Sessão de Abertura do Colóquio Internacional «Portugal e a Guerra Civil de Espanha (1936-1939) — O Balanço Histórico»

Teatro São Luís, Lisboa
10 de Maio de 1996


E´ com muito gosto e vivo interesse que participo na sessão de abertura deste Colóquio Internacional dedicado ao tema «Portugal e a Guerra Civil de Espanha (1936-1939) — O Balanço Histórico».
Quero começar por agradecer o amável convite que me dirigiram para estar aqui convosco e felicito o Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e a Biblioteca-Museu da República e Resistência por esta iniciativa que tanto interesse tem para a comunidade universitária e para os estudiosos em geral.

A colaboração entre o Instituto de História Contemporânea e o Museu da República revela-se muito fecunda e as iniciativas que têm organizado em conjunto são sempre caracterizadas por uma exigente qualidade científica, que não exclui nem é incompatível com uma atitude de pedagogia cívica do mais alto valor cultural e humanista.

A imparcialidade epistemológica e o rigor metodológico no tratamento historiográfico de um tema, de um acontecimento, de uma figura ou de uma época não pode confundir-se com uma neutralidade ética que evita os juízos e asseptiza tudo como se fosse passado morto, sem préstimo, exemplo ou referência para os dias de hoje. Temos de reagir a uma certa visão que, a coberto da distanciação, nega ou compreende e explica os piores crimes como se fossem naturais e inevitáveis. Temos de reagir contra afatalidade do mal. Essa visão é tão perigosa como aquela outra que manipula e reescreve a história com objectivos deliberados de propaganda política ou ideológica.

A história é feita pelos homens e a historiografia é escrita pelos homens. Não se pode, por isso mesmo, querer que os homens que, num dado momento e embora com rigor, escrevem a história sejam frios e alheios ao que aconteceu, como se não fossem humanos os sacrifícios, as tragédias, os crimes, as dores, os heroísmos.

Lucien Febvre diz: «A história recolhe sistematicamente, classificando e agrupando os factos passados, em função das suas necessidades actuais. É em função da vida que ela interroga a morte. Organizar o passado em função do presente: assim se poderia definir a função social da história.» E é também esta a opinião de historiadores como George Duby ou Paul Veyne.

A Guerra Civil de Espanha foi uma tragédia terrível que se desenrolou aqui ao lado com a participação de portugueses. Alguns deles, como já foi referido, tiveram um comportamento exemplar de idealismo e bravura.

A guerra civil determinou, em grande parte, o futuro da Península Ibérica, da Europa e do Mundo. Os Portugueses têm uma memória, directa ou indirecta, desses terríveis acontecimentos.

Sabem que o seu desfecho teve uma influência decisiva na manutenção da ditadura portuguesa por mais quatro décadas. O pacto ibérico selou a cumplicidade entre os regimes de Salazar e Franco, não obstante as suas relações não terem sido sempre lineares.

Com a instauração da democracia em Portugal e Espanha, é possível olhar-se para esse período com outro olhar, acesso a informações novas e liberdade de investigação.

A presença neste Colóquio de especialistas espanhóis, que quero saudar, é sinal de uma cooperação científica entre as Universidades dos nossos dois países que temos de saber dinamizar e intensificar, com largos benefícios para todos.

O Instituto de História Contemporânea tem sido um modelo de abertura da Universidade ao exterior, de exercício de espírito crítico e de inconformismo, traduzido em insatisfação face ao saber feito e em vontade de renovação e aperfeiçoamento.

Reitero também as minhas felicitações ao Museu da República pela sua notável acção cultural e cívica.

Desejo os maiores êxitos aos trabalhos deste Colóquio e aguardo com muita curiosidade as suas comunicações. Pelas personalidades que nele participam e pela forma como os temas são tratados, estou certo de que lançará uma nova luz sobre um período da história contemporânea cuja influência sobre o nosso tempo ainda tanto se faz sentir.