Visita ao Instituto Politécnico de Castelo Branco

Instituto Politécnico de Castelo Branco
13 de Abril de 2000


Quero felicitar os responsáveis pelo Instituto Politécnico de Castelo Branco, pelo trabalho que vêm realizando.

A minha deslocação a esta instituição insere-se no quadro da iniciativa temática dedicada ao ensino superior. Tenho ouvido, em vários momentos, os principais responsáveis e alunos das instituições de ensino público e privado e tenho visitado universidades e institutos politécnicos.

É meu objectivo acentuar a importância do ensino superior para a realização das pessoas e para o desenvolvimento do país e das suas regiões. Sabemos como a educação e a formação são hoje, e cada vez mais, sectores decisivos para o futuro.

Pretendo realçar o esforço nacional de crescimento deste sector, sem paralelo noutros países da OCDE, e quero conhecer e valorizar inovações positivas em curso. Não podemos nem devemos ignorar todo o caminho percorrido.

Considero que vivemos um tempo de balanço em que é necessário conhecer o que temos, as dificuldades e erros dos percursos efectuados, para o que devemos avaliar situações, e repensar ritmos e formas de crescimento.

A primeira parte da minha intervenção será dedicada ao ensino superior politécnico, cuja realidade pretendo conhecer melhor.

Permitam-me que partilhe convosco algumas preocupações e vos coloque algumas questões e desafios sobre este sector que representa cerca de um terço do ensino superior público.

A sua criação, em finais da década de setenta, dando em parte continuidade a estudos e projectos anteriores, abriu novas possibilidades de expansão e desenvolvimento ao ensino superior. Parece-me justo sublinhar o esforço e exigência então colocados ao nível da construção e reconversão de espaços, da aquisição de equipamentos e da formação de um corpo docente próprio.

A instituição em que nos encontramos ilustra bem esse esforço.

Gostaria de salientar quatro aspectos que constituem em minha opinião contributos do ensino politécnico para o desenvolvimento do ensino superior.

1 - O primeiro aspecto diz respeito ao desenvolvimento de novas estratégias curriculares traduzindo preocupações de formação profissional e ligação ao mundo do trabalho. Em encontros que tenho mantido com empresários ouvi frequentes elogios a estas formações, designadamente nos domínios das técnicas e das tecnologias. Os dados disponíveis mostram que os diplomas do ensino politécnico têm maiores níveis de empregabilidade. É importante avaliar e prosseguir a construção de novos modelos curriculares mais motivadores para os jovens, e que não ignorem as exigências da formação cultural e cívica.

As inovações desenvolvidas neste sub-sistema de ensino superior são hoje cada vez mais assumidas também por instituições de ensino universitário.

2 - O segundo contributo prende-se com o reforço de algumas áreas de formação que encontram no ensino politécnico novas possibilidades de afirmação com especial destaque para o ensino das artes, das tecnologias, da gestão, da agricultura, da saúde e da formação de professores. São áreas de formação essenciais ao desenvolvimento económico, social e cultural do país, que poderão contribuir para a fixação de quadros no interior.

Tive hoje a oportunidade de visitar as escolas superiores de Educação, de Artes Aplicadas e Agrária, que exercem a sua actividade em sectores essenciais ao desenvolvimento do país. Conheci também os projectos da Escola Superior de Gestão e da área da saúde. Foi com muito agrado que me inteirei das vossas interessantes e pertinentes iniciativas.

Permitam-me que me refira em particular ao ensino superior artístico, cuja relevância poderá ser grande, nesta região.

Com efeito, apostar na arte e na cultura é contribuir não só para o progresso económico mas também para o equilíbrio social e para a realização das pessoas.

É grato verificar o alargamento do ensino superior artístico concentrado durante décadas em Lisboa e no Porto, a outras regiões do país. O contributo do ensino politécnico para o reforço do ensino artístico pode ser muito importante.

Por outro lado:

3 - A existência de uma rede de âmbito nacional de formação superior, investigação e prestação de serviços constitui um terceiro contributo do ensino politécnico, essencial ao desenvolvimento das regiões e, em particular, ao interior do país.

