Banquete Oferecido em honra do Presidente da Guiné-Bissau (Visita de Estado a Portugal)

Palácio Nacional de Queluz
01 de Julho de 1996


EŽ com o maior prazer que, em nome do Povo Português e em meu nome pessoal, exprimo a Vossa Excelência, a Sua Excelentíssima Esposa e à Comitiva que o acompanha, as mais calorosas saudações de boas vindas.
A visita de Vossa Excelência — a primeira que se realiza a nível de Visita de Estado no meu mandato — assume para nós o mais alto significado: o de enfatizar o carácter indelével das relações fraternas entre Portugal e a Guiné-Bissau e o de testemunhar o nosso recíproco desejo de se reforçarem os laços de solidariedade entre os nossos dois Povos e Países. Laços que assentam numa convivência multissecular que importa desenvolver na base do respeito mútuo e na enriquecedora partilha de um legado cultural que nos é comum.

Neste mundo crescentemente complexo e em acelerado processo de globalização, caracterizado pela emergência de agrupamentos regionais diversificados, acreditamos que os valores imateriais mas perenes da cultura constituem uma referência indispensável de identidade.

Nesse sentido, a afirmação e promoção da nossa língua constitui uma tarefa de todos nós, tanto mais que ela não é propriedade de ninguém em particular, mas sim o património comum de 7 países e de mais de 200 milhões de seres humanos.

O Acto Constitutivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a ter lugar em Lisboa dentro de escassas duas semanas, irá tão-somente institucionalizar no plano jurídico uma realidade que efectivamente já existe no espírito e no coração dos nossos Povos. Uma realidade que se manifesta em multifacetados domínios das nossas sociedades e que irá também seguramente beneficiar a afirmação dos nossos Estados na cena política internacional, designadamente nos diversos contextos regionais em que se inserem.

No âmbito da União Europeia, Portugal pugna pela necessidade de se reforçar o diálogo euro-africano, por forma a torná-lo mais eficaz e abrangente. Nesta conformidade, Portugal tomou recentemente a iniciativa de propor a realização de uma Cimeira Europa-África com o objectivo de contribuir para a definição de novas regras de parceria emergentes da necessidade de reapreciação e reformulação de concepções e procedimentos que já fizeram o seu tempo.

Apraz-me registar os crescentes apoios que esta inciativa portuguesa está a suscitar, apoios esses que reflectem a percepção de que não há problemas estanques no mundo actual e que as crises que abalam algumas regiões africanas se repercutem em todo a África e inevitavelmente também na própria Europa.

Resulta com efeito cada vez mais perceptível para Portugal que o diálogo político e a cooperação para o desenvolvimento constituem elementos indispensáveis para o reforço da paz e da estabilidade, para além de igualmente representarem um imperativo de solidariedade.

Para ser profícua, porém, essa solidariedade não se deverá manifestar indiscriminadamente; deverá, pelo contrário, reger-se pelo princípio ético de conceder a prioridade aos países que fazem acompanhar o seu esforço de desenvolvimento económico com políticas de consolidação do Estado de Direito, de justiça social e de promoção dos níveis educativo e cultural das suas populações.

Senhor Presidente

Sob a sua liderança, a Guiné-Bissau soube responder com sucesso ao estímulo e desafio da transição democrática para um sistema pluripartidário, transição essa que, após as eleições presidenciais e legislativas de 1994, tem presentemente como próximo passo a realização de eleições autárquicas. Felicito-o pela sua determinação, tanto mais que os valores da Liberdade e da Democracia, vividos no fortalecimento do diálogo, do pluralismo e da tolerância, são verdadeiramente essenciais para a estabilidade e para o progresso.

Mais do que nunca, é intenção de Portugal desenvolver as suas relações de cooperação bilateral com a Guiné-Bissau. Neste contexto, apraz-me registar que a cooperação bilateral luso-guineense se tem vindo a reforçar nos mais diversos domínios.

