A Tito de Morais (Na Homenagem Nacional que lhe foi prestada)


30 de Novembro de 1996


Manuel Tito de Morais é um dos fundadores do nosso regime democrático e uma grande referência do socialismo humanista.
Portador de uma ilustre herança familiar de republicanismo, manteve, durante os longos anos da ditadura, um combate constante, sem tréguas, abnegado e corajoso pela liberdade.

Por essa luta, tudo sacrificou. A ela, submeteu a vida, pois o objectivo essencial era fazer o que tinha de ser feito para que Portugal recuperasse a dignidade de país livre. Foi perseguido, preso, exilado. Mas isso nunca o levou a diminuir ou a atenuar o combate. Foi até razão para o intensificar e ampliar, como se as dificuldades e os perigos lhe aguçassem o engenho de conspirador e reforçassem a tenacidade do lutador indomável.

Tito de Morais, que esteve militantemente em todos os actos e movimentos da oposição à ditadura, definiu-se sempre como um socialista democrático. Lutou também persistentemente para que, em Portugal, houvesse um movimento de esquerda em que se reconhecessem todos aqueles que se reclamavam do socialismo democrático. Os pontos altos dessa luta foram a fundação da Acção Socialista Portuguesa, com Mário Soares e Ramos da Costa, e, depois, do Partido Socialista.

Toda a sua acção política foi norteada por uma exemplar coerência. Nunca tendo sido comunista, foi sempre um homem de esquerda, sem concessões nem renúncias. Compreendeu, desde sempre, que o socialismo não pode ser separado da liberdade e que é a sua concretização mais profunda e nobre. Bateu-se por este ideal, antes e depois do 25 de Abril, tornando-se uma referência moral e política.

Recordo bem as circunstâncias em que, pela primeira vez, encontrei Manuel Tito de Morais. Para a minha geração ele era um dos nomes maiores da oposição democrática. Resolvi ir visitá-lo a Itália, onde se encontrava exilado, desenvolvendo uma importante actividade política, nomadamente através dos preciosos contactos que tinha estabelecido com os socialistas italianos, entre os quais Pietro Neni. Esses contactos revelaram-se, aliás, importantíssimos para a afirmação internacional da ASP e do PS.

Fui a Roma com o Nuno Brederode Santos e lembro-me que quem nos abriu a porta foi Maria Carrilho que, julgo, tinha estabelecido o contacto.

Falei longamente com Manuel Tito de Morais. As conversas, nesses tempos e naquela situação, eram feitas de idealismo, esperanças, ilusões e também algumas desilusões.

A primeira imagem que colhi dele é a que perdura: vi um homem inteiramente devotado ao combate que travava, tenaz como poucos, mesmo teimoso, senhor de uma inabalável convicção e certo das suas razões. Percebia-se logo o tom patriarcal do que viria a ser o Presidente honorário do PS, aquele que todos os socialistas reconhecem como uma referência.

A sua actividade política levou-o, depois da Revolução, ao desempenho de cargos políticos de grande relevo: primeiro, como membro do Governo e, depois, como Presidente da Assembleia da República. Neles conquistou o respeito geral pelas suas qualidades morais e cívicas.

Quando falamos com ele, hoje como ontem, colhemos sempre aquela impressão de fidelidade aos ideais que nele é um convite contagiante a que nos juntemos ao combate.

Como seu amigo, associo-me a esta homenagem com calorosa e fraterna estima. Como Presidente da República, quero expressar--lhe o testemunho de gratidão por tudo o que tem feito para que Portugal seja um país livre e solidário.