Sessão Solene na Câmara Municipal do Porto(Visita a Municípios da Área Metropolitana do Porto)

Câmara Municipal do Porto
21 de Novembro de 1996


Aceitei o convite para visitar oficialmente a cidade do
Porto, que V. Ex.ª teve a amabilidade de me dirigir, com particular prazer.
Ele confere ao Presidente da República, em primeiro lugar, a oportunidade de oficialmente homenagear, através de um conjunto de iniciativas, esta «Antiga, Muito Nobre Sempre Leal e Invicta Cidade do Porto».

Ele permite, depois, o contacto institucional entre o Presidente e os órgãos autárquicos, de outro modo impossível nas frequentes visitas que tenho oportunidade de realizar a esta cidade para participar na intensa vida económica, social e cultural que a caracteriza e distingue.

Mas o convite desta Câmara permite-me, também, reencontrar tantos e tantos amigos a quem tantas vezes não posso dedicar a atenção que gostaria, porque os afazeres de Estado nem sempre mo permitem. E esta razão afectiva é-me particularmente grata. Para mim, aliás, a política pouco significado tem sem essa dimensão afectiva, é ela que nos mantém próximo das pessoas, dos seus sucessos e dos seus problemas.

Eu gosto de estar próximo das pessoas, de as ouvir, de as procurar compreender, de elogiar as suas realizações e de procurar incentivar a resolução dos problemas. Por isso é bom estar aqui com todos vós. Muito obrigado pela calorosa recepção que me dispensaram.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Para quem, como eu, vem há tantos anos assiduamente ao Porto é impossível não deixar de reconhecer, e louvar, o grande desenvolvimento que a cidade sofreu, modernizando-se, assegurando novas infra-estruturas, desenvolvendo o seu comércio e a sua indústria manifestando uma pujança cultural notável, consolidando Universidades prestigiadas e estabelecendo importantes relações internacionais.

Como Presidente da República quero sublinhar, com apreço, a profunda modernização da cidade, a vitalidade de todos os seus agentes públicos e privados, e a reafirmação de uma identidade própria. É assim que se vitalizam as cidades, incutindo-lhes dinamismo, estimulando a criatividade, a iniciativa e criando novas oportunidades para os seus munícipes.

Todo esse trabalho, todo esse esforço, toda essa vitalidade que os portuenses têm demonstrado faz falta a Portugal, que necessita garantir condições permanentes de modernização sustentada e de melhoria das condições de vida de todos os portugueses.

De entre os muitos projectos que marcam o novo rosto da cidade não posso deixar de referir, pela sua importância e dimensão, o projecto do Metropolitano do Porto, porque ele representa uma verdadeira revolução nas acessibilidades da Área Metropolitana e ficará como um marco e um símbolo do início do Porto do século xxi.

Mas, se a cidade modernizou as suas infra-estruturas e equipamentos não deixou, por isso, de dedicar uma particular atenção à sua riqueza patrimonial e ao seu centro histórico, que terei a oportunidade de visitar. É, aliás, a sua beleza natural e arquitectónica, a preservação dos seus núcleos históricos profundamente enraizados na tradição e na história da cidade que fazem do Porto um candidato natural ao estatuto de cidade Património Mundial. Estatuto que, estou certo, não deixará de lhe ser concedido.

O Porto é uma cidade historicamente aberta ao mundo, que sempre teve, através do seu porto, intensas relações internacionais, quer por via de um comércio importante, quer até por ter vivido intensamente a primeira, longa, vaga de emigração e retorno da época contemporânea, estreitando importantes laços entre a cidade e o Brasil.

A arquitectura e a literatura têm ainda presente a casa do «brasileiro» e as suas atitudes económicas e culturais no reencontro com a cidade e o Norte de onde originariamente tinham partido. Por isso, como já tive uma vez ocasião de referir, que melhor cidade se poderá encontrar para sediar as Comemorações Nacionais dos 500 anos da Descoberta do Brasil? Espero, Sr. Presidente da Câmara que este desejo da cidade se possa tornar realidade.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Cumpro um acto de Justiça se sublinhar que parte significativa desta transformação do Porto é obra da Câmara que soube potenciar todas as energias da Cidade e o empenho de todos os que compõem os órgãos autárquicos.

O Porto teve em V. Ex.ª uma voz que projectou e prestigiou a cidade.

Como Presidente devo manter-me acima das opções políticas que os Portugueses fazem para a condução da res publica. É essa uma das expressões da minha independência, por isso sou o Presidente de todos os portugueses.

