Sessão de Abertura do III Congresso dos Jornalistas Portugueses "Jornalismo Real, Jornalismo Virtual"

Culturgest, Lisboa
26 de Fevereiro de 1998


Quero começar por saudar todos os que estão neste auditório e agradecer o amável convite que me foi feito para a abertura do III Congresso dos Jornalistas Portugueses. Como já aqui ficou dito, há quase doze anos que os jornalistas não se reuniam, num Congresso, para debater matérias relativas à sua profissão. Esta é portanto uma oportunidade ímpar para a discussão e a reflexão sobre as vossas questões profissionais e as responsabilidades sociais inerentes ao jornalismo. Este é o momento certo para afrontarem os problemas.
Nas democracias modernas os media têm, cada vez mais, um papel determinante, a ponto de terem alterado o funcionamento clássico de ligação entre os governantes e os cidadãos. São os jornais, a rádio e a televisão que divulgam as iniciativas, as medidas, as actividades dos políticos. É, sobretudo com a ajuda da informação transmitida pelos media, que os cidadãos tentam compreender e descodificar algumas das complexidades do mundo em que vivemos, é através deles que se forma a opinião pública. Mas alguns factores podem perturbar esta relação. Se olharmos para a concorrência e a guerra das audiências entre os media e para o desejo de notoriedade e as tentações dos políticos em agir em função deles, é necessário repensar este novo cenário porque se trata de um equilíbrio essencial à democracia.
Assistimos, neste final de século, a descobertas surpreendentes no campo das ciências e da tecnologia, aos avanços na interpretação e conhecimento do Espaço mas também àquilo que os historiadores chamam os “nossos medos de final de milénio” vemos o crescimento dos fundamentalismos religiosos, o aparecimento de novas epidemias, a insegurança nos centros urbanos, as mais variadas formas de exclusão social. O que é seguro hoje pode não o ser amanhã. E tudo é vivido à velocidade do minuto, da hora, do dia-a-dia. Portugal não foge a esta voragem e à velocidade dos acontecimentos. Com o acesso generalizado e imediato à informação, uma das conquistas fundamentais deste século, tudo é mais próximo mas também mais efémero. Apesar de tudo, há desafios que valem a pena...
Não posso deixar de salientar aqui a enorme mudança ocorrida no panorama dos meios de comunicação portugueses, desde o último Congresso dos Jornalistas, em novembro de 86. Desapareceram alguns jornais nacionais e regionais de referência, no período pós-25 de Abril, aliás objecto da exposição que vão inaugurar já a seguir, mas apareceram também novos títulos na imprensa. Consolidaram-se projectos radiofónicos diversificados por todo o país, apareceram os canais privados de televisão e por cabo. Ao mesmo tempo, a informação via internet chega a um número cada vez maior de utilizadores.
Faço um parêntesis para saudar com apreço a iniciativa, com pouco mais de um ano, da criação da figura do provedor do leitor, por parte do Diário de Notícias e do Público. Qualquer uma delas ajudou a dignificar o jornalismo e enriqueceu a participação social dos cidadãos.
Mas voltando a esta última década entre o 2º e o 3º congressos constato que ao crescimento dos media correspondeu um autêntico boom de novos profissionais da comunicação, quase todos saídos das universidades, e o consequente rejuvenescimento das redacções ( como fica claro pelos dados do segundo inquérito nacional aos jornalistas que vão apresentar esta manhã.)
Ao longo destes anos observei também os efeitos dessa mudança na vida política portuguesa. A presença constante dos media em todos os acontecimentos, o directo radiofónico e televisivo, a concorrência pela primeira declaração, criaram novas relações entre os meios de comunicação e os políticos. Mas ao mesmo tempo que cabe ao político divulgar as suas acções e ao jornalista investigar e tornar claras as iniciativas, há um espaço de decisão e concertação próprios da negociação política que podem colidir com essa visibilidade. Como gerir as duas vertentes nas democracias mediatizadas, é uma das grandes interrogações dos nossos dias.
