A Rómulo de Carvalho (Na Homenagem Nacional que lhe foi prestada)

Escola Secundária Pedro Nunes
17 de Dezembro de 1996


Rómulo de Carvalho é uma referência da cultura, da ciência e da educação em Portugal. Professor e cientista, marcou gerações sucessivas de alunos, de futuros professores e de colegas com o brilhantismo da sua escrita, o rigor do seu pensamento e o gosto constante pela experimentação e pela descoberta.
Tendo iniciado a sua carreira docente num período em que frequentavam o ensino liceal oficial cerca de 15 000 alunos, Rómulo de Carvalho faz parte da geração que dotou os liceus de uma cultura e de práticas de trabalho muito próprias. É um tempo que é preciso recordar. Sem nostalgia, porque actualmente cerca de um milhão de alunos frequenta os mesmos anos de escolaridade, transformando o ensino básico e secundário numa realidade completamente distinta do que era nos anos 30. E não tem qualquer sentido pensar a educação à luz de um passado que não se repete.

É um tempo que é preciso recordar, porque, como escreve Rómulo de Carvalho: «[Não é possível] que uma Nação possa ajuizar das suas potencialidades, se não tiver o conhecimento histórico do modo como o ensino se ministrou nela, no decorrer dos séculos, e dos resultados que se obtiveram. Somos daqueles que consideram que o Ensino e a Educação devem ser a primeira preocupação dos governantes, o que os obriga a estarem na posse do respectivo quadro histórico» (História da Fundação do Colégio Real dos Nobres de Lisboa, 1959).

Rómulo de Carvalho não é um cientista que também se dedica à criação artística. É a ciência que o faz artista. E é a arte que o interpreta como cientista. São duas metades que se abrem num mesmo todo e que dão corpo a uma maneira de ser que o distingue como uma figura singular da nossa cultura. Nele, a razão exacta engendra a liberdade da invenção, e junta-se a ela, sem que uma e outra se confundam. Será que é de cariz autobiográfico o seu escrito no primeiro número de uma das mais notáveis revistas de pedagogia e cultura, Palestra, editada durante 15 anos neste Liceu de Pedro Nunes? Permitam-me que vos leia uma breve passagem:

«Em nosso sentimento o artista e o cientista são dois destinos paralelos embora em fases díspares da sua evolução. Ambos desempenham na sociedade o mesmo papel de construtores, de descobridores, de definidores: um, do mundo de dentro; outro, do mundo de fora. […] Um e outro ocupam lugares de igual necessidade, que aqueles mundos de dentro e de fora são de transcendência equivalente» (Palestra, 1958).

São justamente estas duas dimensões que constroem o pedagogo Rómulo de Carvalho, isto é, o professor e o metodólogo. Como professor, cultivou nos seus alunos o gosto pela experimentação, pela descoberta, pela ciência. Como metodólogo, soube conceber os meios e os instrumentos para organizar o ensino, participando na formação dos futuros colegas, sempre com a convicção do papel essencial que compete aos professores. E, por isso, escreve que, como professores, «nós somos, em última análise, o método, o processo, a forma e o modo» (Palestra, 1959).

Tendo sentido, desde muito cedo, a necessidade de separar a metodologia científica da metodologia pedagógica, Rómulo de Carvalho nunca esqueceu que uma coisa é, por exemplo, a Física como ciência e outra, bem distinta, é a Física como objecto de ensino.

E, no entanto, o seu percurso é feito desta «dupla via», que articula de forma notável na sua actividade como divulgador científico. Aqui, exprime toda a sua sensibilidade pedagógica e cultural, bem como o seu empenhamento num ideal de «difusão do saber» que junta a tradição enciclopédica dos séculos xviii e xix às práticas da educação popular do princípio do século xx.

Refira-se, por último, a importância da investigação histórica realizada por Rómulo de Carvalho, nomeadamente em estudos sobre o Colégio Real dos Nobres, a Universidade de Coimbra e a Academia das Ciências de Lisboa. Preocupado em contribuir para a história das ciências, em particular da Física, Rómulo de Carvalho foi o único autor que teve o engenho e a arte, e a coragem, para se lançar na escrita de uma História do Ensino em Portugal — desde a fundação da nacionalidade até ao fim do regime de Salazar-Caetano. Trata-se de uma obra essencial, que fecha um ciclo na historiografia portuguesa da educação, constituindo uma referência insubstituível para a análise histórica da educação e do ensino.

Cientista e professor, metodólogo e divulgador, pedagogo e historiador, Rómulo de Carvalho é uma personalidade de facetas múltiplas, que se fundem em torno de um magistério de compromisso pedagógico e científico.

Vivência forte das letras e das artes permite-lhe chegar a um entendimento mais profundo dos mundos de dentro e de fora. E juntá--los num esforço de educação, de formação e de divulgação.

Rómulo de Carvalho é uma figura cimeira da cultura portuguesa do século xx. E, por isso, é com todo o mérito que, neste momento, acolhendo e assumindo um vasto sentimento que envolve desde logo a Academia das Ciências, os seus amigos e antigos alunos, os seus leitores e admiradores, e o Governo, o agracio com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Santiago da Espada.