Sessão Solene de Boas Vindas (Visita oficial a Macau)

Palácio da Praia Grande
18 de Fevereiro de 1997


Agradeço a V. Ex.ª as amáveis palavras que acaba de me dirigir e a exposição clara que fez, neste acto, sobre o enquadramento geral das questões que se colocam ao Território e sobre os princípios que norteiam a sua resolução.
Mas nesta minha primeira visita a Macau, seja-me permitido, antes de tudo, saudar daqui, da sede oficial do Governo, toda a população de Macau, de todas as origens e de todas as culturas, empresários e trabalhadores, magistrados e servidores do Território, professores e estudantes, homens da cultura e da religião, pois são todos eles que, entre a cidade velha e os novos aterros, constroem, pelas suas mãos e com porfiado esforço, o destino da sua terra.

É por ela, e pelo cuidado do seu futuro, que vim aqui, para lhes testemunhar que o Presidente da República, em empenhado cumprimento das suas obrigações e prerrogativas constitucionais, acompanhará, sem quebras e até ao último dia, o cumprimento por Portugal da sua função como entidade responsável pela Administração do Território, e será penhor de que a República Portuguesa observará, com rigoroso escrúpulo, a Declaração Conjunta em que solenemente se comprometeu.

Senhor Governador de Macau,

Quando V. Ex.ª foi designado para dirigir superiormente a Administração do Território faltavam pouco mais de oito anos para a transferência do exercício da soberania sobre Macau para a República Popular da China.

E para a plena viabilidade de realização do quadro institucional revelado pela Declaração Conjunta, fruto de laborioso acordo entre os Governos de Portugal e da China, estava ainda por executar um vasto conjunto de tarefas, cujo tempo limite era o próprio período de transição.

Exigia-se, assim, determinação, rigor, sentido de serviço e muita prudência, para conduzir este Território e as suas gentes na via da construção do que será a Região Administrativa Especial de Macau.

Demonstrou V. Ex.ª tais qualidades ao longo dos anos, dando resposta oportuna e eficiente às várias questões que se foram colocando à Administração de Macau.

E com elevado sentido ético-político, e de clara consciência da fonte da legitimidade do Governador do Território, teve V. Ex.ª o gesto de colocar o lugar que vinha exercendo à disposição do Presidente da República recém-empossado.

Os méritos evidenciados por V. Ex.ª na condução dos destinos do Território e a percepção de que tais méritos impunham que se privilegiasse a estabilidade e a continuidade, como elementos essenciais de um processo de transição tranquilo e eficiente, tornaram, porém, inequívoca a decisão que tomei de reconduzir V. Ex.ª como Governador de Macau, e de manifestar, então como agora, a integral confiança do Presidente da República em V. Ex.ª e no modo como saberá exercer a sua função ao serviço desta comunidade.

O serviço da comunidade é, efectivamente, a razão de ser e o sentido final de todo o poder político, que assume, aqui, particular importância e delicadeza, quando se torna necessário readequar instituições e procedimentos, hierarquizar e compatibilizar interesses, estar atento a todos os elementos que definem a identidade local e zelar pela sua manutenção, agora e no futuro, tudo num quadro de estabilidade social e política, que é condição de sucesso da transição.

O mandato de V. Ex.ª torna-se tanto mais complexo e de tão mais árdua realização quanto o governo de Macau não se esgota na promoção do desenvolvimento e da prosperidade económica, aliás patentes aos olhos de todos, na segurança de pessoas e de bens, ou na conformação de leis e de instituições às exigências do tempo.

Governar Macau é, sobretudo, velar e zelar pela manutenção da sua identidade sócio-cultural própria, em que apostaram Portugal e a China quando celebraram a Declaração Conjunta.

E fizeram tal aposta, porque ela constitui condição necessária para que Macau, em forma e enquadramento políticos diversos, possa desempenhar, no futuro, o papel singular para que a História continuadamente elegeu esta terra — a de espaço de encontro e relacionamento entre gentes e culturas.

É isso que diferenciará Macau de qualquer outra região administrativa especial da República Popular da China; como é só isso que justifica o desvelo e o empenho que Portugal e a China têm evidenciado na criação de condições para que este Território mantenha a sua identidade própria.

Só o que se distingue subsiste.

Retirar a Macau a sua identidade própria, seria repudiar a História, e degradar um meio poderoso de convívio e de entendimento entre culturas, povos e tradições, em mera estância turística, perdida algures no Sul da China, para entretenimento e lazer dos poderosos de aquém e além mar.

Não foi para isso que a Declaração Conjunta foi tão laboriosamente preparada; não é para isso que os Governos de Portugal e da China continuam tão intensamente comprometidos na resolução consensual dos temas da transição, num quadro de crescente amizade entre povos e de acelerada cooperação de instituições; não é para isso que as gentes de Macau lutam e trabalham, com a força e o estímulo que lhes dá a Administração superiormente dirigida por V. Ex.ª Senhor Governador de Macau,

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Temos razões para confiar no futuro de Macau.

Dotado de instituições ímpares nesta região do mundo, senhor de uma posição privilegiada nas suas relações com os mercados circundantes, destinado a ter um papel decisivo nos arranjos nacionais e estratégicos da Ásia Oriental, com condições de desenvolvimento e progresso das suas relações com a União Europeia e com os Estados Unidos, ligado a Portugal pela sua História e pela especificidade que o singulariza, Macau entrará no século xxi, não apenas com nova soberania, mas com um estatuto regional e internacional que a Declaração Conjunta lhe reconhece e que lhe trará, por certo, nova prosperidade e renovada estabilidade política e social.

É que o ciclo que se vai fechar em breve, não significa o fim das relações existentes entre o Oriente e o Ocidente, nem pode ser um momento de indirecta confrontação entre potências.

Passadas as perplexidades e os ajustamentos que a inflexão histórica necessariamente traz consigo, perdurará o sentido da mútua compreensão e das mútuas vantagens, que é o terreno fértil para o crescimento da amizade e de cooperação entre os povos.

Também será assim com Macau.

É esta mensagem de confiança que trago ao Território e é também ela que partilharei com as autoridades da República Popular da China, na visita de Estado que na próxima semana se iniciará, e que dá testemunho das excelentes relações de amizade entre os dois povos, do mútuo empenho de ultimarem com sucesso o período de transição e da vontade de transformarem tal sucesso num momento catalisador da cooperação, agora e no futuro, entre Portugal e a China.

Nessa cooperação, Macau terá de ter sempre uma posição de privilégio, que a História exige e os povos cumprem.