No que diz respeito à cooperação cultural, e sem secundarizar outras actuações relevantes, tais como o Centro Cultural Português, a Escola Portuguesa, a Escola Primária da UCCLA e o apoio à Faculdade de Direito de Bissau, permito-me destacar a viabilização da recepção das emissões da RTPI e da RDPI, assim como a melhoria técnica da televisão e radiodifusão guineense.

No âmbito da cooperação técnico-militar, para além da implementação de projectos de capacitação abrangendo os três Ramos das Forças Armadas Guineenses, consideramos particularmente promissor o intercâmbio de experiências no domínio da prevenção de conflitos em África, decorrentes da nossa participação em operações de manutenção da paz das Nações Unidas, designadamente em Moçambique e em Angola.

Por último, no domínio da cooperação empresarial, a grande aposta está no desenvolvimento de um novo espírito de parceria que, num quadro de fiabilidade, permita o incentivo consequente da actividade empresarial privada na Guiné-Bissau.

Temos consciência de que há ainda muito por fazer, mas acreditamos que o caminho trilhado é o correcto. É o caminho das realizações concretas e sustentáveis, e por isso credíveis, e que, no exercício do escrupuloso respeito pelas respectivas soberanias, se destina não a criar dependências, mas sim a reforçar capacidades.

É também o caminho que irá permitir que a cooperação luso-
-guineense se manifeste crescentemente dinâmica, multifacética e descentralizada, através do envolvimento de um cada vez
maior número de instituições oficiais e privadas, autarquias, universidades e organizações não governamentais.

Acreditamos que é no elemento humano e na sua valorização que reside a chave do frutuoso desenvolvimento da cooperação bilateral luso-guineense; como também é nele que assenta a solidez e a riqueza dos nossos laços de afectividade recíproca que comungamos com os restantes países da família da lusofonia.

Assume por conseguinte um particular significado a legislação promulgada no passado mês de Maio que veio permitir a regularização extraordinária dos cidadãos originários dos Países de Língua Portuguesa que residem em Portugal sem a necessária autorização legal. Neste contexto, atribuímos a maior importância ao processo de legalização dos emigrantes guineenses aqui radicados a quem dirijo uma palavra de afecto e de solidariedade — já que sinceramente desejamos que possam usufruir dos mais vastos direitos e oportunidades, por forma a partilharem connosco os mesmos desafios do progresso e da modernidade.

Senhor Presidente,

Enche-nos de profunda satisfação o facto de a Guiné-Bissau integrar presentemente o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Este facto — à semelhança do que recentemente ocorreu com Cabo Verde — é também uma forma de afirmação da nossa língua e da nossa maneira de estar no Mundo. Quero igualmente aproveitar esta oportunidade para agradecer, na pessoa
de Vossa Excelência, o apoio da Guiné-Bissau à candidatura de Portugal ao Conselho de Segurança para o biénio de 1997/98.

A nossa comunhão dos mesmos ideais e valores da Liberdade, da Democracia e do respeito pelos Direitos Humanos reflecte--se também no nosso comum empenho de encontrar para o drama de Timor-Leste uma solução internacionalmente aceitável, consagradora do direito à autodeterminação e que tenha em devida conta os legítimos direitos do seu Povo à identidade cultural e religiosa. Portugal continuará a não abdicar das suas responsabilidades como potência administrante daquele território até à conclusão do processo de descolonização internacionalmente supervisionado, e, neste contexto, agradecemos o firme apoio que a Guiné-Bissau tem prestado à causa de Timor--Leste.

Senhor Presidente,

O excelente clima de entendimento que norteia o relacionamento entre Portugal e a Guiné-Bissau sairá seguramente ainda mais reforçado pela presente visita de Estado que Vossa Excelência efectua ao nosso país.

Ao desejar os maiores sucessos a Vossa Excelência no desempenho das suas altas funções, saúdo simultaneamente o Homem que soube ter os simbólicos gestos carregados do significado de um virar de página e de um aprofundamento das perspectivas do futuro.

Peço a todos que me acompanhem num brinde pelas felicidades pessoais de Vossa Excelência e de Sua Excelentíssima Esposa, pela prosperidade do povo guineense, pela amizade fraterna entre os nossos dois Povos e pela solidária cooperação entre os nossos dois Países.