Almoço Oferecido pela Câmara Municipal de Alcoutim (Visita ao Distrito de Faro)

Alcoutim
15 de Junho de 1996


E´ para mim uma honra e um privilégio ter recebido das mãos de V. Ex.ª, digno representante da população deste Concelho, a Medalha de Ouro de Alcoutim.
Sei bem a distinção que ela representa. Creia, Senhor Presidente, minhas Senhoras e meus Senhores, que guardarei destes momentos de convívio uma memória indelével.

É impossível ficar insensível ao cenário impressionante da subida do Guadiana, à beleza de Alcoutim e à forma afectuosa com que todos me receberam.

Mas creiam, também, que não deixei de ficar impressionado, uma vez mais, com a dimensão que o problema da desertificação do interior do País atingiu. Tal como voltei a ficar sensibilizado com os esforços que autoridades locais, associações e a Igreja fazem para lidar com este problema.

Poucas vezes os decisores políticos se referem a estes esforços.
E, todavia, sei bem que hoje há uma nova realidade social que procura mudar as coisas, evitar rupturas irreversíveis, que procura, enfim, salvaguardar uma parte de Portugal. Uma parte de Portugal que eu próprio também não quero ver destruída.

Sei que a muitos surpreende que eu aponte pouco o dedo ao passado para indicar culpados e distribuir censuras. É verdade, não o farei por regra. Procurarei que o meu mandato se caracterize por sublinhar o esforço que tantos portugueses, como vós, fazem para mudar as coisas e construir um futuro melhor para Portugal.

Não quero ser permanentemente o juiz do passado do século xx, embora o conheça bem. Quero contribuir para um Portugal moderno no século xxi. Quero incentivar o futuro apoiando o que de bom se faz no presente.

Os indicadores fazem de Alcoutim um exemplo do agravamento dos desequilíbrios territoriais do povoamento.

As iniciativas tendentes a fixar a população rural, com base na valorização dos recursos, impõem uma exigente colaboração de diversas entidades públicas e privadas, tanto na detecção e estudo dos problemas, como no patrocínio, implementação e acompanhamento das soluções.

A intervenção em comunidades como esta aconselham a que a gestão dos problemas se faça apelando à participação da população e com uma forte responsabilização das entidades e serviços públicos.

Por isso, é-me tão grato constatar que em Alcoutim a luta contra a desertificação humana envolve a Câmara Municipal e Juntas de Freguesia, a Misericórdia, a Igreja, a Associação de Desenvolvimento Local — Alcance —, a Escola Básica e o Centro de Saúde.

O desenvolvimento local das comunidades com elevado grau de desertificação assenta na viabilização de um mundo rural onde produções artesanais e produções agrícolas, florestais e pastoris se articulam para garantir a sobrevivência da economia rural.
É na complementaridade das actividades e dos rendimentos e no dinamismo social daí resultante que reside a chave para a luta contra a desertificação.

Cuidar das nossas comunidades locais, prometer-lhes e assegurar-lhes futuro é, por isso, uma tarefa nacional.

Está posto em causa o equilíbrio do modelo de desenvolvimento global do País. Não podemos continuar a olhar para a deserti

ficação dos campos e para o crescimento descontrolado das cidades como uma coisa natural contra a qual nada se pode nem deve fazer. Isso não é verdade. É possível desenvolver políticas

equilibradas de planeamento regional. É mesmo necessário e urgente dispor dessas políticas. O País não pode continuar a assistir insensível à destruição do mundo rural.

Está posto em causa o equilíbrio ecológico, porque sem mulheres e homens que cuidem dos solos e do coberto vegetal, o ambiente degrada-se inexoravelmente.

Está posta em causa a qualidade de vida, porque o sacrifício das actividades tradicionais e do mundo rural acabarão por se repercutir negativamente na qualidade de vida urbana.

Portugal não tem condições para assegurar um padrão de vida digno e seguro das populações do litoral, se não garantir condições igualmente dignas de permanência das populações do Interior.

As comunidades locais não podem ser vistas como espaços de estagnação. O saber tradicional integra a identidade dos povos. Se soubermos criar as condições adequadas, as populações rurais são tão capazes como quaisquer outras de fazer parte do processo de modernização de Portugal.

Recuso a perspectiva paternalista e imobilista das políticas proteccionistas das comunidades rurais, como se se tratassem de puras reservas de uma civilização em desaparecimento. Quero comunidades com um protagonismo forte, capazes de impulsionar organizações que dinamizem as condições do desenvolvimento.

Como Presidente da República quero exprimir a vontade política de apoiar as comunidades locais na valorização dos seus recursos. A sua vitalidade institucional e social são um bem precioso para a identidade e coesão de Portugal.A luta contra a desertificação do Interior é um dos mais importantes compromissos da solidariedade nacional.