A Jorge de Sena

Porto (Mensagem enviada por ocasião do 80º Aniversário do seu nascimento)
24 de Março de 1999


Não podendo estar presente, como era meu desejo, quero, no entanto, felicitar a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto por esta iniciativa tão interessante de homenagear Jorge de Sena, assinalando os 80 Anos do se nascimento.
Ao evocar um antigo aluno que se tornou conhecido, não como engenheiro, mas como grande escritor, a Faculdade de Engenharia dá provas de uma abertura e de uma sensibilidade às questões culturais que deve ser realçada e apontada como exemplo.
Ainda aluno, Sena tinha começado já a criar a sua obra literária. Após ter concluído nessa Casa o curso, iniciando a sua vida profissional no domínio da engenharia civil e das obras públicas, manteve uma intensa actividade literária que logo cedo o tornou notado, considerado e respeitado como um homem que aliava às sua qualificações ténico-profissionais como engenheiro um invulgar conhecimento da língua e da literatura.
Essa dupla formação humanística e técnica serviu-lhe não apenas para ser o engenheiro que era e o grande escritor em que se tornou. Serviu-lhe para ensaiar uma reflexão profunda e original sobre os temas culturais da segunda metade deste século que agora se aproxima do fim, enriquecendo essa reflexão com a vastidão e diversidade dos seus interesses conhecimentos e experiências.
A sua formação académico-cientifica deu-lhe uma disciplina mental e um rigor que se prolongaram na sua obra literária, marcada pela perfeição técnica e pela construção audaciosa. Influenciou-se decerto também no exercício tão inovador da critica literária, que praticou com recurso a novos métodos, novas teorias e novos conceitos. Com base neles, operou uma mudança fundamental em domínios tão importantes como o dos estudos camoneanos.
O autor de “O Físico Prodigioso” foi, em tudo o que fez, um homem de enorme exigência. Essa exigência começava por si próprio e fazia com que denunciasse o amadorismo, a inércia, o desleixo e a ignorância como vícios nacionais que nos diminuíram.
Com o seu país, Sena manteve uma relação e paixão, sujeita, como é próprio da paixão, a crises e contradições. Cantou o seu amor a Portugal e aos seus heróis com uma intensidade constante, verberou em cóleras célebres os nossos males. Longe da Pátria, levou a sua identificação com ele ao ponto de a viver com um fervor único.
Homem livre e homem de liberdade, combateu a ditadura, exilou-se, denunciou a censura, a opressão e sobretudo a persistência de uma mentalidade mesquinha e inquisitorial que constitui o mais sólido aliado da tirania.
Foi um homem do nosso tempo, aberto a tudo o que era novo, mas com uma consciência exacta de que o novo tem raízes e filiações, afirma, nega e transforma o passado. Como poucos ele meditou sobre o longo curso da cultura humana e das suas criações, sobre aquilo que nela representou continuidade e ruptura, permanência e mudança. Divulgou, estudou e traduziu obras de todos os tempoe e de todos os lugares. Foi, verdadeiramente, um português universal.
A sua obra literária é das mais poderosas do século, pela sua qualidade, diversidade, vastidão. É ainda uma das que maior poder de influência mostrou possuir.
Romancista, poeta, critico, ensaísta, tradutor, professor, homem de cultura que como poucos reflectiu a condição humana nas suas grandezas e misérias, autor de “Sinais de Fogo” viveu preocupado com o destino do seu País e do seu Povo, com o destino do Mundo. A homenagem que lhe prestamos significa que temos presente a lição da sua vida e do seu trabalho incansável a favor da dignidade e da grandeza de todos os seres humanos. Sena acreditava que a arte e a ciência eram formas de criação e de descoberta em que essa grandeza mais se tinha revelado ao longo dos séculos.
O divórcio entre a cultura científica e a cultura humanística tem sido, entre nós, um motivo de empobrecimento de ambos os domínio da actividade intectual.
Ao longo dos tempor, muitos foram aqueles que lutarm contra esta situação: de Luís António Verney a Antero de Quental, de Almeida Garret a Alexandre Herculano, de Eça de Queiróz a Oliveira Martins, de Fernando Pessoa a Vitorino Nemésio, de Orlando Ribeiro a Bento de Jesus Caraça, de Jorge de Sena a Rómulo de Carvalho.
Creio que, actualmente, as coisas se modificaram. Há hoje a crescente consciência de que a exigência de um especialização numa área do saber não é incompatível com uma informação actualizada sobre as grandes questões dos outros domínios.
Devemos evitar, ao mesmo tempo, os perigos do saber generalista e superficial, sem aprofundamento nen rigor, e os do conhecimento que, em nome da hiper-especialização e da eficácia, se fecham numa auto-suficiência estéril. A interdisciplinariedade é fundamental para a criação daqueles nexos e daquelas grelhas que nos permitem aprender a complexidade do real e a vastidão dos problemas. Essa deve ser uma atitude pedagógica de fundo.
A esta luz, a iniciativa da Faculdade de Engenharia do Porto é merecedora do maior aplauso, devendo ter continuidade. Transmito-vos, por esta via, a minha palavra de estímulo e apreço. Presto homenagem, em nome de Portugal, a Jorge de Sena, engenheiro, escritor, cidadão e grande português que um dia disse, em palavras inesquecíveis, que a sua poesia representava “um desejo de exprimir o que entendo ser a dignidade humana – uma fidelidade integral à responsabilidade de estarmos no mundo”.