Sessão Solene de Boas-Vindas no Palácio da Praia Grande

Macau
18 de Março de 1999


A presença em Macau do Presidente da República pretende ser um sinal acrescido do pleno empenho com que Portugal assume as suas responsabilidades de administração do Território e renovada garantia de que a República Portuguesa observará, com rigoroso escrúpulo, a Declaração Conjunta em que solenemente se comprometeu.
E digo sinal acrescido e renovada garantia, porquanto Vossa Excelência tem sido nesta terra não só o intérprete exemplar da estratégia portuguesa para o período de transição, concebida em permanente articulação e solidariedade institucional e com o decisivo contributo de Vossa Excelência, mas também o penhor in loco da honra de Portugal e do escrupuloso cumprimento das obrigações assumidas na Declaração Conjunta pelo Governo da República
Bem haja, por isso, Senhor Governador, por ter sido nesta terra um homem de Portugal.
E Portugal, a menos de um ano da transferência do exercício da soberania, está orgulhoso de Macau e do que em Macau se realizou.
O ciclo de modernização que Vossa Excelência acaba de referir constitui, efectivamente, um momento singular da presença portuguesa no Território, em resposta às exigências de profunda transformação que a Declaração Conjunta necessariamente comportava para os últimos doze anos de administração portuguesa. Exigências tanto mais árduas, quanto muitas das realizações, pela sua natureza e duração no tempo, teriam de ser objecto de consultas e de consensos, em que as autoridades portuguesas e as autoridades chinesas acabaram por evidenciar, nas mais variadas sedes, o sentido de responsabilidade mútua que as animava e a força dos laços que têm marcado as relações entre a China e Portugal.
As dificuldades foram sendo ultrapassadas; e quem conhece a realidade de Macau sabe o que significam as notáveis realizações dos últimos doze anos.
Não foi apenas dotar o Território de infraestruturas essenciais que viabilizassem o seu futuro como moderno centro de turismo e de serviços; ou dimensionar e orientar a sua economia em função das especificidades regionais e das virtualidades de mediação que oferecia. Tudo isto era decisivo e teve custos elevadíssimos, integralmente suportados pelas disponibilidades financeiras locais. Mas tanto ou mais importante que tudo isto, era criar condições institucionais que garantissem, pelo menos para os próximos cinquenta anos, a preservação da identidade de Macau e a autonomia de governo que a Declaração Conjunta lhe reconhece. É essa tarefa que está em vias de conclusão.
Há doze anos, o ordenamento jurídico vigente em Macau era, em grande parte, oriundo de Portugal e apenas acessível em língua portuguesa; o tribunal era o da comarca de Macau, com recurso para a Relação de Lisboa; o número de locais nos quadros da Administração Pública era reduzidíssimo e a língua portuguesa a única oficialmente reconhecida.
Doze anos volvidos, são oficiais a língua portuguesa e a língua chinesa, e o bilinguismo está generalizado na Administração; a localização de quadros encontra-se praticamente concluída; a autonomia judiciária plena, em vias de ser declarada; e o ordenamento jurídico, com a fase adiantada em que se encontram os trabalhos dos últimos grandes Códigos, será, em breve, da integral produção dos órgãos de governo próprio do Território, e em língua portuguesa e chinesa, quando, no início dos anos 90, eram raros os diplomas que tinham versão chinesa.
Tudo isto, se exigiu um enorme esforço de adaptação do aparelho administrativo e vultuosos investimentos em formação de recursos humanos locais, contou, sobretudo, com uma forte vontade política - de que Vossa Excelência, Senhor Governador, foi fiel intérprete - e com laboriosas negociações diplomáticas, porfiadamente conduzidas, nas sedes próprias, com assinalável mérito.
Chegados aqui, a pouco mais de nove meses da transferência de exercício da soberania, Macau aparece dotado de todas as instituições adequadas que garantem a sua autonomia político-administrativa e a preservação da identidade e especificidade próprias.
O momento não é, por tudo isto, de perplexidades ou inquietações. É um momento de confiança - confiança na perdurabilidade das instituições criadas, confiança na força da cultura e identidade de Macau, confiança no dinamismo das suas gentes, confiança no cumprimento por todos os responsáveis dos compromissos solenemente assumidos
Senhor Governador de Macau,
Excelências,
Minhas Senhoras e meus senhores,
Macau é expressão no mundo de um caso singular de convivência e de cooperação de povos, culturas e poderes, com perfis diferenciados e projectos próprios.
São mais de quatro séculos que as gentes desta terra levam de história comum. Dessa presença e do convívio secular entre chineses, portugueses e outros que aqui aportaram, nasceu esta comunidade singular, feita de Oriente e de Ocidente, por certo, mas com uma vincada identidade própria.
É essa identidade própria que permitirá a Macau continuar, no futuro, a desempenhar o papel que na História se gerou: ser caminho. Caminho de encontro, entendimento e cooperação entre o Oriente e o Ocidente, entre uma China que voltou ao concerto mundial e uma Europa emergente na sua unidade política e económica. E será tanto mais caminho, quanto mais preservar a sua identidade e a ela se mantiver fiel.
O que Macau é, o que define esta comunidade em história, cultura e projecto, terá de manter-se, para que Macau possa continuar a ser caminho de encontro entre povos e culturas, pois, se fôr apenas olhado como terra de partida e de chegada, será mais um simples e reduzido pedaço da China milenar, sem cor nem destino que o diferencie do continente a que sempre pertenceu. E se fosse assim, que não será, perder-se-ia na História um caso exemplar do mais valioso bem para a construir - as vias do entendimento harmonioso entre culturas e nações.
Senhor Governador de Macau,
Excelências,
Minhas Senhoras e meus senhores,
Esta cerimónia é uma homenagem a Macau e ao que ele representa.
Em primeiro lugar, na pessoa de um filho desta terra, chinês de parte inteira, que de um modo tão excelente tem sabido, no respeito pela especificidade e pela diferença, celebrar a convivência entre a cultura chinesa e a cultura portuguesa, evidenciando, com o merecido sucesso empresarial, uma exemplar complementaridade entre a contemplação e a acção, entre o disfrute e a criação do espírito e a colocação em obra dos bens materiais - o Senhor Chui Tak Kei.
A Hong-Kong levou o Senhor Comendador Arnaldo Barros Sales o espírito de Macau e a capacidade que ele revela de conciliar fidelidades e ascendências culturais, apresentando toda uma vida de serviço, que honra Macau e honra Portugal.
Depois, o Padre Benjamim Videira Pires, que recentemente nos deixou, e que aqui invocamos como símbolo, entre todos, do espírito de missão, príncipe da cultura portuguesa, que se fez educador e sinólogo de mérito assinalável, em mais de meio século de convivência com este Macau que tanto amava. E nessa paixão, contribuiu como poucos para que, no dealbar do milénio, fosse tão clara para todos a identidade e singularidade desta terra que serviu.
E, finalmente, o Leal Senado, testemunho vivo da liberdade desta terra, nascido na História da vontade das gentes e construindo a História em comunhão e partilha com a cidade de que tomou o nome. E fê-lo com Valor, Lealdade e Mérito.
Para o Leal Senado, que simboliza a História de Macau e da presença de Portugal no Oriente, a Torre e Espada, o mais alto galardão português.
São gestos singelos que servem para sublinhar o nosso orgulho pelo passado, o nosso empenho no presente e a nossa confiança no futuro de Macau.