Visita à Universidade do Minho

Braga, Universidade do Minho
02 de Maio de 2000


Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Quero felicitar os responsáveis por esta instituição pelo excelente trabalho que vêm realizando e pelo importante esforço desenvolvido em prol da educação e da investigação científica.

Permitam-me que aproveite a circunstância de me encontrar numa instituição cujo papel pioneiro na promoção da formação de professores e da investigação em educação é por todos reconhecido, para dedicar a primeira parte da minha intervenção ao desenvolvimento educativo do país.

Ao longo do meu mandato tenho assumido a educação como o sector mais determinante para o futuro dos portugueses. A consciência dos prejuízos para a democracia, a economia e a cultura resultantes dos atrasos que o sector da educação apresentou durante décadas, tem-me levado a defender persistentemente a necessidade de concentrar esforços para prosseguir no caminho da democratização do acesso e para investir na qualidade.

Considero meu dever sublinhar o extraordinário desenvolvimento deste sector verificado nas últimas décadas. Apesar do muito que há para realizar não devemos esquecer o caminho percorrido em todos os níveis da educação formal, que deve ser motivo de orgulho para todos.

Destacarei três mudanças que considero muito positivas e portadoras de esperança:

A primeira mudança diz respeito à capacidade de acolhimento de todos os níveis de ensino, desde o pré-escolar, aos ensinos básico, secundário e superior. Esta evolução é particularmente sensível na educação pré-escolar e no 3º ciclo do ensino básico, tendo-se registado aí um aumento das taxas de escolarização na ordem dos 27% na última década. Também no ensino superior o aumento da frequência verificado não encontra paralelo em qualquer outro país da OCDE. Esta foi porventura a maior transformação da nossa sociedade nos últimos anos, graças à qual os portugueses têm hoje maior capacidade de exercício da cidadania e de participação no desenvolvimento.

É grato verificar, em segundo lugar, o modo como as famílias portuguesas valorizam e apostam cada vez mais na educação dos seus filhos. Com efeito, para um crescente número de famílias a educação é considerada um importante investimento e um bem a que aspiram.

A terceira mudança respeita o modo como as empresas e a sociedade em geral consideram o investimento na educação e na formação, como um elemento essencial ao desenvolvimento. Se há ainda poucos anos os orçamentos para a educação eram considerados como uma despesa de que muitos se queixavam, hoje o discurso que ouço com maior frequência é o da necessidade de investir neste sector como forma de resolver a maioria dos problemas da sociedade que vão desde o ambiente, à saúde, à economia, à exclusão e ao racismo, ao desemprego e ao desenvolvimento cultural. São expectativas por vezes demasiado elevadas, mas que denotam o lugar que os portugueses atribuem à educação no desenvolvimento do país.

Sei que há ainda muito por fazer quer para aumentar os níveis de escolarização quer para melhorar a qualidade da educação e da formação. É com pesar que constato que esta expansão do acesso à educação deixou ainda de fora grande parte dos cidadãos excluídos da escola durante o Estado Novo. Sei também que o sistema permitiu durante anos que muitas crianças e jovens abandonassem precocemente a escola, o que justifica hoje as baixas qualificações dos activos portugueses.

Penso contudo que, apesar destes problemas, nos devemos regozijar por esta autêntica revolução a que pudemos assistir na última década, e que terá seguramente profundas consequências ao nível do desenvolvimento educativo, socio-económico e cultural do nosso país. Ninguém poderá negar que os portugueses são hoje mais capazes de enfrentar o seu futuro como profissionais e como cidadãos.
Trata-se de um esforço que importa prosseguir de forma persistente criando novas oportunidades, designadamente para as populações adultas, e assumindo uma perspectiva de educação ao longo da vida. A democracia deve saldar a sua dívida para com aqueles que foram privados do acesso à educação.

É agora necessário investir com firmeza na reorganização das escolas de forma a que se transformem em instituições humanizadas, responsáveis pelos percursos escolares dos alunos e pela eficácia nas aprendizagens. As escolas deverão constituir-se como centros de aprendizagem ao longo da vida e de educação para a cidadania.

O conhecimento da evolução da educação, bem como a identificação de caminhos para uma maior igualdade de oportunidades e melhoria da qualidade, são tarefas enormes em que nunca será demais o contributo dos investigadores, dos professores e dos estudos. Quero salientar, uma vez mais, o papel destacado desta Universidade neste domínio.


Minhas Senhoras e Meus Senhores,

A segunda parte da minha intervenção é consagrada ao ensino superior ao qual tenho vindo a dedicar, ao longo deste semestre, um conjunto de iniciativas. Tenho a consciência de que se trata de um sector onde os desafios à inovação são grandes. Só o conhecimento desses desafios e o debate em torno das mudanças necessárias permitirão encontrar consensos e produzir respostas adequadas.

