Declaração por Ocasião da Assinatura do Acordo entre Portugal e a Indonésia sobre a Questão de Timor-Leste

Palácio de Belém
07 de Maio de 1999


No termo de um longo processo de conversações sob a égide do Secretário-Geral das Nações Unidas, iniciado em 1983, Portugal e a Indonésia concluíram um acordo sobre a questão de Timor-Leste.
Neste momento, as minhas primeiras palavras são para os Timorenses, cuja luta verdadeiramente heróica tornou possível o acordo. Em nome de Portugal, quero render homenagem ao povo mártir de Timor-Leste, cujo exemplo forçou o reconhecimento internacional de uma causa que tantos julgaram perdida e abriu caminho para o exercício, livre e democrático, do seu direito inalienável à auto-determinação.
O acordo entre Portugal e a Indonésia, no quadro das Nações Unidas, é um marco histórico no processo de autodeterminação de Timor-Leste. Nos termos acordados, os Timorenses serão chamados a pronunciar-se, por sufrágio universal, directo e secreto, sobre uma proposta indonésia de autonomia, cuja rejeição terá como consequência a sua separação da Indonésia e a independência de Timor-Leste. A consulta será organizada pelas Nações Unidas, que terão, para o efeito, uma presença significativa em Timor-Leste, durante todo o processo.
Portugal, como sempre o disse, reconhecerá qualquer resultado da consulta, desde que as Nações Unidas possam garantir, no cumprimento do acordo, as condições de segurança e de liberdade indispensáveis para assegurar a legitimidade democrática da consulta.
Naturalmente, partilhamos com os Timorenses e com as Nações Unidas uma séria apreensão quanto à situação presente em Timor-Leste, marcada pela violência de grupos armados que perseguem a população civil, com o objectivo de estabelecer o terror e impedir a consulta. Não temos ilusões. Há forças poderosas dispostas a impedir que os Timorenses possam decidir, livremente, sobre o seu futuro.
Nesse contexto, creio dever dirigir um apelo ao Presidente da República Indonésia, cujas iniciativas se revelaram cruciais para definir uma nova orientação da Indonésia sobre a questão timorense e criar as condições indispensáveis para concluir o acordo tripartido.
Tenho acompanhado, com a maior atenção, os seus esforços na complexa transição indonésia. O caminho para a democratização e para a restauração do prestigio internacional da Indonésia são indissociáveis da resolução pacifica e honrosa da questão de Timor-Leste. Nesse sentido, espero que as autoridades indonésias possam, nomeadamente, garantir as condições de segurança no Território, indispensáveis para o cumprimento rigoroso e efectivo do acordo.
Portugal está pronto a assumir todas as suas obrigações resultantes do acordo, antes e depois da consulta. Nesse quadro, quero referir a nossa disponibilidade permanente para desempenhar todas as responsabilidades de Portugal como potência administrante. No caso de os Timorenses escolherem o caminho da independência, Portugal está pronto para cooperar, no âmbito das Nações Unidas, na transição pacífica para a independência, em especial nos planos político-institucional, administrativo e de segurança.
O acordo de Nova Iorque marca o inicio de uma nova etapa no processo de autodeterminação de Timor-Leste. Estamos conscientes dos riscos e das dificuldades, e igualmente determinados em persistir na defesa firme dos direitos dos Timorenses, em todas as circunstâncias.
Temos confiança nos Timorenses e na sua capacidade de exercer o seu direito de autodeterminação. Temos confiança na sua vontade de ultrapassar as divisões e a violência. Temos confiança na sua maturidade politica, que se exprimirá na escolha certa para o futuro. Temos confiança na orientação segura das personalidades que simbolizam a identidade e a luta dos Timorenses, como o Bispo de Dili, D. Ximenes Belo, e Xanana Gusmão, cuja libertação é urgente e necessária para a boa condução do processo de uma consulta livre e democrática.
Por último, é devida uma palavra de público reconhecimento ao Secretário-Geral das Nações Unidas, senhor Kofi Annan, e ao seu Representante Pessoal, embaixador Jamsheed Marker, bem como a todos os que, em nome do Estado português, ao longo dos anos, exerceram funções de responsabilidade na condução da questão de Timor-Leste, nomeadamente ao Primeiro-Ministro, engenheiro António Guterres, ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Jaime Gama, e a todos os que com eles se empenharam na conclusão de um acordo que os honra e distingue na defesa de uma causa justa.