Jantar Oferecido a Mulheres Eleitas para Cargos Políticos (Jornada de apoio ao desenvolvimento económico, cultural e científico)

Universidade de Évora
21 de Abril de 1996


Agradeço a todas e todos a vossa presença neste jantar.
Neste momento, em que dou início a um conjunto de deslocações e contactos com a sociedade portuguesa, visando marcar a importância do exercício da cidadania, quero afirmar o significado positivo que atribuo ao papel das mulheres na família, no mundo profissional, na cultura e na vida cívica e política. Tenho a convicção de que a participação feminina na vida cívica e política constitui um indicador do grau de aprofundamento de uma democracia. Ao contrário do que muitas vezes se pensa e diz, trata-se de um questão da democracia, de direitos humanos e da sociedade em geral e não de um problema que diga exclusivamente respeito às mulheres.

Tenho acompanhado nos últimos anos as posições de vários organismos internacionais sobre as situações de desigualdade ainda muito frequentes nos domínios do emprego, da educação, da política. Caso das directivas da União Europeia — das declarações do Conselho da Europa (1989) sobre a Igualdade das Mulheres e dos Homens ou ainda das convenções da ONU (1978) sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, da UNESCO ou da OIT. A defesa da igualdade de direitos e de condições para a participação das mulheres na vida política é hoje uma preocupação generalizada nas sociedades democráticas. A nossa Constituição é bem clara neste domínio.

Em Portugal preocupa-me a persistência de grande número de desigualdades, sobretudo no que diz respeito às condições de vida, à pobreza e ao desemprego, de que as mulheres são as maiores vítimas, bem como relativamente ao acesso a cargos de decisão, no mundo da economia e da política.

A democracia trouxe em Portugal novas oportunidades para a realização das mulheres: abriram-se novos espaços de interven-ção profissional com destaque para a abertura do acesso à magistratura, à carreira diplomática e a todos os cargos da carreira administrativa. Muitas mulheres se têm distinguido, nos últimos anos, nestas áreas. Temos uma legislação que, em
teoria, permitiria a existência de uma sociedade justa neste domínio. Contudo a distância da lei à prática é infelizmente grande.

Gostaria de sublinhar a importância das mulheres na construção da democracia em Portugal homenageando aquelas que se distinguiram durante a resistência à ditadura e as que, depois do 25 de Abril, demonstraram pela sua acção na Assembleia da República, nas autarquias e no movimento associativo que a sociedade só ficou a ganhar com uma maior participação feminina.

Gostaria também de frisar a importância do papel da mulher na família como fonte de equilíbrio afectivo e como gestora de situações muitas vezes difíceis de um ponto de vista económico e social. As políticas de apoio à família são essenciais, sem esquecer a atenção devida aos casos de famílias monoparentais, cada vez mais frequentes.

De igual modo a evolução cultural no sentido de se ultrapassar estereótipos, e a mudança de atitude dos homens relativamente à vida doméstica e à educação dos filhos são importantes.
A educação pré-escolar é, neste domínio, decisiva para permitir à mãe um maior investimento profissional e cívico.

É notável a evolução das mulheres no acesso à educação. Constituindo o maior número de analfabetos antes de 1974, as mulheres são hoje mais de 60% dos jovens diplomados pelo ensino superior. Obtendo melhores resultados escolares no ensino secundário, entram mais facilmente para o ensino superior onde obtêm melhores resultados.

Apesar desta evolução o número de mulheres titulares de cargos políticos mantém-se sem alterações significativas desde o 25 de Abril. Só seis em trezentos e cinco presidentes de câmara e só trinta em duzentos e trinta deputados são mulheres (o número de deputadas subiu em 95 ligeiramente).

Acredito que a maior participação feminina na vida política poderia contribuir para a introdução de novos temas e prioridades nas agendas políticas, e poderia contribuir para a inovação no modo como se faz política. Com frequência as mulheres investem mais na defesa de causas nas áreas sociais, no ambiente, em actividades de natureza educativa e cultural. São áreas essenciais à solução dos grandes problemas da humanidade. Mas, em todos os outros domínios, o contributo das mulheres para o desenho das políticas públicas pode ser importante.

Como compreender e ultrapassar as desigualdades existentes no mundo do trabalho e na vida social e política? Penso que a importância da integração nas diferentes áreas sectoriais da dimensão da igualdade pode ser decisiva. De igual modo pode ser decisivo o papel da educação nomeadamente para ultrapassar estereótipos muitas vezes existentes.

A educação para a cidadania é um caminho em que acredito.
É importante que a escola ensine e desenvolva o gosto pelo estudo e debate dos temas do mundo actual. O desenvolvimento de competências para a intervenção e para a negociação deve ser igualmente assumido nos processos educativos. A formação decidadãos capazes de compreender e intervir no mundo que os rodeia passa também pela educação para os media de que já se fala muito.

Se muitas das causas das desigualdades podem ser atribuídas a actos de discriminação, não acredito tratar-se de uma fatalidade de que as mulheres estariam condenadas a ser vítimas. Creio haver todo um percurso a fazer pelas próprias mulheres, sendo necessárias a persistência, a aprendizagem da intervenção, a ambição, a solidariedade de mulheres e homens para esta causa.

Aproximam-se as eleições autárquicas onde seria desejável aumentar o número de mulheres: nas freguesias, nas assembleias e câmaras municipais.

Gostaria de deixar aqui um apelo. A sociedade portuguesa necessita de um grande investimento para o seu desenvolvimento
social, económico e cultural. Necessita de inovação e solidariedade. Não podemos prescindir da intervenção cívica de mais de metade da população. Não podemos prescindir da competência e da generosidade das mulheres.

Com a vossa ajuda penso que será possível desenvolver uma pedagogia da cidadania no sentido de criar novos equilíbrios e criar espaço para diferentes protagonismos.