Entendi ser este o momento próprio para ouvir os principais responsáveis pelas instituições públicas e privadas e os seus alunos e para visitar universidades e institutos politécnicos. Esta experiência permitiu-me conhecer melhor iniciativas positivas em curso e também problemas.

Tenho sentido uma grande preocupação com o futuro. Há hoje a consciência de que não podemos continuar com o modo de crescimento seguido até agora e que é necessário conciliar crescimento e qualidade, consolidar o sistema de avaliação, articular redes e sub-sistemas de ensino superior, instituir processos de cooperação interinstitucional, e incentivar a mobilidade de professores e alunos.

Em tempos de mudança – sobretudo em tempos de mudança – temos de manter o rumo dos nossos ideais, não esquecendo nunca as missões de referência do ensino superior. Permitam-me que retome neste capítulo três preocupações que tenho manifestado nas visitas às instituições:

– A primeira, com os elevados níveis de insucesso escolar, o que nos obriga a pensar de novo as questões da pedagogia universitária e a encontrar as formas mais adequadas para promover, com exigência e rigor, a formação. É necessário, a meu ver, instituir práticas de orientação dos alunos e maior recurso a novas tecnologias, bem como responder com flexibilidade à evolução dos públicos que pretendam frequentar o ensino superior.

– A segunda preocupação, com a proliferação de cursos e diplomas, criados por vezes para dar resposta a necessidades pontuais, mas que acabam desvalorizados no plano universitário e no plano social.

– A terceira preocupação prende-se com a dificuldade de adaptação das instituições à mobilidade de professores e alunos no contexto nacional e internacional e de reconhecimento de formações e de diplomas.

Não há respostas fáceis. Para cada pessoa a oportunidade universitária é única e insubstituível. Por isso, não podemos falhar. Cada aluno tem o direito de sair da Universidade com uma boa formação científica e cultural, com as condições que lhe permitam concretizar os seus projectos de carreira profissional.


Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Proponho-me ainda partilhar convosco três reflexões resultantes do meu percurso pelo ensino superior.

Uma primeira reflexão diz respeito à sua autonomia e democratização do ensino. Pertenço a uma geração que se formou na luta pela autonomia e pela democratização da Universidade. Pertenço a uma geração que se orgulha da forma como a Universidade cresceu e abriu as suas portas a um número cada vez maior de portugueses. Hoje, o tempo é de reflexão e de balanço. Confiantes no muito que já foi conseguido, temos de trabalhar, com determinação, para realizar o muito que ainda nos falta.

A ideia de autonomia é inseparável da ideia de Universidade. Uma e outra constituem um todo que consagra os princípios de liberdade científica e de independência académica. Por isso, não podemos permitir que a autonomia seja desvirtuada, posta ao serviço de interesses particulares, legitimando inércias corporativas ou burocráticas.

Não esqueço a advertência formulada, há trinta anos, por Miller Guerra e Sedas Nunes: “Só a instituições inovadoras a autonomia servirá como instrumento de inovação. Em instituições de tendência conservadora, representaria, essencialmente, um instrumento de conservação”. Ninguém ignora que o impulso da mudança vem, frequentemente, de fora da Universidade. Assim sendo, é fundamental que a autonomia não se traduza num “isolamento” e que permita “abrir as instituições de maneira que o influxo inovador aí penetre a tempo”.

Em Portugal, urge repensar o conceito e as práticas da autonomia universitária, no sentido do seu aperfeiçoamento e aprofundamento. É preciso assegurar a especificidade e a diferença das instituições, permitindo-lhes que adoptem formas próprias de governo e de gestão, que definam projectos científicos e pedagógicos distintos, que afirmem as suas posições sobre o acesso dos alunos. É nestas questões que se define a autonomia, uma autonomia construída na participação e na abertura ao exterior, e não na rigidez das estruturas ou no seu fechamento corporativo.

Mas a autonomia não deve pôr em causa objectivos nacionais. Com efeito, as universidades e os institutos politécnicos inscrevem-se numa rede de instituições que, para além dos seus projectos científicos e pedagógicos próprios, têm de produzir respostas adequadas às necessidades do desenvolvimento e aos desafios da sociedade. Há que encontrar um equilíbrio entre autonomia e metas definidas a nível nacional, baseado em regras claras e contratualizadas.


Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Todos nos orgulhamos do processo de democratização do ensino superior nas últimas décadas. O contributo das Universidades Novas e dos Institutos Politécnicos foi decisivo. Mas também aqui temos de estar conscientes do caminho que ainda falta percorrer. Não basta termos 350.000 alunos. É preciso que estes alunos tenham uma formação de qualidade e não vejam goradas as suas expectativas.