4 - Em quarto lugar quero sublinhar o papel deste ensino na democratização do acesso ao ensino superior. Verificou-se com efeito a abertura a grupos de estudantes com um novo perfil socioeconómico, o que torna necessário o reforço de mudanças pedagógicas e culturais, bem como a definição de maiores apoios sociais e económicos.

Estes são aspectos em que o contributo do ensino politécnico tem sido muito significativo e que devem, a meu ver, merecer uma reflexão do conjunto do ensino superior.

No âmbito desta reflexão sobre o ensino superior politécnico gostaria de formular algumas questões para o debate:

- Em que medida os pontos que referi constituem elementos de uma identidade que a evolução das instituições universitárias e politécnicas tem contribuído para atenuar?

- Como evitar a desvalorização social da imagem do politécnico, contrastando com a satisfação que tenho encontrado nos seus alunos e com os pareceres positivos que dele fazem os empresários?

- Como valorizar as experiências curriculares em curso?

- Como promover a articulação entre instituições de ensino politécnico e universidades?

- Como estabelecer o reconhecimento mútuo dos estudos realizados?

Na segunda parte desta intervenção, referir-me-ei à ligação entre o ensino superior e o desenvolvimento. Queria sublinhar dois aspectos que considero decisivos.

O primeiro aspecto diz respeito à relação entre o ensino superior e o mundo empresarial.

No âmbito de várias intervenções e chamadas de atenção sobre problemas fundamentais da sociedade portuguesa, em que privilegiei o contacto directo com experiências de terreno inovadoras, pude aperceber-me de avanços significativos que se vêm realizando em termos de cooperação entre instituições do ensino superior e actividades económico-empresariais locais e regionais.

Assim, e em especial durante as semanas que dediquei aos temas da inovação empresarial e do desenvolvimento do interior, tornou-se-me claro que, felizmente, está ultrapassada a fase em que, no nosso País, existia um divórcio absoluto entre instituições de ensino e investigação, por um lado, e vida empresarial, por outro.

Participei, recentemente em Aveiro, num encontro de trabalho entre universidade, empresários e autarcas no qual pude testemunhar uma evolução muito interessante.

É certo que as iniciativas ligadas a actividades de I&D no interior do tecido empresarial não têm ainda, globalmente, a expressão necessária e desejável. Parece ser verdade, por outro lado, que o grau de abertura das unidades de ensino superior à resolução de problemas das empresas continua, nalguns sectores e regiões, a ser bastante limitado.

De um modo geral, porém - e faço questão de insistir neste ponto -, considero que o País demonstrou, nos últimos anos, não haver qualquer incompatibilidade essencial entre os objectivos próprios das instituições de ensino superior e as exigências de desenvolvimento das actividades económicas.

São prova disso os resultados muito promissores alcançados em matéria de requalificação de certos produtos agrícolas, de concepção e certificação de procedimentos e produtos em indústrias transformadoras com grande impacto nas exportações, de difusão e utilização criteriosa de novas tecnologias de informação e comunicação em áreas decisivas da economia digital emergente, de criação de soluções técnicas que compatibilizem produtividade com bons níveis de qualidade ambiental - e a listagem podia, seguramente, ser alargada.

Julgo que, continuando nesta direcção, será possível, a curto prazo, alcançar patamares de muito maior exigência.

Permito-me, a tal propósito, lembrar que, a partir de iniciativas recentes de criação de redes de cooperação interempresarial com incidência regional, nacional ou mesmo supranacional, pode estar a constituir-se um espaço muito estimulante de expansão das ligações entre empresas e estabelecimentos de ensino superior.

Na verdade, revelando-se tais iniciativas particularmente favoráveis a intercâmbios institucionais de largo espectro e a fórmulas técnico-organizacionais afastadas dos modelos rígidos e compartimentados de outrora, talvez se possa concluir que, neste quadro, se abre, em termos da sempre almejada competitividade internacional, um leque de oportunidades para o conjunto das pequenas e médias empresas de algumas regiões do País que de nenhum modo devemos desprezar.

Seria importante que um tal movimento viesse acompanhado de melhorias significativas nas próprias condições de trabalho. Sabendo-se que Portugal tem, neste aspecto, défices muito penalizadores, bom seria que os empresários e as suas associações, os organismos da administração pública ligados à segurança e qualidade de vida nos locais de trabalho e, claro está, as Universidades e Institutos Politécnicos inscrevessem, nos seus programas de acção, linhas de actuação coordenada que permitissem ao País fazer dos saltos em capacidade tecnológica, outros tantos saltos em termos organizacionais e de condições de segurança, saúde e qualidade de vida nos locais de trabalho.

