Sessão de Encerramento da XIV Conferência Internacional de Lisboa

Fundação Calouste Gulbenkian
27 de Novembro de 1996


Quero agradecer ao Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais, na pessoa do seu Presidente, Embaixador Calvet de Magalhães, o amável convite que me dirigiu para encerrar a XIV Conferência Internacional de Lisboa.
Gostaria também de cumprimentar os organizadores pela escolha de um tema de grande oportunidade e da maior importância para Portugal. Estou certo de que os trabalhos desta Conferência repetiram o elevado nível das anteriores, em que tive o prazer de participar.

Pela minha parte, considero essencial o debate informado sobre as grandes questões de política internacional, indispensável para preparar as escolhas que irão determinar, em larga medida, o nosso futuro comum.

Essas escolhas tornaram-se mais claras, durante os últimos meses, quer a partir dos acordos de Dayton e Paris e da constituição da IFOR, quer nas conversações sobre a consolidação e o alargamento das duas principais instituições em que assenta a organização da Europa e da comunidade transatlântica.

Os acordos para a pacificação e a reconciliação entre as comunidades na Bósnia-Herzegovina, tal como a constituição de uma força de implementação dirigida pela NATO, na qual Portugal participa com um contingente militar significativo, representam, por si mesmos, não só uma intervenção decisiva para terminar uma guerra trágica e para restaurar a estabilidade na região, como marcaram uma viragem na evolução do pós-guerra fria.

Desde logo, os acordos de paz resultaram de uma iniciativa concertada entre a União Europeia e os Estados Unidos que assinala uma idêntica perspectiva sobre os objectivos da segurança europeia, ao mesmo tempo que demonstraram a coesão da comunidade de defesa euro-atlântica e a sua capacidade de resposta aos novos problemas da segurança regional.

Nesse contexto, a lição da Bósnia revela a força dos vínculos criados durante a guerra fria entre os aliados dos dois lados do Atlântico. Os Estados Unidos continuam a ser indispensáveis para a segurança europeia, assim como a segurança europeia continua a ser parte integrante da segurança dos Estados Unidos.

A história das guerras europeias deste século consolidou uma aliança duradoura, firmada numa comunidade de interesses estratégicos. A geografia, que dividia as duas margens do Atlântico, acabou por as unir: as fronteiras deixaram de separar as democracias ocidentais e tornaram-se o traço de união de um espaço civil comum, onde o primado do direito e o respeito pelos mesmos valores se tornaram a regra nas relações entre os nossos Estados.

A União Europeia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte são os dois pilares institucionais dessa comunidade internacional entre a América do Norte e a Europa.

As grandes questões do momento referem-se, naturalmente, ao futuro dessa comunidade. Existem, é certo, de ambas as partes, vozes que reclamam a separação, numa linha em que a emergência das entidades regionais aparece associada a estratégias isolacionistas, que reclamam uma relação adversarial entre os Estados Unidos e a Europa.

Essas tendências isolacionistas, que se acentuaram desde o fim da guerra fria, revelam uma memória demasiado curta e uma visão excessivamente opaca. Recusam-se a ter em conta as consequências estratégicas, políticas e económicas de uma ruptura da Organização do Tratado do Atlântico Norte e da comunidade transatlântica, tal como se recusam a apresentar, com clareza, as suas alternativas.

Por certo, o primeiro objectivo da Europa é realizar a sua união, tal como a prioridade dos Estados Unidos deve ser a defesa dos seus interesses próprios. Mas, para consolidar e completar a União Europeia, os Europeus precisam de um regime de segurança estável, no quadro da aliança com os Estados Unidos na Organização do Tratado do Atlântico Norte. Pela minha parte, creio também que a segurança europeia continua a ser um interesse prioritário dos Estados Unidos, e interpreto nesse sentido o seu empenho crucial na resolução da crise da ex-Jugoslávia.

A consolidação da comunidade transatlântica exige, porém, uma atenção constante, e um esforço permanente de concertação entre a Europa e os Estados Unidos para a organização dos equilíbrios europeus do pós-guerra fria.

Esse processo será, naturalmente, longo e difícil. Importará, por isso, dar os passos certos, no momento certo, sem precipitações, não ficando paralisado por debates teológicos sobre modelos de arquitectura para construções imaginárias.