Hoje, o debate universitário faz-se na procura de equilíbrios vários. Entre o reforço da autonomia e a urgência de uma maior abertura ao exterior. Entre a resolução dos problemas de insucesso escolar e a necessidade de assegurar uma sólida formação universitária. Entre a resposta às exigências do desenvolvimento local ou económico e o cuidado para não defraudar as expectativas dos alunos atribuindo-lhes diplomas com menor valor ou prestígio.

A definição dinâmica destes equilíbrios só será possível se formos capazes de apoiar os elementos mais favoráveis à inovação e à mudança, quebrando rotinas burocráticas e anacrónicas, abrindo novas perspectivas de carreira científica e universitária, promovendo o mérito e a qualidade do ensino e da investigação.

É preciso estimular uma reflexão intelectual colectiva, e a “consciência crítica” dos universitários sobre o seu próprio trabalho. É deles que depende, em última análise, o futuro do ensino superior e, em grande parte, o nosso próprio futuro como país.

Uma segunda reflexão que vos quero propor diz respeito a um necessário equilíbrio entre as diferentes missões do ensino superior. A formação, a investigação e a prestação de serviços à comunidade, são funções necessárias a um projecto institucional de qualidade.

A rapidez vertiginosa do crescimento do ensino superior levou a que algumas instituições se desenvolvessem sem tempo para o amadurecimento dos seus projectos institucionais. Muitas vezes a investigação científica ficou prejudicada. Creio ser este o momento de repensar projectos. O investimento actualmente em curso na formação avançada de jovens cientistas e dos docentes das instituições portuguesas poderá, a breve trecho, contribuir para o desenvolvimento da ciência e para a sua articulação com o ensino superior.

Considero importante tornar o panorama científico nacional atractivo para as jovens gerações e criar estímulos e estratégias de abertura, sem o que o investimento realizado pelo país não terá as consequências esperadas.

De igual modo a investigação não pode fazer esquecer a missão de formação e a necessidade de dar respostas a públicos diversificados no que diz respeito à idade, formação e experiência.

A prestação de serviços à comunidade e a ligação das instituições de ensino superior ao desenvolvimento, essenciais num projecto institucional moderno, podem igualmente contribuir para a pertinência da formação e da investigação. Nos diálogos que mantive e nas instituições que visitei pude verificar uma profunda transformação neste domínio, que confirmei uma vez mais nesta instituição.

A terceira reflexão diz respeito ao reforço da componente cultural e da educação para a cidadania nas instituições do ensino superior. A evolução tecnológica e a quantidade de informação, hoje disponível no mundo, tornam necessário que as instituições de ensino superior assumam um papel de promoção do debate, desenvolvimento de capacidades de distanciamento e organização de ideias. É também importante motivar os jovens para a participação nas instituições e na sociedade, como forma de aperfeiçoamento da democracia.

Antes de terminar quero saudar a Universidade do Minho pelo esforço investido na construção dos seus novos espaços. Permitam-me que felicite a equipa projectista pelo magnífico edifício que tive o prazer de inaugurar. Já disse noutros momentos que considero o ensino superior um verdadeiro laboratório urbanístico e arquitectónio, onde os arquitectos portugueses têm inovado, e confirmado a qualidade e a projecção da nossa arquitectura. Tenho apelado à necessidade de se desenvolver uma pedagogia deste património arquitectónico construído em todo o país, e que constitui, a meu ver, uma imensa valia para a imagem de um Portugal moderno e criativo.


Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Vivemos, hoje, num mundo marcado pela internacionalização. Portugal faz parte do espaço universitário europeu, e tem sabido integrar-se no movimento científico, tecnológico e cultural que atravessa as sociedades contemporâneas.

É preciso que continuemos a participar na criação de ambientes favoráveis às novas ideias, de ambientes propícios à reforma das nossas instituições de ensino superior. Não nos podemos acomodar. Precisamos da crítica vigorosa, da força dos nossos jovens, da competência dos nossos professores e investigadores. Precisamos de uma vontade política que favoreça as mudanças em curso, de uma determinação para enfrentar interesses instituídos e para construir, a partir do que já temos, a “Universidade nova” que o país exige.

Como escreveu António Sérgio: “Sejamos cidadãos a todas as horas, por um esforço quotidiano de autonomia, no palmo de terra em que temos os pés: esse, ao cabo de contas, é o caminho seguro da liberdade. O remédio para os erros da liberdade é uma liberdade mais bem entendida, mais concreta, mais espiritual, mais de raiz”.