Sessão de Abertura da IX Cimeira Ibero-Americana

Havana, Cuba
16 de Novembro de 1999


Quero, em primeiro lugar, agradecer a Vossa Excelência, Senhor Presidente Fidel Castro, o convite que me dirigiu para participar nesta Cimeira e desejar-lhe sucesso na condução dos trabalhos que agora iniciamos. Estou certo de que, uma vez mais, sairão reforçados os sólidos laços de cooperação e amizade que unem a nossa comunidade solidária de Estados, assim como o entendimento comum sobre vários temas de interesse recíproco, nomeadamente sobre o que hoje nos irá ocupar.
En nombre mío y de la delegación portuguesa quiero igualmente dirigir desde aquí un caluroso y fraterno saludo al Pueblo cubano, manifestarle mi más profundo respeto y formularle los más sinceros y amigos votos por un futuro de libertad, paz, desarollo y progreso. Creo que todos aquellos que se encuentran alrededor de esta mesa me acompañan en este saludo y en este solidario deseo.
Antes de passar a uma apreciação sobre o caminho até aqui percorrido nas nossas cimeiras e de entrar nas matérias que hoje iremos discutir, permitam-me uma breve referência a Timor. Nesta hora de esperança em que foi concretizada uma viragem histórica no sentido da independência daquele território, quero- vos agradecer muito vivamente o apoio que a justa causa do Povo timorense recebeu, ao longo dos anos, nas cimeiras ibero-americanas. Permitam-me, ainda, apelar à continuada solidariedade de todos e cada um dos países aqui representados para as tarefas de reconstrução e do nascimento do novo Estado de Timor Leste.
Majestade
Senhor Presidente
Excelências
Ao cabo de oito cimeiras, podemos hoje afirmar com justificada satisfação que o diálogo político e a cooperação entre os países ibero-americanos assumem uma cada vez maior utilidade para todos nós, ao mesmo tempo que aumenta a projecção internacional destes nossos encontros anuais e a sua capacidade de intervir nas grandes questões mundiais e de as influenciar. A presença entre nós de observadores de numerosas organizações internacionais, que aproveito para saudar - entre as quais a CPLP, que representa os mais de 200 milhões de luso-falantes - vem atestar esta realidade.
Devêmo-lo ao continuado empenho no fortalecimento dos antigos laços que nos ligam, ao espírito de abertura e de franqueza que tem norteado sempre os nossos debates, à nossa capacidade de adaptar o seu formato em função de uma compartilhada exigência de atingirmos conclusões mais incisivas e operativas, à nossa determinação em conferir um carácter institucional à nossa cooperação, que se traduziu na criação da Secretaria de Cooperação Ibero-americana. Devêmo-lo, em suma, ao confiante relacionamento que soubemos construir, correspondendo ao objectivo constante de aproximar, cada vez mais, os nossos Povos.
Um objectivo que as nossas populações acarinham com indisfarçável entusiasmo, como temos verificado, ao longo destes anos, em Guadalajara, em Madrid, em Bariloche, em Cartagena da las Indias, em Salvador da Bahia, em Santiago do Chile, na Ilha Margarita, no Porto e, agora, na cidade de Havana.
Quero aqui assegurar que, durante a já próxima presidência portuguesa da União Europeia, continuaremos activamente empenhados e apostados no reforço das relações com a América Latina, que constituem para nós uma prioridade.
Concluir-se-á nesta reunião a participação do meu país na tróica que representa os 21 Estados da nossa Comunidade. Como Chefe de Estado de Portugal, cabe-me a honra de intervir, este ano pela última vez, na sessão de abertura de uma Cimeira Ibero-americana.
Na Cimeira do Porto, mantivemos uma útil discussão sobre os desafios da globalização. O tema que hoje discutiremos: Ibero-América e a situação financeira internacional numa economia globalizada dará continuidade à reflexão que então iniciámos.
Temos de reconhecer que aqueles desafios permanecem este ano tão vivos quanto o eram aquando do nosso último encontro. A situação financeira internacional, embora não corresponda hoje aos cenários mais pessimistas de há meses atrás, não deixa de ser preocupante.
Os últimos anos caracterizaram-se por uma expansão constante dos mercados financeiros mundiais, acompanhada pela multiplicação dos instrumentos ao seu serviço. Se, por um lado, esta expansão veio facilitar o acesso a recursos financeiros por parte dos países em vias de desenvolvimento, por outro, abriu as portas a movimentos especulativos de grande envergadura e gerou uma tendência para a instabilidade e o desiquilíbrio dos mercados devido à volatilidade do capital perante situações de oportunidade ou de crise.
