Jantar Oferecido aos Presidentes das Assembleias Municipais e Presidentes das Câmaras Municipais do Distrito de Faro (Visita ao Distrito de Faro)

Faro
13 de Junho de 1996


Tive já ocasião, ao longo desta minha deslocação, de me referir ao papel do poder local.
Quis, todavia, neste encontro com todos vós, dedicar um momento de convívio àqueles que representam os eleitos locais da população algarvia.

Esta é, também, uma forma de prestar uma homenagem à importância que o poder autárquico tem na construção de uma sociedade moderna.

Foi nos eleitos locais que as populações encontraram a proximidade do poder político e administrativo, necessária à resolução dos problemas do seu quotidiano.

Estes 20 anos não foram fáceis. O advento do regime democrático coincidiu com a necessidade de dar resposta urgente a carências herdadas da ditadura e às profundas transformações produzidas na sociedade portuguesa.

Cometeram-se naturalmente erros. Mas o balanço do trabalho dos eleitos locais, das Juntas de Freguesia, Assembleias Municipais e Câmaras é globalmente positivo e constitui um das experiências de que se orgulha a democracia portuguesa.

É importante, como tenho vindo a repetir, que qualquer que seja a evolução do edifício administrativo do Estado Português, se possam reforçar os poderes e competências das autarquias, garantindo-lhes muitos dos meios de intervenção que ainda hoje faltam.

Quero, aliás, partilhar convosco uma preocupação e deixar-vos uma reflexão sentida sobre a necessidade de estender o sentimento de solidariedade a novas áreas e a novos problemas que se colocam hoje à sociedade contemporânea.

Confesso-vos que tenho acompanhado com particular preocupação o desenvolvimento de múltiplas tensões sobre a gestão colectiva e nacional, e quero sublinhar a palavra nacional, do Sistema de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos.

As questões ambientais, associadas ao tratamento de resíduos sólidos, constituem hoje um novo desafio colocado à gestão autárquica. Desafio esse que tem de ser encarado com planificação, urgência e sentimento de solidariedade nacional.

Estes são problemas que dizem respeito aos portugueses no seu todo e devem como tal ser considerados. Creio mesmo ser impensável conceber uma situação em que cada comunidade procure esquivar-se à responsabilidade de uma partilha colectiva da solução deste problema.

O actual processo de criação do sistema nacional de recolha, tratamento e disposição controlada de resíduos sólidos urbanos constitui um imperativo nacional, face aos inúmeros e graves focos de poluição ambiental que as actuais lixeiras e vazadouros ocasionam.

A criação de aterros sanitários constitui um elemento essencial desse sistema, por estes serem a única forma de disposição segura dos resíduos que, pela sua natureza, não possam ser recuperados ou reciclados. Constituem, contudo, estruturas tecnologicamente complexas, com elevados custos de investimento e exigências de localização bastante apertadas, justificando a opção por estruturas intermunicipais adequadas à minimização dos custos. O carácter intermunicipal destas estruturas é uma realidade que tem de ser pedagogicamente explicada às populações e assumida com coragem pelos decisores políticos.

A situação actual dos sistemas municipais de resíduos sólidos que recorrem a lixeiras ou vazadouros, mais ou menos controlados mas sempre com elevado carácter poluente, justifica a recusa das populações relativamente à instalação de um equipamento que crêem idêntico ao que hoje conhecem, já não só do seu município, mas de todos os municípios envolvidos nos sistemas intermunicipais. Esta desconfiança é justificadamente agravada pelo facto de, desde há anos, ter vindo a ser habitual chamar «aterro sanitário» a estruturas que constituem meras lixeiras.

Igualmente justificativo dessa atitude, é a reduzida ou mesmo nula divulgação que têm tido os poucos aterros sanitários correctamente instalados e operados que existem em Portugal.

Ultrapassar esta situação conflitual de modo a, finalmente, começar a resolver em definitivo um dos mais graves problemas ambientais do País, terá de passar por um enorme esforço de esclarecimento das populações acerca da realidade e dos benefícios de um moderno aterro sanitário.

Esta é uma realidade que tem de ser colectivamente assumida e isso só é possível com um esforço desolidariedade entre todos os agentes do processo.

Quis partilhar convosco esta reflexão e esta minha preocupação. Vejo agravarem-se fenómenos de tensão intermunicipal que têm a sua origem na necessidade de dar, num curto período de tempo, uma resposta ambientalmente correcta a uma situação hoje preocupante. São fenómenos desta natureza que, à sua medida, podem contribuir para minar a coesão entre o todo nacional, no sentido em que debilitam a percepção da necessidade de partilhar as responsabilidade que todos temos com o destino colectivo do País.

Sei que esta é uma situação que hoje também vos preocupa.

É importante não deixar alastrar estes fenómenos. É necessário agir com coragem. Mas é necessário, também, ter a consciência que a complexidade tecnológica envolvida nestes processos e a novidade de introduzir, numa nova dimensão, a cooperação intermunicipal, exige, a nível nacional, uma campanha detalhada de explicação de tudo aquilo que está em jogo.

Deixo por isso aos Portugueses dois apelos necessários. O primeiro apelo, é de que considerem que estes problemas são problemas colectivos que têm por isso de ser encarados como seus, que devem ser partilhados e assumidos por todos. Não são problemas dos outros. São nossos como portugueses. O segundo apelo, é o de que se informem com rigor sobre aquilo que está em jogo.

Cabe aos poderes políticos fornecer aos cidadãos essa informação. Fornecê-la atempadamente, prevendo e evitando as tensões, tantas vezes fruto de uma carência de informação. Não se pode pedir a uma população que não está suficientemente informada que corresponda com confiança a um problema de novos contornos e que tem implicações imediatas na vida das comunidades.

Este é um problema nacional.

É como tal que tem de ser compreendido e resolvido.