Jantar em honra dos Reis dos Belgas

Palácio Nacional da Ajuda
23 de Novembro de 1999


Majestade,
É para mim uma grande honra e motivo de particular satisfação acolher Vossas Majestades em Portugal. Os nossos dois povos mantêm sólidas relações de amizade que remontam há mais de seis séculos, relações que se foram transformando e enriquecendo ao longo do tempo e que, com a adesão de Portugal à União Europeia, se desenvolveram em novos interesses e desafios comuns.
Em Outubro de 1997, tivemos o grato prazer de acolher em Lisboa Sua Alteza Real o Príncipe Filipe, em cujo auspicioso enlace matrimonial terei a grande alegria de estar presente dentro de pouco mais de uma semana. É, pois, num momento especialmente feliz para a Bélgica e por consequência, também para Portugal, que Vossas Majestades, com a Vossa Augusta presença em terras portuguesas, selam a forte amizade que une os nossos dois povos e Estados.
As seculares relações entre portugueses e belgas, dizia eu, perdem-se na memória do tempo. Se os laços políticos estabelecidos com a Borgonha, datando dos primórdios do século XV, constituíram um elemento particularmente importante na afirmação da nossa identidade nacional, na Flandres encontrámos um parceiro comercial indispensável no período dos Descobrimentos e beneficiámos mutuamente, em termos culturais e artísticos, do intercâmbio então estabelecido entre os nossos filósofos, pintores e escritores.
No século XIX, soldados belgas combateram em Portugal, pela causa sagrada da liberdade, tal como portugueses, no decurso da Primeira Grande Guerra Mundial, tombaram no Lys, em defesa da integridade da Bélgica.
A revolução de Abril de 1974, que os belgas acompanharam, desde o primeiro momento, com particular interesse, criou as condições para a participação de Portugal no processo de construção europeia, decisiva para o seu futuro e para a sua afirmação no concerto das Nações como país moderno e empreendedor. Não esqueceremos nunca, Majestade, o empenhado apoio prestado pela Bélgica no processo conducente à nossa adesão à então Comunidade Económica Europeia.
As excelentes relações existentes entre ambos os países traduziram-se também, naturalmente, em fluxos humanos. Encontra-se desde há muito radicada em Portugal uma comunidade belga particularmente empreendedora e a partir da segunda metade deste século, estabeleceu-se na Bélgica um número muito significativo de portugueses, que com o seu diversificado labor contribuem para o desenvolvimento do país. Hoje, sobretudo após a nossa adesão às Comunidades Europeias, Bruxelas é para muitos dos nossos compatriotas uma segunda casa.
Finalmente, também a família de Vossa Majestade se encontra ligada a Portugal por laços muito particulares, uma vez que um Príncipe de Saxe-Coburgo Gotha foi casado com uma Rainha portuguesa, deixando no nosso país a marca indelével do seu talento e da sua paixão pelas Arte e Cultura nacionais.
Esta amizade e esta cooperação estreita entre Portugal e a Bélgica, encontram, no projecto europeu que acarinhamos, perspectivas inéditas de aprofundamento e novas convergências de objectivos e interesses.
Majestade
Portugal exercerá pela segunda vez, no decurso do primeiro semestre do próximo ano, a Presidência da União Europeia. Contamos com a colaboração e cooperação dos países amigos, como a Bélgica, para que venham a ser dados passos positivos no sentido do aprofundamento do processo de integração europeia, empenhados, como estamos, na construção de uma Europa mais forte e unida, que se afirme cada vez mais na cena internacional como um interlocutor incontornável, tanto no plano económico, como político.
Estamos conscientes da complexidade dos múltiplos desafios com que seremos confrontados durante a Presidência. Destes gostaria de destacar, como prioridade, o alargamento da União Europeia, que apoiamos sem hesitar. Trata-se de um desígnio histórico que, estou certo, terá uma importância decisiva na consolidação dos processos de transição democrática dos países da Europa Central e Oriental, permitindo a criação de um novo espaço europeu, mais rico, mais estável e mais abrangente.