Importa por isso, conforme já foi expresso na Declaração do Porto, fortalecer a capacidade de diagnóstico, reacção e prevenção por parte dos organismos financeiros internacionais para minorar os efeitos nocivos desta situação.
Sabemos que são os Estados menos prósperos os mais expostos à turbulência financeira, que são as economias mais frágeis as primeiras a sofrer o seu impacto brutal.
Os resultados destas crises são conhecidos. Traduzem-se invariavelmente no acentuar das desigualdades sociais no interior dos países economicamente mais débeis e no aumento do fosso que os separa dos Estados mais desenvolvidos, comprometendo, tantas vezes, os esforços e os sacrifícios empreendidos ao longo de vários anos.
Quero salientar os esforços muito positivos dos países da América Latina para combater corajosamente os efeitos perniciosos das recentes crises dos mercados financeiros internacionais.
São esforços que têm de ser incentivados e apoiados, tanto mais quanto ocorreram em condições particularmente desfavoráveis e gravosas para muitas das economias da região. Essas condições difíceis não foram, felizmente, terreno de cultivo para tentações autoritárias. As soluções democráticas impuseram-se naturalmente, confirmando ser este o único caminho certo para o desenvolvimento e o progresso da América Latina.
Esta indispensável capacidade dos países ibero-americanos para fazer face aos embates da instabilidade financeira internacional poderá, no entanto, ver-se debilitada se não conseguirmos perspectivar o futuro a prazo e definirmos uma estratégia que tenha em conta os desiquilíbrios da economia mundial.
Essa estratégia terá de passar pela procura de um novo equilíbrio entre a lógica do mercado e os valores da equidade. Para alcançar tal equilíbrio, será necessário caminharmos para um funcionamento mais participado e mais eficaz das organizações e das instituições multilaterais, que permita corrigir os efeitos perversos gerados pela liberdade de movimentos do capital, contribuindo assim para que estas sirvam a difícil mas necessária construção de uma ordem global mais justa, mais equitativa, mais solidária.
Será igualmente indispensável reforçar a cooperação política entre países e blocos regionais. Uma cooperação que deverá tender para a criação de mecanismos corrrectores das desigualdades que cada dia se vão aprofundando de forma evidente. Uma cooperação que permita encontrar um novo equilíbrio entre o poder económico e o poder político e que não deixe irremediavelmente à margem do progresso e do bem-estar os países menos prósperos.
Tenho a convicção de que a consciência acrescida da nossa interdependência é um dos dados positivos da globalização. É ela que não só nos recomenda mas igualmente nos impõe um dever de solidariedade. Creio, no entanto, que a entreajuda internacional só poderá ser uma legítima reclamação se for acompanhada por uma auto-ajuda. Ou seja, cada Estado tem uma responsabilidade primária na escolha das políticas económicas mais adequadas ao seu próprio contexto, escolha essa que condiciona a eficácia e o alcance da cooperação externa.
Não haverá pois soluções internacionais eficazes sem soluções nacionais ajustadas. Mas também é certo que estas, por si só, não serão suficientes, em particular no caso dos países menos desenvolvidos.
Majestade
Senhor Presidente
Excelências
Se queremos efectivamente pôr a globalização ao serviço da humanidade, para que ela se traduza, cada vez mais, numa dinâmica de mundialização das oportunidades, teremos que estar à altura destes desafios. Isso reclamará um grande empenhamento, um grande esforço e uma grande abertura de espírito.
Este exigente processo só será exequível num mundo crescentemente comprometido com os princípios e valores perenes da democracia. Porque, todos o sabemos, a democracia é a melhor aliada do desenvolvimento, assim como o desenvolvimento é o melhor aliado da democracia. E a verdadeira democracia pressupõe o respeito da dignidade da pessoa humana, dos seus direitos fundamentais, da sua capacidade de livre iniciativa, em suma da sua liberdade.
Quero terminar citando as palavras da declaração de Vinã del Mar que adoptámos em 1996 e que me parecem manter toda a actualidade : « Estamos convencidos de que la dignidad de las personas, la igualdad y la participación plena de mujeres y hombres en la política, la economía y la sociedad, son fundamentales para la práctica democrática. La nócion de que ningún ciudadano puede verse afectado en sus derechos fundamentales en nombre de una vision dogmática de la sociedad, del Estado o de la economía, debe afianzarse hondamente en la cultura democrática de nuestros pueblos. »
Reiterando os mais sinceros votos de sucesso para os trabalhos desta cimeira, deixo agora a palavra ao Senhor Presidente Fidel Castro, que nos irá expor o tão importante tema que hoje iremos debater.