Na última década, o comportamento e a actuação dos media tem sido fruto das mais variadas interrogações e críticas. Cito um exemplo recente da ficção cinematográfica: no último 007, o herói Bond lança-se na cruzada contra o patrão da comunicação social, com um império em que a televisão surge comparada a uma poderosa arma destruidora, semelhante à força dos exércitos napoleónicos. E os jornalistas são apresentados como os manipuladores da verdade em função do público e do mercado que querem ganhar. Esta é, claro, uma visão próxima da caricatura. Mas ao citar o exemplo queria deixar a interrogação face ao que vi como resultado do vosso inquérito nacional. Noventa por cento dos jornalistas inquiridos afirmam ter sofrido pressões e quase metade fala de pressões internas, no órgão de comunicação social em que trabalha. Há ou não uma ameaça séria à liberdade de imprensa, que a democracia possibilitou, quando existem ameaças ao dever de informar e ao direito a ser informado? Que equilíbrio pode o jornalista encontrar entre a necessidade de vender o produto jornalístico, as regras da informação e o órgão de comunicação para o qual trabalha? Julgo por isso que o tema deste Congresso - Jornalismo Real, Jornalismo Virtual - não podia ser mais pertinente.
Ao olhar para o programa destes quatro dias vejo que as questões técnico-profissionais bem como a ética e a deontologia vão ser motivo de debate. Sem entrar no campo da reflexão que vos cabe fazer no Congresso, gostaria de vos deixar duas ou três interrogações.
Sei que o Congresso não tem apenas jornalistas como participantes. Estão aqui também estudantes e professores de comunicação social. Nesta última década, o jornalismo tornou-se uma profissão apetecível, e também aí não fugimos à regra dos outros países. Centenas de jovens jornalistas iniciaram a sua vida profissional no meio deste autêntico “boom”, quantas vezes pressionados pela concorrência e sem tempo para a necessária formação específica ( noutros tempos associada à tarimba). Mas à euforia inicial do aparecimento de novos órgãos de comunicação sucedeu-se um certo fechamento do mercado, a ponto de existirem empresas a negociarem rescisões de contrato com os seus profissionais. O mesmo se passa fora de Lisboa e Porto, onde o aparecimento das rádios locais veio criar expectativas que por dificuldades várias, sobretudo económicas, não se concretizaram. As condições sócio-profissionais dignas para o exercício da profissão são, por isso, essenciais. É do interesse dos profissionais de comunicação, mas também dos cidadãos que recebem informação, que os jornalistas não saiam diminuídos na sua credibilidade e consequente isenção. À dignificação e ao prestígio liga-se a responsabilidade individual e a preparação profissional. Só bem preparados e em condições profissionais dignas podem exercer, com competência, a profissão que escolheram.
Dirijo-me agora à Diana Andringa, ilustre Presidente do Sindicato dos Jornalistas. Ao longo deste mandato à frente do sindicato, tenho-a ouvido falar muitas vezes de deontologia e da desregulação da actividade jornalística. Penso que muitos de vós são sensíveis a esta questão e não deixarão de a debater no congresso.
Sendo a formação e a natureza do jornalismo diferente das profissões de médico, advogado ou engenheiro poder-se-à, em nome da disciplina fechar os jornalistas num grupo identificado e encartado ao qual se aplicam sanções, através de uma entidade exterior? Sendo o jornalismo uma profissão por natureza aberta e por isso, cada vez mais, com fronteiras pouco definidas como criar os instrumentos para responder aos desvios? Pergunto ainda se é garantia de independência para os jornalistas deixar ao mercado a função reguladora? Sempre afirmei que, pelas características da profissão, devem ser os jornalistas a estabelecer as regras. Só que, e usando uma comparação futebolística, o jogo pode ser ganho por desistência de uma das equipas. Esta complexa reflexão precisa de jornalistas atentos e exigentes, bem preparados, participativos e disponíveis para discutirem a sua responsabilidade social. Este é o local certo e o momento para o demonstrarem. Estou certo que o vão fazer.
Hoje foi a minha vez de vos deixar perguntas. É importante que para além da discussão das questões profissionais que aos jornalistas dizem respeito, uma porta fique aberta para a discussão, mais alargada, do papel dos media entre nós. Retomo o que disse no início desta intervenção, as alterações introduzidas pelos meios de comunicação na nossa democracia necessitam de reflexão e debate, tal como está a acontecer noutros países. Espero que este também possa ser um primeiro passo. Bom trabalho!