A nossa prioridade comum deve ser a consolidação paralela da União Europeia e da Organização do Tratado do Atlântico Norte, designadamente pela articulação dos respectivos alargamentos, bem como das medidas indispensáveis para inserir, de uma forma participada, a Rússia e a Ucrânia num novo quadro de equilíbrios que assegure uma fórmula duradoura de segurança regional.

Essa consolidação pressupõe, por um lado, a formação de um pilar europeu de defesa e de uma identidade Europeia de Segu rança e Defesa no quadro da Aliança Atlântica e, por outro, uma adequada europeização da Organização do Tratado do Atlântico Norte.

Com o fim da guerra fria, a Europa tem as condições necessárias para recuperar uma larga autonomia estratégica, e deve poder dotar-se dos meios, a todos os níveis da defesa não nuclear, para traduzir essa capacidade em termos operacionais. O desenvolvimento da União da Europa Ocidental, em articulação com a Organização do Tratado do Atlântico Norte, é importante nesse sentido.

Em paralelo, deve sublinhar-se a tendência para uma crescente «europeização» da Organização do Tratado do Atlântico Norte, quer na definição das suas prioridades estratégicas, quer pela mutação dos problemas de segurança regional, quer ainda pelos ajustamentos internos na composição, no funcionamento e nas estruturas da Organização do Tratado do Atlântico Norte. Essa evolução resulta da recuperação da autonomia da Europa, e do crescente empenho das potências europeias no reforço da Aliança Atlântica, e será acentuada pela extensão das fronteiras europeias da comunidade de defesa colectiva transatlântica.

O objectivo comum dos alargamentos da União Europeia e da Organização do Tratado do Atlântico Norte é garantir a integração da Europa Central e Oriental, necessária para consolidar a democracia pluralista, o Estado de direito e a economia de mercado na «outra Europa». Simultaneamente, a extensão das fronteiras das duas instituições é indispensável para assegurar a continuidade dos processos de integração regional, contra as tendências de fragmentação, que se tomaram mais fortes no pós--guerra fria, e podem, a prazo, pôr em causa o próprio futuro, quer da União Europeia, quer da Organização do Tratado do Atlântico Norte.

Se o objectivo é claro, parece menos evidente qual a melhor forma de o realizar, bem como definir uma ordem de precedência entre as duas instituições multilaterais.

A contraposição da prosperidade e da paz é, de certa maneira, enganadora: a segurança constitui uma condição necessária para serem tomadas as medidas difíceis de reforma do Estado e da economia e, sobretudo, a integração, por si mesma, é crucial para impedir tanto a multiplicação dos fenómenos de fragmentação e de renacionalização, como a frustração das expectativas europeias das novas democracias.

Nesse contexto, o mais importante é impedir que os dois alargamentos se paralisem reciprocamente: devem, pelo contrário, reforçar-se e complementar-se, num quadro de articulação entre a União Europeia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte.

A mesma cooperação deve ser extensiva às modalidades de associação da Rússia e da Ucrânia à segurança europeia, através de ambas as instituições, que trave uma deriva isolacionista, prejudicial tanto para a sua própria evolução, como para a estabilidade política da Europa. Nesse domínio, é preciso encontrar novas fórmulas de associação para estruturar os quadros de cooperação estratégica, política e económica capazes de corresponder aos interesses legítimos dessas duas grandes potências.

O empenho determinado dos Estados Unidos e da Europa na realização desse desígnio comum é essencial para revitalizar a comunidade transatlântica, e constitui uma prioridade para todos os que estão decididos a não deixar passar a oportunidade, talvez única, de completar no pós-guerra fria o que europeus e norte-americanos iniciaram a seguir à última guerra mundial: a unidade da Europa, aliada aos Estados Unidos numa parceria transatlântica.

Nesse sentido, os Estados Unidos continuarão a ser uma potência europeia e a Europa cada vez mais uma potência atlântica.

Para Portugal, fronteira ocidental da Europa no centro da comunidade transatlântica, essa evolução marca, sobretudo, o princípio da formação de uma verdadeira sociedade internacional, assente na paz, na democracia e no direito.