Visita à Adega Cooperativa do Redondo (Jornada de inovação e competitividade)


03 de Fevereiro de 1997


Concluí o primeiro passo de uma jornada que julguei oportuno dedicar às actividades produtivas nacionais e ao papel das Universidades na sua modernização, e que subordinei ao tema Inovação e Competitividade.
Desejo, com as iniciativas previstas, chamar a atenção para a importância crucial que a modernização e a expansão das estruturas produtivas nacionais têm na definição do nosso futuro colectivo. Procurarei sublinhar o esforço que tem sito feito no sentido de adequar o tecido produtivo nacional às exigências da inovação tecnológica e organizacional e da competitividade económica.

Desejo igualmente realçar outra ideia-força: a de que esse processo de desenvolvimento económico tem muito a ganhar com uma ligação forte das empresas à investigação científica e tecnológica e, portanto, à actividade realizada em centros de pesquisa e universidades do País.

Ao longo desta semana visitarei empresas que representam, de alguma forma, um universo em que foi possível a criação de riqueza e que se mostrou competitivo, porque entrosado na inovação. E visitarei departamentos de investigação universitários que têm promovido o intercâmbio entre a pesquisa científica e as actividades económicas.

Compreender-se-á que o sinal tem de ser dado e que vale pelo exemplo. Sendo inúmeras as empresas e departamentos que felizmente exibem estas condições, apenas um pequeno número pôde ser incluído na Jornada.

Esta curta semana é-vos pois destinada, Senhoras e Senhores Empresários, Senhoras e Senhores Investigadores, mas sem que nesta atitude se possa ler esquecimento ou secundarização de outros pólos criadores da sociedade portuguesa. O objectivo
de garantir para o nosso país uma posição confortável, economicamente sustentada e socialmente coesa, num contexto de mudança global pautado por uma concorrência acrescida, não dispensa o concurso de uma pluralidade de vontades, de uma pluralidade de instituições, de uma pluralidade de interesses, como não me tenho cansado de referir.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

No quadro das assimetrias regionais portuguesas, o Alentejo coloca-se do lado das zonas pouco desenvolvidas. No contexto europeu esse atraso torna-se ainda mais visível. Esta circunstância confere à ocorrência de inovação empresarial um significado particular, representando certamente um esforço mais acentuado.

Sabemos que em situações de depressão e falta de dinamismo do tecido produtivo é mais difícil atingir aquilo a que os economistas chamam os limiares, a partir dos quais exista dimensão económica, que permita utilizar recursos e equipamentos e modernizá-los, o que impõe a disponibilidade de um mercado suficientemente amplo dentro ou fora das nossas fronteiras ou da União Europeia.

Estamos aqui a constatar que estas empresas existem no Alentejo. No distrito de Évora, como aliás nos outros distritos. Não tenho dúvidas que o Alentejo se pode desenvolver. Mas quero também afirmar que o País precisa que o Alentejo se desenvolva mais, porque disso depende a coesão nacional.

O Alentejo tem futuro, o Alentejo tem que ter futuro.

A possibilidade de atingir patamares elevados de desenvolvimento é um combate que implica igualmente a cidadania e as condições para o seu pleno exercício. O desenvolvimento do Alentejo é pois essencial para que também a vivência democrática das suas gentes possa ser mais e mais aperfeiçoada.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Dedico este dia às empresas que cresceram e inovaram utilizando recursos regionais. Começando pelos renováveis, aqueles que a Natureza permite que se multipliquem — com a intervenção do homem no caso dos produtos agrícolas — e que também servem de suporte ao sector agro-alimentar.

A evolução recente da agricultura portuguesa mostrou-nos que foi passageira a ilusão de criar emprego bem remunerado através dum sector agrícola fechado e de fraca incorporação tecnológica, e que cedo se chegou à conclusão de que a sobrevivência tinha que assentar na competitividade das empresas, na industrialização e na melhoria do funcionamento dos mercados. A integração de Portugal na política agrícola da União Europeia aí esteve para nos empurrar para este caminho de mudança.

Ora inovar nas empresas agrícolas ou agro-alimentares é introduzir nelas os frutos da investigação biológica ou físico-química ou da informática, como sejam cultivares melhores, fertilizantes adequados oumodernos métodos de gestão.

Mas é também indispensável estar atento aos chamados «produtos aceites pelo mercado», um lado essencial da inovação. Porque as matérias-primas viajam sem cessar nesta sociedade planetária, à disposição da capacidade empresarial que as transforme em mercadorias novas, mais baratas ou melhores.

Num mundo pautado pelos fenómenos da globalização, numa União Europeia que já aboliu fronteiras inter-Estados, a autarcia e a auto-suficiência económica deixaram de ser viáveis, o que significa que as marcas, os mercados e os sistemas de distribuição vão tomando lugar central na competitividade.

E ao falar das produções do sector primário não podemos deixar de referir as que me trazem a este lugar, as vitivinícolas. Modelaram a nossa geografia e a nossa cultura desde há milénios, e de norte a sul, pelas fortes implicações na estrutura dos sistemas agrários, e por constituírem o principal subsector do produto agrícola nacional.

