Sessão Comemorativa do 25.º Aniversário da Criação do Parque Nacional da Peneda-Gerês

Portela do Leonte
08 de Maio de 1996


O 25.º Aniversário do Parque Nacional da Peneda-Gerês, que hoje comemoramos, constitui o ensejo para fazer o balanço de cerca de 25 anos de actividade institucional de Conservação da Natureza e do Ambiente em Portugal e para reflectir sobre as linhas de força do seu desenvolvimento futuro.
A criação do Parque Nacional da Peneda-Gerês não foi um acto isolado. Constituiu, antes, o coroar dos esforços tenazes, muitas vezes mal compreendidos, de um grupo de cidadãos preocupados de há longa data com a problemática da Conservação da Natureza. Logo em 1939, o Eng.º Francisco Flores sistematizou, pela primeira vez em Portugal, as directrizes de uma política de Conservação da Natureza. Cerca de 10 anos depois, um pequeno conjunto de cidadãos e técnicos, em que avultam os nomes de Baeta Neves, Carlos Tavares, Carlos Teixeira, Pinto da Silva, Germano Sacarrão, Mário Myre e Miguel Neves, criaram a Liga para a Protecção da Natureza, inspirados pelos gritos de alarme do Poeta Sebastião da Gama a propósito das ameaças à integridade da serra da Arrábida. Esta organização encabeçou durante vários decénios, quase sozinha, a defesa dos princípios da Protecção da Natureza e do Ambiente e pugnou pela institucionalização de uma política de Conservação da Natureza.

A este núcleo inicial foram-se juntando outros cidadãos e cientistas que na sua actividade cívica e didáctica, desde cedo se esforçaram, não só pela divulgação do ideário da Conservação da Natureza como, particularmente, pelo desenvolvimento científico e tecnológico necessário à sua concretização. Especial destaque assumiram as escolas de Silvicultura e de Arquitectura Paisagista do Instituto Superior de Agronomia onde se salientam, entre outros, os nomes dos Profs. Azevedo Gomes e Caldeira Cabral, para só citar aqueles que infelizmente já nos deixaram. É igualmente de realçar o papel do Eng.º Silvicultor José Lagrifa Mendes no caso particular da criação do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Tendo assumido pessoalmente a tarefa dessa criação conseguiu, passados trinta anos sobre as primeiras propostas nesse sentido, concretizar esse objectivo primeiro de todos os que pugnaram pela preservação do nosso património natural.

Passados que são 25 anos sobre este primeiro passo, o panorama da Conservação da Natureza em Portugal é hoje completamente diferente. O País dispõe de um quadro legal que atribui às questões ambientais a relevância por elas exigida, existe uma rede de áreas protegidas que abrange já mais de 6% do território nacional e está definida uma rede de áreas classificadas que abrangem o património natural mais relevante.

Neste quadro parece-me ser este o momento de olhar o futuro prospectivando — quatro anos depois da Conferência do Rio — as novas tendências das políticas de Conservação, no sentido de articular a preservação da biodiversidade com o desenvolvimento económico e a investigação científica.

As áreas protegidas deveriam, neste contexto, assumir-se como áreas de excelência, onde as vertentes da Conservação e do Desenvolvimento se articulem de um modo privilegiado e onde a investigação científica constitua o suporte que permitirá a generalização dos modelos e soluções encontradas.

De facto, no momento em que a Conservação da Natureza se desenvolve no sentido da generalização do âmbito espacial e temático da sua intervenção, focado não apenas na preservação das áreas classificadas, mas também na valorização integrada, simultaneamente nas vertentes económica e ambiental, das áreas envolventes, a promoção simultânea do valor ecológico e económico de todo o território nacional aparece como um desafio prioritário para o século que se inicia.

Com efeito, conservar a Natureza é cada vez mais considerado como uma prática referida a todos os aspectos do uso do território, considerado no seu todo. O seu objectivo é o de criar um novo tipo de espaço onde a valorização económica essencial à promoção do bem-estar material e espiritual das populações vá a par com uma valorização ecológica que, pela preservação dos recursos naturais, assegure a perenidade desse bem-estar.

As Áreas Protegidas poderão, neste contexto, constituir sementes de novas modalidades de desenvolvimento sócio-económico que, articulando-se com recursos naturais e biológicos particularmente valiosos e sensíveis, frutifiquem e posteriormente se dispersem pela totalidade do território nacional.

Já hoje, e o caso do Parque Nacional da Peneda-Gerês é disso uma excelente ilustração, se buscam equilíbrios e consensos que assegurem a coexistência criativa entre, por um lado, actividades tão diversas como a produção de energia, o recreio e turismo, a agricultura tradicional ou de excelência e a exploração de recursos minerais e, por outro, a preservação de um quadro natural unanimemente reconhecido como património da humanidade. A natureza e a fragilidade desse quadro natural exigem que o diálogo fundamentado no conhecimento científico e técnico seja a regra incontornável desse processo de construção de equilíbrios e consensos. A criação de mecanismos eficazes de concertação e de envolvimento de todos os agentes e utilizadores interessados ou actuantes nesse espaço aparece, deste modo, como objectivo prioritário.

Consequentemente, e o Parque Nacional da Peneda-Gerês coloca neste domínio desafios particulares, a Conservação da Natureza tem, cada vez mais, de ser conduzida com as populações e por elas. De facto, só com o seu envolvimento e o das suas estruturas autárquicas, particularmente as Juntas de Freguesia, é possível congregar eficazmente as vontades, os esforços necessários para vencer este desafio de valorização nacional e global.

Nesta perspectiva de globalização do seu conteúdo e prática a Conservação da Natureza, como factor de desenvolvimento regional teria, igualmente, de promover iniciativas no sentido da institucionalização de uma estreita cooperação transfronteiriça, capaz de potencializar a afirmação e o desenvolvimento de áreas habitualmente periféricas e desertificadas.

O projecto de criação do Parque Internacional Luso-Galaico Gerês-Xurês assume, neste contexto, um carácter pioneiro que convirá relevar e apoiar, alargando essa iniciativa a outras áreas protegidas fronteiriças de que referiria a serra de Montesinho, as arribas do Douro e do Côa, a serra da Malcata, o Tejo Internacional, a serra de São Mamede, a Zona de Barrancos, o Baixo Guadiana e a sua Zona Estuarina.

Aquelas que foram antigas zonas de conflito passarão, neste contexto, a constituir zonas de ligação e de sinergias podendo vir a ser exemplos de modelos de gestão concertada e paritária das problemáticas comuns, generalizáveis a outros domínios e recursos.

Em suma, a comemoração de hoje, mais do que uma simples evocação, deverá corresponder ao fechar de um ciclo, o da Conservação em sentido estrito, e ao abrir de um novo ciclo, em que assumamos a nossa condição de Homens e o nosso lugar na Natureza, de modo a começar a desenhar um futuro onde, para além dos imperativos da Conservação e do Desenvolvimento, nos proponhamos realizar plenamente a nossa capacidade de Criação.