Sessão de Encerramento do II Congresso do Ensino Superior Politécnico

Lisboa
20 de Fevereiro de 1998


É com muito prazer que participo na sessão de encerramento deste Congresso, manifestando assim a importância que atribuo ao ensino superior politécnico.
No momento em que ele foi lançado, a realidade universitária assimetrias regionais.
Está em vias de terminar uma fase da vida do “politécnico”, marcada pelo esforço de expansão da rede e pelo processo de autonomia e democratização dos institutos e das escolas. Hoje, este sector alberga cerca de 1/3 dos alunos do ensino superior público. É um crescimento que traduz a abertura a grupos de estudantes com um novo perfil socioeconómico, o que implica importantes mudanças pedagógicas e culturais, bem como a definição de maiores apoios sociais e económicos.
As escolas superiores não têm apenas como missão a transmissão do saber. São uma comunidade de pensamento e de trabalho, um espaço de estudo e de aprendizagem, um lugar de pesquisa e de produção do conhecimento. Por isso, é essencial incentivar dinâmicas de investigação científica, directamente associadas com o ensino e com a prestação de serviços à comunidade, em particular no quadro de colaborações com as empresas e com as entidades regionais.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Estou seriamente preocupado com a desvalorização de muitos diplomas do ensino superior e com as dificuldades que daí surgirão. É necessário parar para reflectir. Nesta hora de balanço, permitam-me que lance três ideias para o debate.

Em primeiro lugar, parece-me útil pensar a diferença entre o ensino politécnico e o ensino universitário, clarificando bem as respectivas identidades. O modo como evoluíram estes dois tipos de ensino nos últimos anos, bem como as alterações recentes à Lei de Bases do Sistema Educativo, tornam esta reflexão necessária.
Trata-se de uma condição essencial para a afirmação do ensino superior politécnico como projecto alternativo e para a aquisição de um prestígio social baseado em razões próprias e não em comparações com o ensino universitário. O reforço do vosso papel na valorização da cultura técnica e tecnológica bem como no apoio ao desenvolvimento regional poderá constituir elemento marcante da vossa identidade.
Em segundo lugar, julgo que não é desejável que se continuem a criar cursos e mais cursos sem uma preparação cuidada.
A tendência para uma especialização excessiva é, frequentemente, fruto de voluntarismos pessoais ou de situações conjunturais, não sendo resultado de um investimento académico que permita uma formação adequada num determinado campo do conhecimento. Todos sabemos que é relativamente fácil, recorrendo a apoios diversos e a docentes convidados, pôr de pé um curso sobre determinada matéria.
Mas muito mais difícil é desenvolver uma comunidade científica num ramo do saber, concebendo a formação como um aspecto central do trabalho a realizar sem perder de vista as necessidades decorrentes da evolução da sociedade.
Em terceiro lugar, não posso deixar de manifestar a minha preocupação pelo modo como se foram definindo as redes do ensino superior público e privado, muitas vezes sem critérios claros e pertinentes. É um problema que temos de enfrentar com coragem, não abdicando de tomar medidas que introduzam uma maior racionalidade e coerência em todo o processo. Não é novidade para ninguém a minha apreensão pela realidade actual.
É necessário um compromisso de todos no sentido de uma dignificação do ensino público e privado, pondo fim a situações que servem interesses particulares mas que não respondem às necessidades de desenvolvimento do país nem a critérios de exigência científica e de qualidade pedagógica.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
O tempo é de balanço, mas é também de mudança. É um tempo de transição para o ensino superior politécnico.
A primeira transição prende-se com a abertura das escolas a novas populações estudantis, no quadro de programas flexíveis de formação destinados a adultos que procuram uma valorização social, cultural ou profissional. No mundo actual esta é uma das funções mais importantes do ensino superior, implicando a definição de políticas de recrutamento, de processos pedagógicos e de modos de funcionamento inovadores. É essencial adaptar as nossas instituições, até agora vocacionadas para acolher quase exclusivamente estudantes jovens e sem experiência profissional, às novas realidades da educação e formação ao longo da vida.
Esta adaptação implica o alargamento das possibilidades de acesso bem como a capacidade de reconhecimento, por parte das instituições, das competências adquiridas ao longo da vida. A gravidade dos problemas de desemprego exige profundas mudanças neste domínio. O ensino superior politécnico pode desempenhar aqui um papel muito importante.
A segunda transição refere-se ao aprofundamento da autonomia das instituições. Nenhuma mudança significativa terá lugar sem uma nova cultura académica e sem novos compromissos claros no plano institucional.
As escolas têm de ser espaços de cultura e de ciência, de participação e de democracia. A autonomia não é uma maneira de descartar responsabilidades. Bem pelo contrário. Já disse várias vezes que seria prejudicial adoptar em Portugal políticas neo-liberais, que contribuíssem para uma menor responsabilização do Estado em matéria de ensino superior. Mas, ao mesmo tempo, tenho afirmado a necessidade de assegurar um contributo efectivo das instituições e dos estudantes no financiamento do ensino superior. As propinas não são a questão central.
Pela minha parte, creio que chegou o momento de nos concentrarmos no que é decisivo: conseguir que todos os jovens, independentemente das suas origens sociais, possam ter acesso a uma formação de nível superior, estimulante, qualificada e rigorosa.
Para tal – e esta é a última transição que gostaria de assinalar – é fundamental instaurar processos de avaliação das instituições e das comunidades académicas. Refiro-me à avaliação interna e externa das escolas, conduzida de forma participada e independente, de modo a que seja possível introduzir dispositivos de selecção e de regulação.
O ensino superior não pode ficar paralizado por uma teia de interesses locais ou corporativos, que impedem a valorização das instituições e dos grupos científicos mais qualificados. Por isso, parece-me também essencial proceder à avaliação das diversas áreas de formação, obrigando a uma prestação de contas do trabalho realizado. Sem esta nova cultura de avaliação é difícil premiar o mérito e a competência, criando as condições para um reconhecimento social do ensino superior.
Aqui ficam algumas reflexões. As alterações à Lei de Bases do Sistema Educativo abrem novas oportunidades de desenvolvimento do ensino politécnico e podem contribuir para a valorização dos seus diplomas. Mas criam também novas responsabilidades. É necessário produzir estudos e avaliações, dar a conhecer a acção em curso, mostrar o caminho que já se percorreu, assumindo as críticas e estimulando uma atitude de exigência e de rigor.
A educação continuará a ser, nos próximos anos, a tarefa mais importante da nossa sociedade portuguesa. O país fez um esforço muito significativo no lançamento e consolidação da rede do ensino superior politécnico.
Estou certo de que saberão estar à altura da missão que vos compete na formação académica e profissional dos jovens e dos adultos e no apoio ao desenvolvimento das regiões.