É pois natural que neste périplo procurássemos a inovação e a competitividade empresarial da vinha e do vinho. Além de que temos muito boa história nesta matéria: do Vinho do Porto, desde o século xviii, aos vinhos correntes e de mesa que moldaram a fisionomia do mercado agrícola, desde o séculos xix, em muitas regiões do País.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Uma visita às empresas do nosso país não podia deixar de incluir empresas cooperativas. Não só pela natureza — aliás constitucionalmente consagrada — dos seus pactos sociais, ou porque a elas ficaram ligados alguns dos principais vultos da vida cívica deste século (basta recordar a figura de António Sérgio), mas também pelo seu papel na economia, pois figuram várias cooperativas entre as grandes empresas nacionais.

É paradigmático exactamente o caso do Alentejo e da uva para vinho. Durante várias décadas este sector foi dominado pelas adegas cooperativas, que ampliaram o trabalho vindo de outros parceiros empresariais, na esteira das antigas tradições dos «Tinto Velho», «Montes Claros» ou «Tapada de Chaves».

A Adega Cooperativa do Redondo, por exemplo, deu um contributo importante para a divulgação do vinho, criando uma marca — Porta da Ravessa — que se pode encontrar desde a mesa de um restaurante de qualquer parte do País, até aos confins da África.

Hoje outros empresários prosseguem a mesma via, criando e expandindo riqueza. A experiência positiva das adegas cooperativas e do sector vitivinícola desta região demonstram que o Alentejo se pode desenvolver, se tem de desenvolver.

A Universidade de Évora, em boa hora restaurada, acertou ao escolher a vitivinicultura como alvo de um dos seus projectos de investigação e desenvolvimento tecnológico, o PROVA. Os resultados estão à vista nos campos e nas adegas.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Uma palavra sobre o sector das rochas ornamentais que visitarei a seguir e que constitui uma vertentenão renovável dos recursos naturais: neste caso os mármores da mancha que se estende do Norte do Alandroal ao começo de Sousel com a principal incidência nos concelhos de Vila Viçosa, Borba e Estremoz.

Com uma exploração industrial que remonta à ocupação romana — as colunas do Pátio Nobre da Universidade de Évora vieram do antigo templo do Deus Endovélico — é sobretudo a partir do primeiro quartel deste século que novas tecnologias se introduzem, mais mercados se conquistam e os mármores então chamados de Estremoz percorrem todo o mundo desenvolvido.

De uma fase em que se exportavam essencialmente os blocos aparelhados, as empresas foram capazes de passar a vender sobretudo produtos acabados ou semiacabados.

O sector transformou-se numa importante fonte de divisas, deu origem a uma linha de produção nacional de parte significativa das suas máquinas e ferramentas, e tornou-se um grande empregador da região alentejana. Temos, aliás, de falar não só de mármores mas também de granitos, uma indústria que embora mais recente vai seguindo os mesmos passos.

Uma nota ainda para lembrar a tradição da escultura em pedra portuguesa, também ela tributária dessa matéria-prima que são nossas rochas ornamentais.

A exploração dos recursos naturais tem de fazer-se no quadro de um bom e são ordenamento do território que tenha em atenção o ambiente. A exploração dos recursos naturais não renováveis tem de articular-se com uma política que proteja os ecossistemas, preservando o seu equilíbrio.

Isto significa ter sempre presente, em primeiro lugar, que tais recursos são finitos, pelo que a diversidade da Natureza não pode ser sacrificada; em segundo lugar, que os resíduos sólidos da extracção não devem alterar negativamente a paisagem; finalmente que o uso das tecnologias deve ser acautelado de modo a não poluir o solo e a atmosfera.

Estamos hoje mais conscientes de que a preservação ambiental é uma condição incontornável do desenvolvimento sustentável, do desenvolvimento que não comprometa o bem-estar das gerações futuras.

Uma palavra final de natureza e alcance distintos.

Visitando esta Adega neste concelho do Redondo, não pude deixar de me recordar que piso a terra onde viveu a sua infância o Professor Bento de Jesus Caraça.

Não é a altura de enaltecer o que foram as qualidades deste notável homem de ciência, pedagogo exemplar, divulgador científico e grande figura cívica. Mas aproveito a ocasião para render homenagem à sua memória. E desde já manifesto inteira disponibilidade para apoiar um programa de celebrações da figura de Bento de Jesus Caraça que no próximo ano vê passar o cinquentenário da sua morte.

Ele foi sem dúvida, em vários domínios do saber e da comunicação, um grande inovador.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

A inovação é crucial para o nosso país. A manutenção de processos ou formas de organização caducos paga-se, neste mundo de concorrência acrescida, com o declínio, porventura irreversível. Por isso há que apelar a todas as iniciativas que criem um clima favorável à inovação e que criem condições concretas para que a competividade das empresas portuguesas se eleve. Comigo podem contar. Não só no apelo, mas também no apoio e no reconhecimento do papel relevante que lhes cabe no nosso desenvolvimento.