Sessão Solene de Comemoração do 25 de Abril

Assembleia da República
25 de Abril de 2000



Senhor Presidente da Assembleia da República,

Excelências,

Minhas Senhoras e meus Senhores,


Tive a grata honra de participar, nos últimos dias, em representação de Portugal, nas Comemorações Oficiais dos 500 anos da descoberta do Brasil. Foram cerimónias marcantes que celebraram a História comum de dois Estados e de duas Nações que persistem em projectar no futuro um passado de cinco séculos.

No espaço de poucos meses participei na cerimónia de transferência de poderes em Macau, visitei Timor-Leste finalmente livre da ocupação, e homenageei, em Porto Seguro, esse feito maior de Pedro Álvares Cabral que nos revelou o Novo Mundo.

É impossível viver tais momentos sem reflectir sobre o extraordinário percurso que Portugal iniciou no século XV, e nas consequências que esse percurso projectou na percepção que temos do nosso lugar no mundo. Essa percepção, importa reconhecê-lo, mudou, significativamente, nas últimas décadas, fruto da instauração do regime democrático.

A expansão marítima portuguesa marcou o País de forma indelével. Desde então, Portugal viveu sempre para além do seu território original. As formas da relação estabelecida entre nação e territórios variaram ao longo da história: do entreposto ultramarino ao Império, do Império à descolonização.

A transferência de poderes em Macau e o referendo em Timor Leste encerraram esse largo ciclo histórico. Permito-me recordar as responsabilidades que assumimos, em relação a Timor Leste, no auxílio à reconstrução do País e à formação de um Estado independente. Criámos enormes expectativas. Não as podemos desiludir. O relacionamento estável entre os dois povos não poderá viver apenas dos afectos, antes deve assentar na efectiva solidariedade entre Estados, como forma de contribuir para o desenvolvimento daquele Povo tão grande pela sua determinação e pela sua coragem. Nesse sentido se inseriram as recentes visitas a Timor de uma delegação da Assembleia da República e do Primeiro Ministro.


Excelências

Minhas Senhoras e meus Senhores

Com o 25 de Abril, a democracia portuguesa soube encontrar na União Europeia a natural plataforma de inserção regional de Portugal. O projecto europeu abriu caminho a uma transformação do País no espaço de uma geração, contribuindo para a racionalização de estratégias de modernização económica e social.

Portugal definiu, ao longo destes anos, de forma clara e consistente, uma nova política externa assente hoje em cinco pilares essenciais: a língua, as Comunidades Portuguesas, a diplomacia política, as relações económicas e a participação militar em acções internacionais de manutenção de paz.

Reconheça-se, porém, que a herança de um imaginário histórico imperial se entrecruza, por vezes de forma equívoca, com a formulação do novo papel de Portugal no Mundo. Importa encerrar de vez esse período de transição entre mitos do Império e a inserção num futuro que, em definitivo, tem de assentar em estratégias claras, inseparáveis dos nossos valores democráticos.

Recuso a visão de um Portugal pequeno, que, à míngua de instrumentos e meios necessários à sua política externa veja diminuído um prestígio internacional que assenta na História e no notável trabalho realizado pela democracia portuguesa.

Recuso, igualmente, uma visão retórica que exija a assunção de responsabilidades desproporcionadas em relação aos meios que Portugal deve disponibilizar, por si só, para a execução da sua política externa. Tal como não me reconheço numa interpretação que confunda o rigor formal, que deve presidir às relações entre Estados, com a liberdade militante das relações entre sociedades civis.

É necessária uma permanente pedagogia política que recrie um consenso nacional e público sobre as formas de projecção da posição de Portugal no Mundo – consolidando a sua nova dimensão e valores, os seus conceitos e os meios necessários. Qualquer omissão, nesse domínio, pode criar uma tensão difícil de gerir, porque assente em expectativas desfasadas da realidade e daquilo que é razoável exigir do esforço português.

O estatuto de Portugal na União Europeia e na Aliança Atlântica define, de modo estável, a nossa posição internacional como parte integrante da aliança das democracias europeias e ocidentais.

O nosso futuro é inseparável da consolidação dessa Aliança e da construção de uma Europa assente na diversidade e no aprofundamento da integração. Como mais uma vez o demonstra o nosso desempenho na Presidência da União Europeia, Portugal tem uma intervenção activa na definição das grandes orientações do projecto europeu. O Conselho Europeu de Lisboa e a Cimeira Euro-Africana do Cairo são bons exemplos da nossa capacidade política, que contribuíu decisivamente para o sucesso dessas duas iniciativas da Presidência portuguesa da União.