Mas, o Presidente da República não pode deixar de manifestar o reconhecimento público pela dimensão da obra que os Portugueses realizem, com assinaláveis méritos, nos diversos domíniosde actividade. É que o reconhecimento público manifestado pelo Presidente reveste-se de um instrumento de estímulo, e de exemplo, a todos os portugueses, para que sempre e melhor sirvam o seu país.

V. Ex.ª, Senhor Presidente da Câmara, prestou à cidade e ao País serviços da maior relevância. E não me quero referir apenas à obra do autarca do Porto, cidade a que conferiu um novo dinamismo.

Quero referir-me a todo um percurso de intervenção cívica, de serviço à República, longo já de duas décadas, desde o seu início, em 1976, em Vila do Conde, ao governante que procurou introduzir reformas inovadoras, ao deputado europeu que soube construir e fortalecer uma imprescindível ligação entre as instâncias comunitárias e a região, ao Presidente da Junta Metropolitana, ao Conselheiro de Estado, ao político que não hesitou em voltar à vida autárquica para trazer à cidade que o elegeu o contributo da sua experiência acumulada.

É em nome de todo esse percurso nacional, e para dar testemunho da obra feita ao longo dele, que decidi condecorar o Dr. Fernando Gomes, Presidente da Câmara Municipal do Porto, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.

Sei que pela obra feita a cidade se reconhece também nesta condecoração. Tal como espero exprimir assim, ao condecorar o seu Presidente da Câmara, o apreço que tenho para com a Cidade, para com a sua pluralidade e para com a capacidade empreendedora que os portuenses têm sempre demonstrado.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Permitam-me que ao falar à cidade aproveite a solenidade deste acto para me dirigir também ao País. Nos últimos dias tenho vindo a chamar a atenção para um problema nacional a que atribuo a maior importância.

Fazem parte da história as rivalidades entre o Norte e o Sul, entre o Litoral e o Interior. Foi a identidade própria das comunidades locais que construiu a imagem da sua diferença face ao Outro.

Vivia-se, então, em espaços fechados, onde o Interior era uma distância dificilmente alcançável e onde a velocidade, a prudência e a segurança aconselhavam o trânsito marítimo entre o Norte e o Sul. Desde o século xix, porém, a revolução dos transportes facilitou em toda a Europa a criação de Estados modernos e de mercados nacionais, baseados na facilidade dos sistemas de comunicações — transportes, ensino, informação — entre as partes do todo nacional.

Hoje, a velocidade encurtou todas as distâncias, criou novas condições de articulação entre centros urbanos e entre áreas metropolitanas.

A dimensão do espaço territorial continental e os desafios acrescidos de competitividade externa, aconselham a que se olhe para o todo nacional na sua complementaridade e se procure conferir a cada um dos agentes instrumentos de desenvolvimento das suas potencialidades.

Mas tenho plena consciência que ao longo dos anos se acumularam delicadas tensões políticas inter-regionais, fruto de uma tradição centralista, profundamente enraizado na história contemporânea portuguesa. Só que essa tradição é incompatível com o aprofundamento de um regime democrático.

É que este exige que a capacidade de representação dos Portugueses se exprima não apenas através das suas opções individuais para o governo do País, mas também através da possibilidade de cada um se pronunciar quanto ao desenvolvimento das áreas territoriais em que se insere.

É ou não verdade que a proximidade das populações é afinal um critério de eficácia — com acréscimo das possibilidades de participação das populações e consequentemente da co-responsabilização — que a prática da democracia tem mostrado ser pertinente?

Por razões diversas e complexas, a jovem democracia portuguesa não reunia condições para desenvolver, na sua plenitude, o edifício constitucional descentralizador, consagrado na Constituição de 1976, que desde então consagra a criação de regiões administrativas.

A manutenção de um Estado fortemente centralizador acumulou, ao longo de anos, delicadas tensões políticas, que correm o risco de ultrapassar os limites que podem pôr em causa a coesão nacional.

É por ter consciência disso que desde o início do meu mandato erigi o reforço da coesão nacional como uma prioridade política para a minha magistratura. Faço-o sem qualquer dramatismo, sem querer com isso construir ou convocar realidades virtuais. Pelo contrário, faço-o porque, em minha opinião, essa é indiscutivelmente uma realidade a que devemos prestar a maior atenção.

O poder político tem de ser capaz de criar os mecanismos institucionais e administrativos que permitam comportar esta realidade.

Não é possível esperar mais tempo, sob pena de se agravarem tensões políticas que começam a ultrapassar o limite da razoabilidade e são, objectivamente, factores de desagregação da unidade nacional, num país onde a geografia e a história não comportam tensões regionais naturais. É bom não as criar artificialmente.

