E que o caminho de reformas a introduzir, independentemente do modelo final, para o qual existirão diversas soluções, deve preocupar-se com a manutenção e mesmo ampliação da tradução em mandatos dos votos expressos.
Entre as muitas formas de aproximar o eleitor dos eleitos está certamente aquela que garante que as opiniões e correntes políticas não maioritárias na sociedade continuem a encontrar no sistema eleitoral forma de transformar os seus votos em mandatos. Uma das causa da abstenção reside também no facto de muitas pessoas se alhearem do escrutínio por terem consciência que, neste ou naquele círculo, a sua opinião política não se traduzir em representação política.
Esta vossa prática política, fica como um estímulo á procura de soluções para este problema. Sei que estes não são problemas fáceis de resolver. Tanto mais, que a nossa vida democrática se tem focado mais nas autarquias e no Parlamento, descurando o desenvolvimento de outros órgãos que podem contribuir para estreitar a proximidade das pessoas face aos centros onde se tomam as decisões políticas.
Hoje, todos os eleitores olham para os Deputados à Assembleia da República, exigindo-lhes que representem e que dêem voz ao seu distrito, não apenas no sentido em que eles reflictam a opinião desse distrito sobre os problemas nacionais, mas também, cada vez mais, no sentido de eles exprimirem as preocupações e problemas exclusivos do distrito.
Esta tendência, claramente compreensível, tem uma consequência e uma razão.
A consequência é o desvirtuamento do sentido constitucional e insubstituível de que o deputado a Assembleia da República representa todo o país e não o círculo eleitoral que o elege, sem que o seu trabalho parlamentar se possa depois traduzir numa efectiva representação dos anseios das populações.
A razão, assenta no facto de entre o nível concelhio e a Assembleia da República não existirem instâncias intermédias que com eficácia e reconhecimento público representem as populações da divisão administrativa do país assente nos distritos.
Vários caminhos podem, naturalmente, ser seguidos. As Assembleias Distritais talvez careçam de revitalização e reformulação de métodos de composição e competências. O que importa, porém, é, tal como nesta sessão, romper com as limitações actualmente existente e fazer com que as pessoas sintam que a expressão da sua opinião, dos seus problemas e dos seus anseios ao nível local têm tradução em instâncias políticas que os representam e que procuram encontrar as soluções possíveis.
Hoje, é cada vez mais necessário ser capaz de encontrar mecanismos que aproximem as pessoas do poder político e as levem a participar nas opções que perante nós se coloquem.
Excelências,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Perdoem-me se no entusiasmo do formato desta sessão me alonguei demais em temas que transcendem o objectivo que nos une hoje aqui: celebrar Portimão. Mas creio também que esta é uma forma de celebrar o exemplo que Portimão dá.
Sabem que conheço, creio que posso dizê-lo, razoavelmente o Algarve, onde me desloco frequentemente, seja no exercício das minhas funções, seja para, como milhares de portugueses, para aqui passar alguns dias de férias.
Tenho debatido com autarcas, empresários e especialistas os desafios que se colocam ao futuro desta Região. Um futuro que tem de assentar na diversificação das ofertas e na requalificação do tecido urbano e na melhor articulação com a natureza e a preservação do ambiente.
Sei que para Portimão também estas são preocupações. E que a aposta da autarquia passa pela procura de um modelo de desenvolvimento que diversifique a oferta como modo de dar ao Concelho a possibilidade de redefinir as suas funções no quadro regional.
Este parece-me ser um importante caminho a seguir. Sinto que é necessário desenvolver estratégias que permitam a fixação de jovens, num concelho onde a pirâmide etária, projectada a 2010 apresenta já sinais preocupantes de envelhecimento da população.
É útil diversificar, criar alternativas dinâmicas ao turismo, noutros sectores de actividade, porque isso em si mesmo constitui também um factor acrescido de fixação diversificada de profissões e de jovens quadros.
Durante muitos anos, o Algarve cresceu e desenvolveu-se baseado numa estratégia global de oferta turística massificada. Sacrificou-se a este objectivo a qualidade de muitos projectos e planos de desenvolvimento. Talvez este seja o momento de apostar na diferenciação dessa oferta, permitindo aos concelhos desenvolver estratégias concorrenciais que assentem não na quantidade crescente da oferta mas em propostas distintas que assentem na requalificação do que existe e na qualidade, sempre na qualidade os novos projectos. Qualidade assente numa relação equilibrada e muito rigorosa entre a preservação do património, a salvaguarda do meio ambiente e a requalificação urbana.
Excelências,
Minhas senhoras e meus Senhores,
As minhas palavras finais quero dedicá-las a Portugal através da homenagem a Manuel Teixeira Gomes, Presidente da República entre 1923 e 1925, natural de Portimão.
Homem de invulgar sensibilidade, escritor de um estilo inconfundível, Teixeira Gomes afirmou-se na vida pública portuguesa pelos notabilíssimos serviços que prestou á política externa da Primeira República. Da sua obra literária e da sua vida política outros saberão falar melhor que eu.
Na sua biografia marca-me porém a desilusão que o leva a renunciar ao mandato como Presidente da República, amargurado e impotente perante o impasse político a que chegara o regime de então, e que, a curto prazo, conduziria á Ditadura.
Ao reflectir sobre a sua amarga experiência reafirmo perante mim mesmo e perante vós uma convicção profunda. As sociedades e os regimes estão em transformação permanente e cabe, por isso, aos políticos a responsabilidade insubstituível de saber introduzir a tempo as transformações necessárias á adaptação do sistema político às novas exigências das populações. Sem isso, sem essa coragem e determinação, os regimes distanciam-se da população e desenvolvem praticas autistas e autocentradas em que os eleitores não se revêm.
Sei que Portugal hoje não corre esse risco e olho, portanto, com esperança e confiança para o futuro do país.
Portimão deve orgulhar-se de ter como filho desta terra o político distintíssimo que foi Manuel Teixeira Gomes, profundo conhecedor do mundo do seu tempo e particular conhecedor das civilizações mediterrâneas que tanto estudou e visitou . No quadro da importante política de geminações que esta Câmara tem vindo a desenvolver cabe talvez um gesto particular e especial para com Bejaia cidade onde se exilou e morreu Teixeira Gomes e que dele ainda guarda uma viva memória.
Saúdo esta política de geminações na pessoa do Presidente da Câmara de São Vicente, Ónesimo da Silveira. Esta política de internacionalização das autarquias é, julgo, da maior importância estratégica e poderá constituir um dos pilares do desenvolvimento do Concelho de Portimão.
Sei que Portimão possui a energia e dispõe da massa crítica necessária para dar um passo em frente no seu modelo de desenvolvimento. E que o futuro mostrará que os desafios que hoje se colocam podem ser ultrapassados, sobretudo se, para isso se apostar fortemente numa partilha de informação constante e na participação das populações, para que elas se sintam envolvidas na construção do futuro.
Viva Portimão!