2.° Congresso Nacional dos Economistas Agrícolas

Évora
17 de Outubro de 1996


Antes de vos dirigir algumas palavras de conteúdo mais disciplinar começo por saudar os cientistas e técnicos que se debruçaram sobre os problemas humanos e sociais da agricultura portuguesa e que, ou pelas ideias que lançaram ou pelas escolas científica e técnica que formaram, vieram permitir reuniões de estudo como este 2.° Congresso que hoje se inicia. Com efeito, Portugal foi até à década de 50 (inclusive) um país essencialmente agrícola e foram muitos os que estudaram a realidade de então.
Mas não posso deixar de recordar com admiração figuras como Lima Basto, Henrique de Barros e Eugénio Castro Caldas e com outra formação académica Mário de Castro e Orlando Ribeiro — refiro só os consagrados pelo tempo e com marcada influência na civis portuguesa.

E vamos à matéria que hoje nos envolve. Portugal é, do ponto de vista da ecologia agrícola, relativamente desfavorecido, no actual espaço europeu a quinze. E pertence à Europa do Sul e Mediterrânica, a grande ausente na última Reforma da PAC.
A nossa estrutura produtiva foi historicamente modelada pelo minifúndio, pela agricultura a tempo parcial e pelo desemprego sazonal. Vários subsectores são pouco competitivos e em risco agravado pela situação periférica.

Tivemos por outro lado muitos anos de isolamento. Adiaram-se reformas estruturais que poderiam ter melhorado significativamente a situação que nos chegou e os nossos agricultores ficaram para trás na formação profissional. Mas Portugal tem de conseguir a qualificação dos seus agricultores porque disso depende, em boa medida, não só o desenvolvimento económico e social do sector mas mesmo a sua preservação.

A redução relativa das verbas de investimento para a agricultura, por parte do II Q. C. de Apoio, actualmente em vigor mas já anteriormente negociado com a UE, foi então meritoriamente posto em evidência em seminários organizados pela sociedade civil.

Alguns problemas globais que esperam há muito esclarecimento poderão necessitar particularmente do vosso esforço de reflexão.

Em primeiro lugar as grandes linhas de fragilidade das regiões predominantemente agrícolas do nosso país — e sigo doutrina que creio pacífica entre vós — parecem consistir no envelhecimento e/ou no despovoamento e/ou na falta de fixação de populações jovens; na ausência de investimentos significativos e portanto de crescimento e desenvolvimento económicos e no enfraquecimento da vida e animação locais, nomeadamente autárquicas.

Depois a desigualdade de oportunidades tem agravado adicionalmente a vida dos agricultores portugueses, que hoje são a parte desfavorecida da população activa, com um rendimento per capita que se estima em menos de metade do da indústria e, ainda menos, do dos serviços.

É sabido que a concorrência intercomunitária sacudiu profundamente os nossos preços. Não pode deixar de se observar que desde a integração plena na UE o valor real da produção agrícola desceu quase para metade. E como resultante a redução do rendimento dos nossos agricultores foi a mais elevada de toda a UE; hoje eles são nitidamente os mais pobres. Também as ajudas nacionais dos agricultores da Europa Central-Norte são em geral muito superiores às dos nossos.

Há contudo aspectos positivos na nossa evolução recente: aumentou o investimento, bem como as produtividades de mão-
-de-obra e dos consumos intermédios. Penso também que não devemos esquecer conceitos como Reserva Estratégica Alimentar. Não há país desenvolvido que relegue para o esquecimento a sua agricultura ou que esqueça a importância da produção interna de alimentos, pela eventualidade de conflitos armados ou da turbulência acentuada dos mercados. Se jamais tivemos períodos prolongados de auto-suficiência, o défice actual da balança alimentar assume proporções muito mais elevadas, e pode transformar-se numa ausência quase total de produção.

Temos consciência que a abertura das fronteiras da Europa a produtos de outras regiões mundiais é desde já, e talvez ainda mais a longo prazo, irreversível.

