Sessão de Abertura do Ano Lectivo 96/97 do Instituto de Defesa Nacional

Instituto de Defesa Nacional
29 de Novembro de 1996


E´ com particular prazer que me encontro nesta Casa, acedendo ao amável convite do Senhor Ministro da Defesa Nacional.
Enquanto Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas é para mim uma honra dirigir-me a uma tão ilustre audiência de especialistas em questões tão importantes para o País, como é o caso da Segurança e da Defesa Nacional.

E quero agradecer ao Senhor Professor Doutor Ernâni Lopes, a circunstância de nos ter tão estimulantemente motivado, através da conferência inaugural que acabou de proferir, para aquilo que no fundo deve ser, permanentemente, o debate no País e também nesta Casa.

A actual conjuntura político-estratégica mantém contornos de imprevisibilidade e instabilidade, característicos de um sistema internacional em transição, em que as lógicas de fragmentação e integração se cruzam e geram movimentos complexos e contraditórios.

A par com a emergência de renovadas oportunidades tendentes a uma maior cooperação e diálogo entre as nações, coexistem focos de instabilidade e conflitos declarados ou potenciais em várias regiões do Mundo, provocados por uma onda de tensões longamente contidas, de natureza étnica, religiosa, cultural e política.

Num mundo marcado pelo fenómeno da globalização e pela multipolaridade e heterogeneidade de modelos políticos, culturais e civilizacionais, os riscos para a segurança e para a estabilidade podem resultar de decisões políticas identificadas ou defenómenos diversificados e complexos, como sejam os fluxos migratórios desordenados, as crises económicas induzidas, o terrorismo e o narcotráfico.

O carácter global de muitos destes fenómenos e a tipologia multifacetada, imprevisível e transnacional dos novos riscos para a segurança, exigem que as estratégias de resposta para lhes fazer face sejam perspectivadas numa concepção mais ampla e integrada de segurança, entendida como um aspecto essencial da globalização. Exigem um conceito alargado de segurança que abranja não só a indispensável dimensão de defesa, mas também os aspectos políticos, económicos, sociais e ecológicos de resposta, e no qual avultam a cooperação e a solidariedade nos vários domínios como elementos essenciais.

A Defesa, como factor indispensável para garantir a Segurança, deve também ser perspectivada num contexto de mundialização das interdependências e dependências, o que aponta para o necessário aprofundamento do seu carácter pluridisciplinar, num quadro coerente com as diferentes vertentes da Segurança.

Existe hoje, consequentemente, um crescente entrosamento entre política externa, segurança e defesa, que determina uma permanente interacção na formulação de objectivos e na identificação de modalidades de acção.

A este propósito, e ao olhar para esta sala hoje, merecerá a pena relembrar quão difícil era, suponhamos há trinta anos, abordar as questões da defesa de uma forma tão aberta; quão difícil era, sequer, associar defesa e segurança; e que tudo, afinal, só foi possível em Portugal, com o advento da democracia.

Não quis deixar de fazer esta referência aqui, hoje, porque este Instituto, e antes dele esta própria sala, foram palco não apenas de agradáveis Cursos de Auditores de Defesa Nacional mas também de grandes confrontações que, de alguma forma, moldaram o tempo que estamos a viver.

E se é aliás comum, hoje e com facilidade, falar-se de política externa, de segurança e de defesa, eu falo dessa temática, com certeza, mas acrescento também, que todos esses domínios estarão sempre ao serviço da democracia e que o Instituto da Defesa Nacional pode desempenhar, como certamente desempenha e desempenhará no futuro, um papel extremamente inovador no relacionamento modernizado destas várias matérias, que deixaram de ser vistas como exclusivas de determinados especialistas, sempre essenciais, mas que são, afinal, questões do nosso quotidiano democrático, para as quais temos de encontrar novas respostas.

No tocante à Defesa Nacional e ao nível do conceito, parece devidamente assumido e interiorizado o seu carácter multidisciplinar e interdepartamental, o que se deve ao Instituto de Defesa Nacional que oportunamente introduziu e divulgou no nosso País o conceito global e integrado de Defesa Nacional.