O alargamento, indispensável como é, deverá porém efectuar-se em termos realistas, tomando em consideração os méritos próprios de cada candidato e não afectando o grau de integração já conseguido. Caber-nos-á, no próximo semestre, lançar uma nova Conferência Intergovernamental cujo objectivo central será a reforma das instituições, designadamente na perspectiva do alargamento. Estou seguro que a Bélgica e Portugal saberão trabalhar em conjunto de modo a assegurar que os resultados desta Conferência possam lograr os objectivos pretendidos, preservando os equilíbrios entre os Estados membros de maior e menor dimensão e o princípio da igualdade entre eles.
Estamos também empenhados em reforçar a capacidade da União no domínio da política externa e de defesa. Quer Portugal, quer a Bélgica, são membros fundadores da Aliança Atlântica, a qual continua a desempenhar um papel decisivo como garante da estabilidade regional e elemento indispensável na arquitectura de segurança europeia. Consideramos no entanto que é necessário desenvolver a Identidade Europeia de Defesa e Segurança, factor acrescido de estabilidade que contribuirá para o reforço de uma componente europeia de defesa, que permita fazer eficientemente face a situações de crise como a do Kosovo.
Queremos reforçar as relações entre a União Europeia e o mundo. Atribuímos particular prioridade ao diálogo com os países Africanos, da América Latina e da margem Sul do Mediterrâneo - a que estamos ligados por tantos vínculos históricos e que, cada vez mais, vêm na Europa um parceiro indispensável.
Atribuímos por fim uma especial importância ao Conselho Europeu Extraordinário sobre o Emprego, Reforma Económica e Coesão Social que terá lugar em Lisboa no próximo mês de Março, com o objectivo de contribuir para a definição de uma estratégia eficaz em matéria de luta contra o desemprego e de promoção de medidas activas de inclusão social.
Majestade
Portugal goza hoje em todo o mundo de um indiscutível prestígio, que foi granjeando ao longo dos últimos 25 anos pela coerência e seriedade da sua conduta internacional. Timor Leste e Macau constituirão porventura paradigmas desta actuação exigente e responsável, que agora começa a produzir os seus frutos.
Se o caminho que conduziu à autodeterminação do povo timorense foi longo e espinhoso, assumindo tantas vezes contornos de tragédia e horror, que os nossos mais empenhados esforços e veementes apelos não conseguiram evitar, é com sentido orgulho que hoje podemos afirmar que a futura independência de Timor Leste é um dado incontestável.
A reconstrução do território e a edificação do novo Estado independente contam agora com a solidariedade da generalidade da Comunidade Internacional, encontrando-se felizmente na ordem do dia.
Participarei em Macau, a 19 de Dezembro, na cerimónia solene que marcará a acessão daquele território ao estatuto de Região Administrativa Especial da República Popular da China. Portugal orgulha-se do valioso legado que deixa em Macau, bem como do modo exemplar como decorreu o processo de transição do território. Estamos certos que Macau, ao manter a sua especificidade e autonomia, constituirá um precioso elo de ligação entre a China e a União Europeia, para benefício mútuo e desenvolvimento das relações entre ambas as Partes. Ao encerrarmos este ciclo da nossa História fazemo-lo assim com o sentimento do dever cumprido e com os olhos voltados para o futuro, que se apresenta pleno de potencialidades e desafios.
Majestade
Belgas e portugueses, partilhamos um mesmo ideal : construir uma Europa mais solidária, mais transparente e democrática, mais próspera e mais coesa ; aprofundar a dimensão da cidadania europeia, combater a exclusão e a marginalização, garantir o desenvolvimento económico e social, manter o nosso Continente aberto ao Mundo e às expectativas de todos aqueles que legitimamente anseiam pelo progresso, pela segurança e pela Paz.
A Bélgica e Portugal são hoje dois países europeus orgulhosos da sua História, conscientes da sua contribuição para a cultura e a identidade europeias, ciosos da sua liberdade, tolerantes e abertos ao exterior.
Acredito, Majestade, que as afinidades que nos unem não deixarão de se desenvolver no futuro e que os sólidos laços de cooperação e amizade que unem os nossos dois povos e Estados encontrarão novas ocasiões para se reforçarem e aprofundarem. A presença de Vossas Majestades em terras lusas, que muito nos honra, é disso um sinal inequívoco.
Peço-vos que me acompanhem num brinde pela saúde de Suas Majestades o Rei Alberto e a Rainha Paola e de toda a Família Real, muito especialmente, pela felicidade e prosperidade de sua Alteza Real o Príncipe Filipe e da sua noiva e ainda pela amizade entre belgas e portugueses.