Mas esta transição gradual para a integração permanente na aldeia global pode ter efeitos perversos sobre as economias comunitárias dos Estados menos prósperos. Sabemos também como o processo de criação da União Económica e Monetária, com ênfase na moeda única, tem sido rigoroso quanto às medidasestruturais.

Portugal aderiu corajosamente a este processo, tendo em vista os seus interesses futuros, mas nem por isso deixa de ser uma questão actual saber como compatibilizá-lo com a melhoria real do nível de vida, tão baixo, dos trabalhadores do sector primário. Apesar de a UEM a longo prazo poder tornar mais competitivos, financeiramente, os agricultores portugueses.

Os grandes desafios que a agricultura portuguesa tem à sua frente nos próximos anos continuarão muito ligados à consolidação da integração europeia, embora a componente agrícola tenha aspectos específicos pois diz respeito à satisfação de uma necessidade básica da nossa população. Com efeito, a política agrícola comum, com as suas OCM e os regulamentos da PAC modela hoje mais de três quartos do Produto Agrícola Bruto Nacional.

Quando no final do século se procurarem de novo soluções para a situação agrícola na União Europeia o caminho será difícil. Uma solução de renacionalização para o nosso país teria enormes dificuldades e riscos, até pelo facto de a termos de realizar — orgulhosamente sós, pequenos e pobres e sem apoios de modelos já conhecidos. Mas a busca da especificidade, esta parece essencial para a continuidade da nossa agricultura.

Questões como o alargamento da UE com a entrada de agriculturas mais fortes da Europa Central, o estabelecimento, dentro da União, de processos de decisão que nem sempre serão compatíveis com os legítimos interesses dos Estados-Membros e em particular dos agricultores portugueses — são desafios que permitem prever algumas nuvens carregadas no horizonte português, isto é, desafios que podem não cuidar das especificidades que nos abrangem.

Também uma palavra sobre desertificação. Sem a recuperação articulada das produções agrícolas, florestais e pastoris e das produções artesanais não se pode garantir a sobrevivência e o desenvolvimento das numerosas comunidades que sofrem dos malefícios da desertificação. Esse, se é um tema planetário, é também tema da maior actualidade em Portugal. Cuidar das nossas comunidades locais, prometer-lhes e assegurar-lhes futuro é inquestionavelmente uma tarefa nacional.

Ainda uma reflexão para final: este Congresso realiza-se na região mais pobre do nosso país, da Península Ibérica e bem na cauda da Europa. É também a única que neste século foi palco de verdadeira revolução agrária e onde os conflitos de classe tiveram tradição secular, em ligação estreita com as realidades humanas e geográficas do Sul da vizinha Espanha.

É necessário estudar hoje mais do que nunca, para as regiões pobres do Interior do País de norte a sul, as alternativas agrícolas — em conjunto com as implantações industriais e as iniciativas de serviços.

Não é possível que a integração europeia se faça excluindo definitivamente do quadro da coesão económica e social regiões como esta (um terço do nosso país) e à qual outras se juntam, subindo pela fronteira, abrangendo mais de metade da área do nosso país.

Também é claro que as ajudas internacionais e nacionais não têm por que ser dadas predominantemente às actividades produtivas resultantes de investimento estrangeiro.

Aliás, outros aspectos a serem por Vossas Excelências certamente analisados serão as vertentes nacionais da futura reforma da PAC, bem como o futuro da ajuda co-financiada aos cereais, ambos previstos para acerto no final do século e esta última negociada a partir da especificidade portuguesa. Repito que, sem ajudas, o Alentejo, o actual ou o do Alqueva, serão desertos futuros. Ora programas de empenhamento e esforço nacional, como este último, não podem deixar de ter um quadro de realização que permita que sejam um êxito e deles se retirem as mais-valias económicas e sociais (empresas, emprego, amortizações e rendas, regime jurídico e contratual da terra, etc.) que o País e a região necessitam.

Estou certo de que destas reflexões de Vossas Excelências, os políticos, os empresários e os trabalhadores tirarão boas conclusões. O país e a sua agricultura delas bem necessitam.