A Eça de Queiroz (Nas Comemorações do 150.º Aniversário do Seu Nascimento)

Neully-sur-Seine
25 de Novembro de 1996


Este acto que aqui gratamente nos reúne encerra o ano de comemorações do 150.º aniversário do nascimento de Eça de Queiroz.
Trata-se de uma homenagem singela — à qual se quis associar o Grémio Literário de Lisboa, instituição com idade igual à do escritor, de que ele foi o sócio n.º 19 — e cujo sinal perdurará nesta Casa, onde ele viveu, conviveu e que amou e recordou, quer pelos tempos felizes que aqui passou, quer pelos amigos que nela recebeu.

Numa carta a um deles, Eduardo Prado, escreveu Eça: «A nossa casa já não é a mesma, nem material nem moralmente: já não é aquela pitoresca e boémia Rua Charles Lafitte, de que tenho sempre saudades […], onde eu tinha de atravessar o jardim com neve pelos joelhos, para ir escrever uma frase. Aqui na Avenue du Roule tudo é very compacto super-burguês, e já não há noitadas, nem ceias, nem reformas definitivas do sistema do Mundo.»

Estas palavras mostram que Eça conservou uma memória doce e nostálgica desta bela casa. Não é de estranhar que assim tenha sido. Por aqui passaram grandes figuras da cultura portuguesa, que eram seus amigos, como, entre outros, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Carlos Mayer, Batalha Reis, e brasileiros, como Olavo Bilac e o próprio Eduardo Prado.

Aqui, Eça viveu um período sereno de criação literária e de fecundo convívio intelectual e humano. Não há, por isso mesmo, cenário melhor para o lembrarmos, neste dia do seu aniversário, na presença dos seus familiares, daqueles que estudam, amam e divulgam a sua obra, dos representantes da Fundação que tem o seu nome.

Eça de Queiroz foi um grande escritor, um grande europeu e um cidadão do Mundo. Tinha uma visão crítica, irónica e subtil, um espírito agudíssimo, uma inteligência fina, uma sensi-bilidade refinada, uma sagacidade brilhante. Foi um grande artista e um grande criador, um renovador da língua em que escreveu, à qual deu novos ritmos, novas imagens, novos recursos estilísticos.

A Eça de Queiroz se pode, com inteira justiça, aplicar o que Proust dizia dos escritores: o escritor inventa dentro da língua em que escreve uma língua nova. A língua portuguesa ficou outra depois de ele nela ter escrito.

O autor das Cartas de Paris era um homem do seu tempo, um amigo de França, cuja história, cultura, costumes, vida política ele conhecia profundamente e com minúcia. Alguns pensadores que mais o influenciaram eram franceses. Algumas das suas páginas mais cintilantes, como em A Cidade e as Serras, foram escritas sobre a França. Em Paris, ele viveu largos anos, desempenhando funções diplomáticas de relevo. Por isso, esta homenagem tem um significado particular.

Cidadão do Mundo, Eça preocupou-se com a sorte da humanidade, com o seu progresso material e moral, com a injustiça.
A sua ironia não era a atitude do céptico que em nada acredita. Era, quase sempre, um acto de lucidez crítica e de denúncia do que estava mal.

Grande europeu, Eça de Queiroz pensou a nossa cultura e a nossa civilização, tornando-nos mais conscientes da herança que transportamos e que nos cabe legar enriquecida.

Valery Larbaud disse dele que era «un des grands romanciers européens du xixème siécle». E acrescentou: «Eça entrera, sûrement, fatalement, dans la littérature européène, et lés lettrés français devront, tôt ou tard, le connaître et l’apprécier.» A presença de todos nós neste acto e a cerimónia que se realiza na UNESCO, confirmam, um pouco, este prognóstico que era também um voto de Larbaud.

Saúdo o Senhor Ministro da Cultura do Governo Francês e manifesto-lhe o meu reconhecimento pelo testemunho, que nos quis dar, de amizade entre os nossos países e de proximidade das nossas culturas. A França e Portugal, velhos amigos e agora parceiros na União Europeia, estão empenhados em que a Europa seja cada vez mais Europa da Cultura, da cidadania, da fidelidade aos grandes valores humanistas e universais.

Quero agradecer as amáveis palavras do Senhor Maire de Neully. Sem o seu empenhado apoio, não teria sido possível reunirmo--nos aqui nesta homenagem simples mas sentida. De facto, Vossa Excelência compreendeu bem, desde o início, o significado e o sentido desta homenagem e estamos-lhe reconhecidos por isso.

Ao actual proprietário desta casa, ao Senhor Philippe Mayer e à sua esposa, dirijo também um grato cumprimento pela gentileza e disponibilidade com que acolheu esta ideia, em cuja origem esteve o Eng.º Luís Santos Ferro, queirosiano incurável e incansável.

Eça está vivo pelo milagre da sua arte. A sua obra permanecerá como uma grande criação do espírito e é património de todos os que amam a beleza e acreditam no aperfeiçoamento do ser humano.