Hoje, entre vós, como amanhã em relação a outra cidade posso dizer: sou um portuense. Não apenas porque aqui tenha família, próxima ou remota. Não porque aqui tenha nascido ou vivido. Não porque aqui tenha estudado ou casado. Sou um portuense porque sou português, porque todas as partes do território nacional são a nossa terra, a nossa pátria. Todas, são Portugal, na sua indivisível unidade.

A coesão nacional não está em causa em Portugal. O que está em causa é a construção do edifício da descentralização administrativa. Esta é que é a questão política a resolver. Quem se reconhece na sua vantagem deve centrar todos os seus esforços na construção de um acordo de regime sob o modelo inicial, e
na procura de uma legitimidade fundadora, que só pode vir do sufrágio, para que todos os portugueses nela se reconheçam.

A descentralização administrativa é um instrumento. Não mais do que isso. E enquanto instrumento de administração do Estado só pode ter um objectivo, servir os Portugueses e assegurar a unidade nacional. Defendo a unidade política de Portugal e não vislumbro a necessidade de acolher novas construções de autonomias políticas, para além das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira que decorrem da sua especificidade territorial.

É bom caminhar por fases que possam ser ponderadas, avaliadas e aperfeiçoadas. Só o gradualismo permite um avanço consolidado. Creio que só assim se garantirá a satisfação de uma necessidade evidente da administração do Estado.

A exacerbação de focos de tensão inter-regionais só parece favorecer a defesa da manutenção de instrumentos centralizadores.

Reconheço que uma discussão que devia ser serena, até porque no princípio descentralizador se reconhecem os maiores partidos nacionais, se encontra sobressaltada por desnecessária emotividade, exterior, aliás, importa sublinhá-lo, ao sistema político.

Importa restaurar a oportunidade e serenidade no debate. Ao Governo e à Assembleia da República, a quem cabe conduzir este processo, cumpre definir os calendários, construir os consensos necessários e definir as metodologias próprias.

Ao Presidente da República cumpre, pelo seu lado, apelar ao reconhecimento da vantagem em não prolongar eternamente este debate. A isso o aconselha a salvaguarda da unidade de Portugal.

Ocupando-se neste momento Governo e Parlamento de produção legislativa relativa ao tema, e projectando-se uma consulta aos Portugueses, entendo que devo reservar a minha opinião sobre os aspectos directamente implicados neste processo.

Tenho, porém, sobre as questões essenciais uma opinião que é conhecida de todos: entendo que a proximidade das populações é um critério de eficácia e um acréscimo de participação e
co-responsabilização, entendo que se devem procurar integrar as experiências existentes de organização territorial do ordenamento e do planeamento económico periférico, entendo que o princípio democrático deve sempre prevalecer, porque não é compatível com um Estado democrático a existência de uma administração periférica dotada de uma legitimidade puramente burocrática.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Importa não esquecer as prioridades fundamentais para o País e saber distinguir entre o essencial e o secundário na abordagem dos problemas nacionais.

A garantia de condições para que Portugal possa entrar no núcleo fundador da moeda única, a diminuição das desigualdades sociais e das assimetrias regionais, o crescimento do emprego e a melhoria dos níveis de educação e de formação dos Portugueses são prioridades indiscutíveis.

Creiam que tudo farei, nos próximos anos, para incentivar as autoridades e todos os portugueses a garantir as condições de combate a esses problemas.

Numa fase em que se abrem promissoras portas de afirmação de Portugal na cena internacional, seria lamentável que nos deixássemos encerrar na pequenez de polémicas acessórias, que hoje parecem ocupar de forma privilegiada a atenção da opinião pública, recusando-nos a encontrar a disponibilidade de espírito necessária para discutir, firmemente, mas com tolerância, um projecto nacional mobilizador das nossas capacidades e corajosamente virado para o combate contra as injustiças sociais que teimam em descriminar muitos homens e mulheres em Portugal.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Quero, a concluir, deixar a todos uma palavra de estímulo e de incentivo. Portugal necessita da continuidade do esforço empenhado de todos os agentes económicos, sociais, culturais e políticos desta Cidade.

O Porto tem justo orgulho nos seus pergaminhos, nas suas tradições. Ao longo de séculos deu abnegados exemplos de coragem e prestou inestimáveis serviços à causa da Liberdade. Por isso, por toda a sua longa história e tradições a República conferiu há muito a esta Cidade a elevada distinção da Torre Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.

Viva o Porto!

Viva Portugal!