O segundo aspecto diz respeito ao apoio que o ensino superior poderá dar ao desenvolvimento regional.

Do meu ponto de vista, a ligação dos estabelecimentos de ensino superior aos problemas do desenvolvimento está longe de se reduzir ao mundo empresarial e do trabalho.

Desenvolvimento e, em particular, desenvolvimento regional, significam bem mais do que actividade económica dinâmica e tecido empresarial competitivo. Significam protecção do património ambiental e paisagístico; significam preservação de heranças culturais e símbolos de identidade colectiva; significam reabilitação criteriosa do património edificado; significam busca de qualidade de vida para as populações; significam combate contra vulnerabilidades sociais e formas injustas de desigualdade social; significam capacidade de integração dos que foram marginalizados.

Pois bem: haverá algum obstáculo de fundo impedindo que as escolas de ensino superior, seja das áreas científico-tecnológicas “duras”, seja das ciências económicas e sociais, seja ainda das artes e humanidades, participem activamente em todas estas dimensões do desenvolvimento das regiões em que se inserem?

Penso que não. Quer através de fórmulas mais convencionais de estudo-diagnóstico das situações, quer através de propostas integradas de desenvolvimento local e regional, quer através da promoção de um debate rigoroso, sistemático e continuado sobre os problemas dos cidadãos, podem e devem as instituições de ensino superior participar activamente no desenho das estratégias de desenvolvimento do País.

Não se trata, obviamente, de defender que as instâncias de produção e difusão de saber se substituam aos órgãos de representação democrática das populações na resolução dos seus problemas. Não é isso, evidentemente, o que estou propondo. O que quero dizer é que me parece possível pensar em moldes alargados a função de prestação de serviços ou de ligação ao exterior das Universidades e Politécnicos, concebendo abertamente estas últimas como agências de desenvolvimento por excelência (e de excelência...).

Tivemos hoje a oportunidade de conhecer interessantes exemplos de colaboração com o exterior e apoio das Escolas do Instituto Politécnico de Castelo Branco ao desenvolvimento regional.

E não estou convencido que, com esta extensão do papel das instituições de ensino superior, se coloque em risco o exercício de outras das suas funções tradicionais: o ensino e a investigação de qualidade.

Admito mesmo que a renovação das metodologias de ensino, que parece indispensável para sacudir alguma desmotivação de docentes e estudantes e resolver problemas como o insucesso escolar, poderia ser facilitada num quadro de actuação como o que acabo de desenhar.

Quanto à participação das Universidades e Politécnicos na formação ao longo da vida - uma linha de actuação que é urgente desenvolver numa sociedade de conhecimento e tendo em conta os atrasos existentes em Portugal neste domínio - é óbvio que ela só beneficiaria com a referida aproximação aos problemas de desenvolvimento concretos das regiões.

Vários estudos sobre a realidade social portuguesa indicam que o desenvolvimento de um conjunto de cidades de dimensão intermédia permitiram atenuar a intensidade das assimetrias inter-regionais de desenvolvimento no País, ainda que à custa, eventualmente, de um desequilíbrio intra-regional reforçado entre os centros urbanos e as respectivas periferias rurais. Considera-se, geralmente, que a criação de instituições de ensino superior teve papel decisivo nesse processo de desenvolvimento urbano, ao induzir ou fortalecer certas actividades económicas, ao estimular a criação de infraestruturas e outros equipamentos sociais.

Durante esta visita tenho verificado com agrado os frutos positivos da excelente colaboração entre o Instituto Politécnico de Castelo Branco e as autarquias da região. Frutos esses traduzidos designadamente nos projectos de apoio ao desenvolvimento.

Ao terminar a minha intervenção, que pretendo que seja de estímulo às intervenções e debate que se seguem, gostaria de vos deixar ainda a seguinte questão:

Como poderão as universidades e institutos politécnicos, sem perder a sua identidade académica-científica, aumentar o seu papel como autênticos promotores do desenvolvimento cultural, social e económico?