Semana da Educação - Sessão de Abertura do Debate sobre Educação Formação e Trabalho

Torredeita
21 de Janeiro de 1998


Já tive ocasião de dizer que decidi promover esta “Semana da Educação” para poder ver escolas e ouvir pessoas, para compreender melhor a nossa realidade educativa, tudo com o objectivo último de ficar em melhores condições de sugerir medidas, de recomendar iniciativas e de renovar compromissos com o futuro da educação, especialmente a que possa garantir uma formação de base a todos os portugueses.
Ao longo das visitas, encontros e outros contactos realizados nos primeiros dias da Semana, já se abordaram os temas da educação como responsabilidade social e do modo como a escolaridade obrigatória, de nove anos, é cumprida entre nós (ninguém poderá esquecer as imagens que ontem vivemos).
Não admira que, a este propósito, tenham sido afloradas algumas questões que hoje, aqui, gostaria de ver debatidas com maior profundidade.
Assim, foi possível confirmar que o insucesso continuado e o abandono precoce da escola criam grandes dificuldades de integração no sistema de emprego. O contacto com a vida activa acaba então por se fazer pela via perversa do trabalho infantil e clandestino ou, mais tarde, através de carreiras profissionais descontínuas, precarizadas e socialmente desvalorizadas.
Sabe-se que o problema é especialmente preocupante em espaços marcados pela pobreza, pela privação cultural e, por vezes, pela exclusão, mas, infelizmente, há boas razões para pensar que os seus efeitos se repercutem num espectro social bem mais vasto.
Os primeiros dias desta “Semana da Educação” também permitiram verificar que parte das dificuldades de aprendizagem nos diferentes ciclos do ensino básico resultarão de algum desconhecimento e desencanto com alunos e famílias manifestam relativamente aos futuros profissionais e às oportunidades reais que o sistema de ensino e formação lhes facultam na caminhada em direcção à vida activa.
Saber que perspectivas podem estar ao alcance destes jovens para garantir que eles não são excluídos do triângulo educação-formação-trabalho, eis outro ponto que, espero, suscitará a atenção dos presentes.
A verdade é que, em torno deste triângulo giram muitos outros problemas.
Um deles diz respeito à arquitectura geral do sistema de ensino regular e traduz-se por interrogações tais como:
Qual é o nível de educação e a estrutura curricular que permite a aquisição dos saberes e das competências mínimos inerentes à cidadania e a boas expectativas de emprego, no presente e no futuro?
Que avaliação é possível fazer quanto à empregabilidade dos alunos formados nas diferentes vias de ensino tecnológico e profissionalizante?
Até que ponto têm as escolas sabido mostrar-se ao exterior, promovendo os respectivos projectos educativos?
Que iniciativas podem tomar as pessoas e as famílias, os empregadores, as organizações profissionais e sindicais para aprofundar a informação e o conhecimento de que dispõem sobre os conteúdos e os métodos de aprendizagem dos diferentes cursos e programas de formação?
E que podem fazer as escolas para se darem a conhecer junto dos agentes relevantes das comunidades e dos mercados de trabalho e para integrarem melhor as expectativas legítimas destes na sua actividade?
Que podem fazer os diferentes actores para garantir o acesso efectivo da generalidade dos jovens a programas de formação inicial que assegurem uma qualificação profissional prévia à entrada no mercado de trabalho?
Estou certo que as intervenções e o debate que se seguem contribuirão para trazer alguma luz adicional ao debate destas questões.
E passo de imediato a outro grupo de preocupações, estas relacionadas com as debilidades do nosso País em matéria de educação básica e de qualificações profissionais da nossa população activa.
Se é verdade que, por referência aos padrões médios europeus, é grande o atraso em termos educacionais da população portuguesa tomada como um todo, mais notório é ainda o défice que se verifica nos mercados de trabalho.
Mercê de circunstâncias históricas bem conhecidas - de que destaco o arranque tardio da extensão da escolarização às camadas menos favorecidas da população e as crónicas deficiências do sistema de formação profissional - continua a ser muito baixo o nível médio de formação escolar de uma elevada proporção dos trabalhadores portugueses.
A afirmação, sugerida pelas estatísticas disponíveis, de que três quartos da população empregada portuguesa se situa no nível inferior de habilitações escolares é assaz preocupante.
Para além de problemas muito sérios que colocam em matéria de produtividade e competitividade das empresas portuguesas, o que acontece é que patamares tão baixos de qualificação constituem um factor de vulnerabilização social para muitos indivíduos e famílias portuguesas, já que dão lugar a grandes propensões ao desemprego e, sobretudo, ao desemprego de longa duração.
Parece-me indispensável que o debate não perca de vista este problema.
Por mim, estou certo que Portugal está perante o grande desafio de oferecer uma segunda oportunidade de educação e de formação aos seus cidadãos e, em particular aos que, tendo sido vítimas de formas de organização social e de orientações políticas anquilosadas e anti-democráticas, correm hoje o risco de ser colocados à margem do sistema social, por falta da qualificação profissional e, por isso, de emprego.
Estão aqui em causa, já se vê, todos os problemas relacionados com a concepção, o financiamento e a operacionalização do ensino recorrente e do sistema de formação profissional e, em particular, da formação contínua, que muito gostaria de ver abordados por V.Ex.as.
Tem-se falado muito de desperdícios na gestão dos fundos nacionais e comunitários para a formação profissional.
Sem afastar essa questão, importa, creio eu, ter a lucidez de diagnosticar outro tipo de desperdícios, especialmente os que decorrem de modelos de formação mal informados das necessidades dos que os procuram, pouco ajustados às características sócio-culturais dos destinatários e que nem sempre valorizam devidamente os saberes e até os potenciais de inovação que a experiência profissional sempre mobiliza e dinamiza.
Julgo, por isso, que ganharíamos em debater o que está feito e o que falta fazer para melhorar a educação e a formação de adultos, empregados ou não.
A responsabilidade social das empresas - que considero plenamente compatível com as suas legítimas ambições de modernização e de sucesso económico - deve incluir, entre as suas componentes centrais, a promoção de condições para fazer crescer e enriquecer o leque de saberes utilizados, recriados e partilhados no trabalho.
Espero que seja possível abordar neste debate as exigências de desenvolvimento de oportunidades de acesso dos cidadãos à educação e à formação ao longo de toda a vida.
É sabido que um número crescente de empresários, de sindicalistas e de especialistas nestes domínios se têm pronunciado a favor da melhoria do acesso dos cidadãos a sistemas de educação e de formação que articulem melhor as necessidades e os interesses crescentes das empresas com os interesses de todos os que nelas trabalham a níveis de qualificação mais elevados.
Por mim, estou certo de que a presença, nos locais de produção, de indivíduos cada vez mais escolarizados vai facilitar o crescimento económico e a competitividade das empresas, ao mesmo tempo que há-de reforçar a empregabilidade e reduzir os riscos do desemprego.
Se, paralelamente, não se descurar a formação dos menos escolarizados talvez se venha a encontrar na troca permanente de experiências e saberes utilizados no trabalho um embrião muito promissor de cidadania empresarial e profissional, isto é, em última análise, um revigoramento da democracia.
Sei que a educação e a formação conheceram, sobretudo na última década, profundas modificações que nem sempre são devidamente conhecidas.
Sei também que estes problemas têm merecido a melhor atenção e o empenho pessoal de V.Exas., que têm sido tomado medidas e que delas tem resultado algum progresso nestes domínios, cuja dificuldade ninguém aqui ignora.
Também por isso agradeço a presença de V.Exas. e aguardo com tanto interesse as intervenções e o debate que se seguem.