Cerimónia Comemorativa do 87º Aniversário da Implantação da República

Assembleia da República
05 de Outubro de 1997


A comemoração do 5 de Outubro de 1910 evoca a ruptura histórica fundadora do nosso Regime e permite-nos prestar uma homenagem aos homens que tiveram a coragem de a inspirar e concretizar.
O movimento republicano entendia que o regime monárquico vigente em Portugal não era capaz de assegurar cabalmente nem o progresso económico, nem a modernização do Estado, nem a representação social, nem uma adequada inserção internacional do país.
Os homens que ao longo dos anos deram corpo a esse movimento tiveram a determinação e a coragem de levar os seus ideais até às últimas consequências e instauraram um novo regime político.
Este regime, porém, durou pouco, e foram conturbados os seus dezasseis anos de vida. A Primeira Republica foi violenta e abruptamente substituída por uma Ditadura Militar e por um regime autoritário. Permaneceu desde então, como uma referência essencial de liberdade. A Resistência à ditadura associou justamente, durante décadas de luta, os valores da República.
O tempo e a história, porém, permitiram desfazer alguns equívocos e abandonar muitas ideias que assim se tinham cristalizado em torno de uma imagem mítica da Primeira República. Mas o principal contributo para uma visão mais serena e distanciada dos factos e da acção dessa geração de republicanos veio do 25 de Abril.
Democracia permitiu que víssemos na Primeira Republica não um património intocável, mas uma experiência que podemos abordar sem ideias preconcebidas, com espírito critico, e que víssemos no 5 de Outubro o momento fundador de um percurso que aceitamos continuar com vontade de adaptação, preocupação de melhoria e sentido do futuro.
Há valores inspiradores e práticas cívicas da Primeira República de que ainda hoje nos reclamamos, embora o regime republicano pós 25 de Abril tenha enfrentado de forma mais equilibrada as grandes questões da coesão social e da eficácia do Estado.
Entre o legado de valores e práticas republicanas de que a Democracia se honra, permito-me destacar o modelo de legitimação política baseado nas eleições a todos os níveis, a autonomia do Estado relativamente a quaisquer confissões religiosas, uma política externa portuguesa activa, as grandes reformas modernizadoras do Ensino e das Forças Armadas, o esboço de um sistema de protecção social e o apelo à participação cidadã na vida das comunidades.
Apesar da sua escassa duração temporal, a Primeira República evidenciou um grande dinamismo na procura de reformas que dessem resposta à necessidade de adaptação do Estado à evolução da sociedade do seu tempo.
Os regimes políticos mostram a sua vitalidade pondo em marcha mecanismos de inovação e adaptação à mudança. O indesejável são os sistemas inertes que respondem com lentidão burocrática e ligeireza repressiva, ou que entram em perturbação perante as novas expectativas e as novas solicitações das sociedades. As reformas são essenciais à evolução dos países e a resposta oportuna às expectativas dos cidadãos reforça a identificação com o regime político.
A Democracia pós 25 de Abril e os seus protagonistas políticos têm sabido responder aos desafios que se nos colocam e deles fazer oportunidades. Podemos e devemos ter orgulho nestas duas décadas de Democracia, porque o país foi capaz de consolidar o regime, de percorrer o caminho até a primeira linha dos países da União Europeia e de avançar decisivamente na modernização do país.
Não me esqueço do que falta fazer. Mas também acho importante que ninguém se esqueça do muito que já foi feito. O elogio ao caminho percorrido e à obra feita não serve assim para iludir omissões e carências, mas para estimular um legítimo orgulho e confiança na nossa capacidade, enquanto Povo, de assegurar o futuro de Portugal.
Hoje, temos perante nós o projecto de uma significativa reforma do Estado e aprofundamentos decisivos da União Europeia. É importante manter a capacidade de olhar em frente e de definir para o futuro o melhor caminho para Portugal. O sistema político deve manter uma atenção e proximidade constantes à sociedade e ser capaz de antecipar as mudanças. Os órgãos de soberania, no quadro das suas competências, devem procurar sempre provocar as modificações do Estado e das instituições que a sociedade requer ou solicita, auscultando directamente, se necessário for, o sentido da evolução desejada.
As reformas ao consagrarem no direito as inovações requeridas pela própria evolução das sociedades, previnem tensões sociais e políticas. A democracia representativa garante, por seu turno, um quadro de estabilidade ao processo reformista. O que não excluí, em casos excepcionais, o recurso, constitucionalmente consagrado à participação directa dos cidadãos.
Não há Estado Democrático seguro de si próprio, e portanto forte e participado, que não deva aperfeiçoar os mecanismos de representação social, porque é através deles que flui a relação entre governantes e governados. Neste sentido, não há Estado Democrático sem reformas. As reformas não são momentos dramáticos e excepcionais da Democracia, mas exigências de adaptação permanentes. O que se lhes deve sempre pedir é que sejam conduzidas com a maior clareza, de forma a que as opções possam ser também claramente percebidas e avaliadas pelos cidadãos.
As reformas implicam, naturalmente, opções e decisões, implicam o confronto de opiniões e a procura de consensos. E quando, pelo seu significado e dimensão, se entenda que a população deve ser directamente consultada esse não pode ser encarado como um momento de divisão do país, antes de clarificação democrática de escolhas.
Por muito difíceis que possam parecer as escolhas o país reforça a sua democracia e a sua coesão quando, nesses casos, remete ao poder soberano do Povo a opção final. Trata-se de um apelo à participação directa na decisão quanto ao sentido a imprimir às reformas. Se há lição que se possa tirar da história da Primeira República é que em momentos decisivos lhe faltou a legitimidade da representação nacional e a capacidade de assim consensualizar o sentido da sua evolução. Com isso a Primeira República enfraqueceu-se.
O nosso regime constitucional ao consagrar os mecanismos de participação directa dos cidadãos para, em casos excepcionais, e como complemento da democracia representativa, clarificar o sentido das reformas a fazer, está a reforçar a legitimidade das escolhas e a garantindo, assim, a estabilidade do regime e a coesão nacional.
Aos regimes não basta garantir a permanência dos seus valores fundadores. Importa que esses valores se transformem em práticas políticas progressivamente aperfeiçoadas e articuladas com a evolução da sociedade.
Acredito, além disso, que a capacidade de actualizar o passado, de levar até ao futuro um património político de que nos reclamamos, é um compromisso de vitalidade e de esperança.
É com essa vitalidade e com essa esperança que deveremos caminhar. São elas que estão patentes nesta Câmara Municipal renovada, símbolo de uma notável resposta à adversidade.

Viva a República!
Viva Portugal!