Cerimónia de Entrega do Prémio Luís de Camões

Palácio de Belém
19 de Novembro de 1999


Entregamos, hoje, o Prémio Luís de Camões a Sophia de Mello Breyner Andresen, nesta cerimónia que é mais do que um acto formal, pois a sentimos, verdadeiramente, como celebração da amizade, do reconhecimento e da admiração.
Ao distingui-la com o Prémio que é um símbolo da língua portuguesa e da comunidade dos países e dos povos que a falam, estamos a prestar homenagem a uma escritora que, já há muito, alcançou um lugar ímpar de prestígio moral e cultural, tendo-se tornado uma referência para gerações sucessivas.
De uma beleza tão alta e exacta, a sua obra é, no século agora a terminar, uma das criações em que nos revemos e de que nos orgulhamos.
Nos poemas, nos contos, nas histórias infantis, nos testemunhos de sabedoria, Sophia fala-nos da nossa cultura e da nossa civilização como memória, vida e futuro. Fala-nos da luz do sol e da sombra que é o seu espelho, da elevação das montanhas e da imensidão do mar, das estátuas gregas e dos actos humanos. Fala-nos do trigo que sacia a fome aos homens, das obras imortais que são capazes de criar e também dos campos de concentração onde matam. Fala-nos da beleza, da generosidade e da vergonha que não pode ser esquecida para não ser repetida.
Desde os seus primeiros versos até aos mais recentes, fala-nos do que é essencial - do que há de mais antigo e de mais moderno, do mais comum e do mais raro, do mais próximo e do mais longínquo, do mais humano e do mais divino. A poesia de Sophia procura um acordo mais justo, original, elementar e límpido do homem consigo mesmo, com os outros homens, com as coisas, com a natureza, com o Universo. De todos nós deve ser a pergunta que Sophia põe na boca de um dos três Reis do Oriente. “Que pode crescer dentro do tempo senão a justiça?”
Arte do ser, a sua, poesia de comunhão com o Mundo, com a vida e de participação no real, como Sophia gosta de dizer, ficará também como um dos mais altos testemunhos do canto da liberdade face à opressão, da justiça ante a iniquidade, da beleza perante a fealdade, da coragem frente ao medo.
“Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades”
Para tantos de nós, estes e outros versos valeram mais do que tratados, discursos, teorias políticas. Eles continham a indignação em estado puro, o som claro do protesto e foram um código de identificação num combate e uma fonte de energia e de acção.
Verdadeiramente aristocrata porque fez do que recebeu uma marca do espírito, uma exigência, uma responsabilidade e uma partilha, nunca um privilégio, uma vaidade ou uma marca social de discriminação, a atitude moral de Sophia, de uma integridade luminosa, foi política, no mais nobre sentido que, desde os gregos, se dá à palavra política - a dedicação à polis, a cidadania.
Fiel à liberdade e à justiça por dever da poesia, fiel à poesia por amor, da liberdade e da justiça, os seus poemas políticos souberam ser do tempo e além do tempo, da circunstância e além da circunstância, particulares e universais, ao mesmo tempo.
Deste século, raros são os poemas políticos que, passadas ou mudadas as situações que os inspiraram, mantém intacta a sua força e a sua verdade humana, porque recusando a demagogia e a simplificação, apontaram sempre ao que nos homens é vontade de dignidade e ideal de fraternidade. É este o caso de Sophia.
Com palavras de uma justeza tão bela e às vezes tão magoada, a sua obra fala-nos de Portugal e da língua que nos faz ser como somos. Fala-nos da nossa língua como lugar de encontro de povos, de culturas, de proximidades e de diferenças. Fala-nos da língua como caminho para o outro e para nós mesmos. Da língua como comunicação e como comunhão, como partilha, como ligação e como afecto.
O Prémio Camões é também um sinal desses laços. Ao entregá-lo nas mãos de Sophia de Mello Breyner, estamos a dizer que fazemos nossa a sua atitude perante a língua que é de todos os que a falam, criam e recriam.
“Gosto de ouvir o português do Brasil
Onde as palavras recuperam sua substância total
Concretas como frutos nítidas como pássaros
Gosto de ouvir a palavra com suas sílabas todas
Sem perder sequer um quinto de vogal”
Neste momento, quero saudar os povos lusófonos e expressar-lhes a solidariedade e o afecto de Portugal. Saúdo o Brasil, grande país, com quem estamos a comemorar os 500 anos do encontro que nos fez outros. Saúdo Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe, todos aqui representados. Saúdo, também, com especial emoção, o Povo de Timor-Leste que, depois de tantos dramas e sofrimentos gritados na nossa língua, procura agora construir-se como país livre e independente.
Desde sempre, Sophia fez de Timor a sua causa. Sei que, hoje, a lembrança de Ruy Cinatti, grande poeta e seu amigo, lhe será grata. Por isso, a trazemos aqui, saudosamente.
Minha Senhora e Querida Amiga
Meus Amigos
Sob a égide do autor de “Os Lusíadas” e no dia em que entregamos a Sophia de Mello Breyner o Prémio que se honra de ter o nome imortal de Camões, façamos deste acto a ocasião para reafirmarmos a nossa vontade de dar à língua portuguesa a projecção a que tem direito no Mundo do próximo século.
A obra de Sophia é, dessa língua, um testemunho de universalidade e de grandeza. Por isso, aqui lhe dizemos, neste momento de alegria, como o nosso reconhecimento é grande.
Obrigado.