Comemorações dos 20 Anos do Poder Local, em Portalegre

Portalegre
23 de Maio de 1997


Quero saudar vivamente todos os portalegrenses, neste dia festivo, e manifestar a minha satisfação por me ter podido associar às cerimónias com que o município o pretendeu assinalar.
Há uma tradição popular da festa de Primavera, com tão fundas raízes nesta região, como aliás um pouco por todo o país, que se celebra e revigora. Há igualmente, aqui, uma clara manifestação da atenção com que os órgãos municipais encaram o exercício do poder autárquico, reconhecem o seu mérito, e gratificam as pessoas que se lhe dedicam e que o servem. Foi naturalmente com todo o gosto que aceitei o convite para participar, tanto na festa como na sessão de homenagem aos autarcas.
Para que hoje me sentisse tão portalegrense como vós, não seriam pois necessárias as palavras do Senhor Presidente da Câmara - que me sensibilizaram - nem as distinções que o município deliberou conferir-me - que igualmente me sensibilizaram. Palavras e distinções que agradeço e de cuja intenção estou consciente: aproximar a instância política central, que represento, da vida local. Essa é igualmente uma preocupação minha: incentivar uma permanente comunicação e interacção entre os vários níveis da decisão política, e entre estes e a sociedade, na sua diversidade de grupos e de anseios. A democracia não é apenas um conjunto de procedimentos: é uma corrente que passa entre representantes e representados, entre instituições e comunidades, entre interesses e órgãos de decisão.
Tenho exaltado com veemência, sobretudo nesta ocasião em que se comemoram duas décadas de poder local reconhecido pela Constituição, a obra das autarquias e dos autarcas portugueses. É uma obra com várias facetas - a das infraestruras básicas, a da educação e cultura, a da solidariedade social, por exemplo - que agora enfrenta os novos e complexos desafios do desenvolvimento planeado e integrado.
Mas gostaria de sublinhar hoje particularmente o contributo que o poder local deu e deve continuar a dar para a democracia. Por um lado, o poder local tem constituído o eixo principal do processo de descentralização administrativa, uma das grandes mudanças do Estado com origem no 25 de Abril. Por outro, o poder local inclui na sua matriz de funcionamento a participação cívica e a proximidade dos mecanismos, e até dos actos, de decisão.
É importante que essa mudança do Estado prossiga, sem dramatismos nem saltos bruscos, com o gradualismo que as reformas profundas por vezes requerem e que a procura do consenso aconselha. Como tenho afirmado, um sistema administrativo descentralizado não é apenas mais justo, é também mais eficaz. Como fica aliás amplamente demonstrado com a experiência destes 20 anos de poder autárquico.
Mas não é menos importante que o poder local continue a assegurar, e a reforçar, os referenciais de proximidade e de participação que se tornaram justamente seu apanágio. É possível que algumas modificações devam ser introduzidas por via legislativa. A Assembleia da República está a trabalhar sobre o tema, no quadro da revisão constitucional. Não me pronunciarei em concreto sobre tais alterações, neste momento, por motivos óbvios.
Posso no entanto dirigir-me aos autarcas, certo do seu empenhamento na credibilização das instituições a que dão rosto. Tudo o que significar aprofundamento dos direitos dos cidadãos perante a administração local é positivo. Como é positivo tudo o que significar aperfeiçoamento dos meios de avaliação cívicos do exercício do poder autárquico.
O poder não se legitima a si próprio. O poder local só pode saír valorizado, e por isso reforçado, quanto mais protegidos estiverem os cidadãos nos seus direitos e quanto mais garantias forem oferecidas à comunidade de fiscalização da actividade autárquica. A responsabilização política dos autarcas pode ser redefinida e vejo nesse processo um elemento mais da construção da autonomia local.
Senhores autarcas de Portalegre, minhas Senhoras e meus Senhores,
Quero felicitar o Município pela forma escolhida para assinalar os 20 anos de poder local: distinguindo com uma condecoração máxima os Presidentes da Câmara posteriores ao 25 de Abril. Exalta o reconhecimento devido aos que se dedicaram à causa pública, numa situação, como se sabe, de grande exigência.
Não esqueceu a Câmara o seu pessoal, e ainda bem, pois os trabalhadores duma autarquia são colaboradores decisivos da obra municipal.
Quero igualmente felicitar o Município pelo conjunto de geminações cujos protocolos vai hoje assinar. Atribuo, como é conhecido, um alto valor às formas de cooperação internacional descentralizada que as autarquias vêm desenvolvendo. Vejo nelas um vasto campo de possibilidades, incompletamente exploradas, de concretizar aspectos da nossa política de cooperação externa.
Senhor Presidente da Câmara
As preocupações que aqui expressou relativamente aos problemas da sua região não me são desconhecidas nem me deixam indiferente. Numa recente iniciativa que organizei dedicada ao tema da "Competitividade e Inovação das Empresas" tive oportunidade de visitar diversas unidades produtivas e de investigação científica no Alentejo. Afirmei nessa altura a convicção de que o desenvolvimento do Alentejo é necessário e possível.
Esta convicção não resulta de um mero acto de voluntarismo. A modernização do País já obtida acumulou um conjunto de competências e práticas e difundiu valores que constituem instrumentos cruciais para prosseguir o combate pelo desenvolvimento.
Refiro-me à elevação do nível da instrução e à difusão dos instrumentos de formação profissional. Refiro-me à associação dos temas da preservação do património e da política cultural à afirmação das capacidades de atracção das regiões. Refiro-me às experiências de viabilização da produção artesanal e, em geral, à ponderação do espaço rural como espaço da pluriactividade. Refiro-me à aquisição de conhecimentos técnicos e científicos sobre o território e as comunidades que o habitam, e, genericamente, a uma clima mais favorável à inovação baseada em saberes de tipo disciplinar e interdisciplinar. Refiro-me à incorporação de dinâmicas criativas na actividade tanto de organismos públicos como nas organizações da sociedade civil, incluindo associações voluntárias e empresas. Refiro-me ainda à ampliação da própria cidadania, consequência não só do reconhecimento de direitos como da participação directa das populações na identificação e resolução dos seus problemas colectivos.
Recuso-me a aceitar as dificuldades - sei que as há, e que não podem ser nem ocultadas nem desvalorizadas - como uma fatalidade intransponível. Certamente que não me conformo com os dualismos instalados na sociedade portuguesa. Entendo que a unidade nacional exige coesão social, medidas que contrariem as assimetrias regionais. Acredito porém que os problemas podem mobilizar o que os portugueses têm de melhor, e que cada oportunidade aceite é um exercício de cidadania.
Por isso estou e estarei com todos os que lutam, generosa e inteligentemente, pelo desenvolvimento integrado e solidário do espaço nacional.
Repetirei, convosco, portalegrenses: o Alentejo tem futuro; o Alentejo tem que ter futuro!