A Defesa, sendo uma questão nacional, é não apenas militar mas também cultural, económica e política na mais ampla acepção da palavra. Neste sentido, só uma estratégia integrada, concebida no plano global do Estado, poderá responder, com credibilidade, à defesa dos interesses nacionais e aos desafios do mundo de hoje, pelas sinergias que se obterão através de uma adequada e harmoniosa articulação entre as componentes militares e não militares da Defesa Nacional.

Mas a Defesa Nacional não se esgota num conjunto de medidas a adoptar nos vários domínios de acção. A Defesa é, acima de tudo, uma manifestação da vontade nacional.

O espírito de defesa e a cultura de defesa estão intimamente ligadas e todo o cidadão deve estar consciente do facto de que a Defesa Nacional se fundamenta na coerência da reflexão e dos processos, mas também comporta alguns sacrifícios.

É neste sentido que assume particular relevância a sensibilização da população para os problemas da Defesa Nacional, em especial no que respeita aos valores fundamentais que lhe são inerentes, e o desenvolvimento e enraizamento de uma verdadeira consciência de defesa nacional, conducente à consolidação da ideia de que ela deve ser sentida e partilhada por todos os Portugueses.

Na verdade, só quando se conjugam os valores de uma sociedade com a análise correcta das situações — produto da competência e do saber colocados ao serviço da Defesa Nacional — é que pode emergir uma verdadeira cultura de defesa.

Numa época de mudança e incerteza como é aquela em que vivemos, torna-se necessário dar uma maior atenção à reflexão estratégica e às abordagens prospectivas, como suportes fundamentais do planeamento e do processo de decisão estratégicos.

Na vertente da Defesa Nacional, face às variáveis dos conceitos estratégicos correspondentes às áreas de interesse nacional e à consequente diversificação da acção estratégica, importa igualmente aprofundar a reflexão e o debate sobre as grandes questões da Segurança e Defesa e apurar o Planeamento Estratégico da Defesa Nacional.

Na actual conjuntura, aquele planeamento deverá continuar a centrar-se no espaço onde se realizam os Interesses Nacionais Permanentes, mas atender, igualmente, ao facto de a acção estratégica estar hoje também orientada para a afirmação de Portugal na Europa e no Mundo.

E é nesta última vertente que se inserem as recentes acções militares nacionais no âmbito das novas missões das Forças Armadas em apoio da política externa do Estado, que têm contribuído de forma significativa e eficaz para tal afirmação.

Neste contexto, configurando-se o crescente envolvimento da componente militar no apoio à política externa do Estado como a principal alteração qualitativa no emprego operacional das Forças Armadas em situação de paz, parece pacífico que a vertente militar da Defesa Nacional tem hoje de incluir no seu planeamento duas vertentes diferenciadas: o Planeamento da Defesa Militar e o Planeamento do Apoio Militar à Política Externa do Estado.

Importa ainda sublinhar que o planeamento estratégico não se confina à concepção da acção estratégica a empreender. Há que cuidar, igualmente, do potencial estratégico nacional, nos vários domínios da acção do Estado pertinentes à Defesa Nacional.

No caso da componente militar da Defesa, a diversidade das missões a cumprir, com especial relevo para as que se enquadram no apoio à política externa do Estado, implicam profundas alterações nos planos genético e estrutural da força militar que justificam a restruturação em curso.

Neste âmbito, se por um lado há que conferir às Forças Armadas uma crescente capacidade para o cumprimento de missões externas que revertem para o reforço do prestígio, da visibilidade e da afirmação de Portugal na cena internacional, dever-se-á igualmente atender à necessidade de dispor em permanência de uma capacidade militar suficiente para constituir um factor de dissuasão credível, na perspectiva da Defesa Militar.

O crescente envolvimento das Forças Armadas em operações de apoio à paz e humanitárias, bem como o empenhamento cada vez mais significativo de quadros nas estruturas de Comando e Estado-Maior das várias organizações internacionais de segurança e defesa de que Portugal é membro, fazem emergir como uma questão especialmente relevante a formação dos quadros de hoje.

É uma questão que, diga-se desde já, as Forças Armadas souberam competentemente antecipar e cuidar, especialmente através da acção desenvolvida pelos seus Institutos Superiores de EnsinoMilitar, e que se tem revelado no excelente desempenho dos quadros militares empenhados naquelas missões, reconhecido, aliás, nas várias instâncias internacionais onde estamos inseridos.

Porque também este domínio concorre para o acréscimo de prestígio e visibilidade do nosso País, importa dar continuidade a este esforço de formação dos quadros, apostando decisivamente na valorização do elemento humano, na qualidade e no saber.

O militar é hoje em dia também um «gestor da não violência», um peacekeeper, um agente directo da acção diplomática antes ainda de actuar como o seu natural prolongamento. Consequentemente, as exigências que decorrem da complexidade e diversidade das missões que pode ser chamado a cumprir sugerem que, a par da aprendizagem científica, técnica e táctica tradicionais, se incremente o estudo das Relações Internacionais, da Geopolítica, da Estratégia e do Direito Internacional.

A série de comentários ou reflexões que acabei de apresentar, especialmente centradas nas questões da Segurança e Defesa, ilustram, por si só, a complexidade da temática e a importância crescente que os estudos estratégicos assumem nos dias de hoje.

Para além do necessário acompanhamento e análise do complexo ambiente internacional em que vivemos, que deve ser permanente, e da avaliação da sua incidência sobre o planeamento estratégico nacional, importa igualmente continuar a actualizar doutrinas e promover, crescentemente, um verdadeiro Pensamento Estratégico Nacional.

Neste campo, o Instituto da Defesa Nacional tem um papel importante a desempenhar, já que lhe cabe, entre outras atribuições, promover a reflexão teórica sobre as grandes questões da Segurança e Defesa e contribuir para a definição e a permanente actualização de uma doutrina de defesa nacional.

Num plano igualmente relevante se inscreve o intercâmbio entre o Instituto da Defesa Nacional e Instituições congéneres, universidades e outros estabelecimentos de ensino superior, que importa continuar a aprofundar, no sentido de promover um diálogo constante e interactivo com a sociedade civil.

Numa palavra, o Instituto da Defesa Nacional é o forum privilegiado para a produção de uma cultura estratégica, envolvendo os «trabalhadores do saber» num cruzamento de experiências diversificado e enriquecedor, contribuindo para reforçar a identidade e consolidar a consciência e a coesão nacionais.

Uma palavra final que é, no fundo, uma sequência das intervenções que tive o prazer de ouvir, do Senhor Director do Instituto da Defesa Nacional e do Senhor Professor Ernâni Lopes.

A minha presença nesta Casa deve também ser vista como um forte estímulo à necessidade de ser interiorizado pelo País, em geral, o significado das profundas alterações em curso e do esforço desenvolvido pelo Ministério da Defesa Nacional e pelas Forças Armadas, designadamente o aprontamento, a formação e a dignificação que estas, no seu conjunto, têm introduzido no País.

A minha presença deve ainda significar, se me permitem, o desejo que exprimo neste auditório tão solene, de ver assumidas pela comunidade nacional, as grandes questões de Segurança, de Defesa e de Estratégia Nacional, que no fundo são o cerne da visão democrática da sociedade. É isto que fundamentalmente importa.

Se tivéssemos a oportunidade de fazer uma retrospectiva do que foram os últimos anos da vida portuguesa, quem nos diria
que hoje, mais uma vez estaríamos no Conselho de Segurança das Nações Unidas; que a nossa presença na Bósnia é saudada como uma capacidade notabilíssima; que as nossas Forças Armadas são vistas em cenários que nos recordam partes da nossa História que não podemos esquecer, mas que não são obviamente idênticos aos actuais, e que são instrumento decisivo da cooperação com os países de expressão oficial portuguesa e de cooperação internacional. Quem diria, como tive ocasião de verificar há quinze dias, quão requestada é a nossa presença empresarial e cultural no quadro ibero-americano; quem poderia sequer prever, alguns anos atrás, que teríamos também este ano, fruto de uma acção diplomática consistente, assistido à criação e à assinatura formal da Declaração Constitutiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (e aproveito para saudar o Senhor Secretário Executivo aqui presente); e, finalmente, quem poderia sequer pensar que dentro de dois dias teríamos em Portugal a reunião magna da OSCE, com tudo o que isso significa.

Sabemos por isso, minhas Senhoras e meus Senhores, que há desafios fortes mas que há também determinação. E que aquilo a que tudo, afinal de contas, se resume é a forma concreta como a participação de todos os portugueses se fizer, já que os desafios não se dirigem apenas às elites. Será da resposta global da população que há-de com certeza, confiantemente, nascer um Portugal cada vez mais forte, solidário e desenvolvido.