Do mesmo modo, queremos impulsionar decisivamente a Conferência Inter-Governamental, criar condições para uma capacidade própria de intervenção da União Europeia nas crises regionais e, sobretudo, prosseguir o alargamento às novas democracias da Europa Central e Oriental. Trata-se, por um lado de consolidar as instituições europeias e de reforçar a autonomia estratégica da Europa, e, por outro, de responder a uma oportunidade histórica, sem precedentes, de fazer coincidir as fronteiras da União Europeia com as fronteiras da democracia na Europa. Portugal será mais forte numa União reforçada e alargada.

A cooperação com os países de língua oficial portuguesa é uma prioridade da nossa política internacional e um importante vector da capacidade de afirmação externa do nosso País. Ela deve assentar numa dimensão ética e cultural, e na criação de condições económicas e sociais de apoio ao desenvolvimento, que permitam a Portugal projectar-se como interlocutor respeitado e desejado.
Temos valorizado igualmente o projecto ambicioso da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, uma instituição de vocação regional. O seu lugar no sistema de relações internacionais, está ligado ao desenvolvimento da cooperação em novos domínios. É esse caminho que continuamos disponíveis para aprofundar.
Aproveito para recordar a presença há um ano, nesta mesma cerimónia, do Presidente Joaquim Chissano. O povo Moçambicano acaba de sofrer os efeitos dramáticos de uma catástrofe natural, que ceifou inúmeras vidas humanas, destruiu haveres e infra-estruturas. Faço votos para que a ajuda internacional se mantenha, mesmo depois de terminada a fase de emergência, porque dessa ajuda depende o destino de milhares de moçambicanos.

As nossas relações com Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé são relações entre Estados independentes e soberanos, alicerçadas na História, e construídas na consciência comum de interesses estratégicos convergentes. Ao longo dos últimos 25 anos, os laços diplomáticos e institucionais têm-se reforçado e as sociedades civis têm aprofundado os seus contactos culturais, técnicos, científicos e empresariais.

Apesar das circunstâncias particulares e complexas da situação político-militar angolana, Portugal sempre assumiu e valorizou um relacionamento amplo e reciprocamente proveitoso com a República de Angola.

Importa reafirmar hoje esse interesse estratégico, no incontornável pressuposto de que ele é desejado e correspondido, como não pode deixar de suceder entre países amigos e Estados independentes. Assim como importa reiterar o contínuo e consistente interesse português no restabelecimento da paz em Angola, condição indispensável ao desenvolvimento e à consolidação do processo democrático naquele País, em todas as suas vertentes.

No quadro da nossa política externa, quero ainda destacar a cooperação que temos vindo a desenvolver através das Forças Armadas Portuguesas. Elas estão hoje mais aptas para responder às exigências do mundo contemporâneo. O seu processo de adaptação e modernização não está, porém, concluído. Há um longo caminho a percorrer, que exige urgência e determinação e apela à capacidade de compromisso de todos.

É necessário dar um impulso decisivo às três vertentes de acção fundamentais para a melhoria da eficácia das Forças Armadas: a profissionalização, a modernização e a racionalização das suas estruturas.

A disponibilidade limitada de recursos do País não se compadece com demoras no cumprimento das grandes prioridades que devem orientar o esforço de modernização das Forças Armadas. A optimização dos recursos impõe que se proceda a uma profunda revisão das actuais estruturas, segundo critérios de versatilidade, flexibilidade e funcionalidade.

De facto, o País só tem a ganhar com uma coordenação eficaz dos seus recursos e com um reequipamento militar adequado às missões que deve desempenhar, quer por si, quer integrado em missões humanitárias ou militares internacionais.

No quadro da União Europeia, está em curso um aprofundamento da vertente segurança e defesa, através de iniciativas que visam o desenvolvimento da capacidade militar europeia na resposta a crises regionais. As Forças Armadas portuguesas não podem deixar de acompanhar esta tendência dinâmica, adquirindo maior aptidão para cumprir as suas missões externas. O estatuto que Portugal granjeou, graças à participação nessas missões, como membro activo da Comunidade Internacional, deve ser sustentado.

No dia em que se celebra a coragem de quem fez a Revolução, e a lucidez de quem compreendeu que o seu futuro dependia da transição do poder para instituições democráticas legítimas, é importante sublinhar os relevantes serviços que as Forças Armadas prestam a Portugal, não obstante as carências com que se confrontam, nomeadamente, no tocante aos meios que permitam potenciar o desempenho das suas missões de interesse público.


Senhor Presidente da Assembleia da República,

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Quero saudar os militares que prepararam e participaram no Movimento das Forças Armadas, no dia 25 de Abril de 1974, e para os quais temos uma dívida de gratidão.

Ao garantirem com a sua determinação, sacrifício e coragem, a Liberdade e a Democracia permitiram o pleno desenvolvimento da cidadania.

Esta homenagem não pode deixar de se revestir hoje de um significado muito especial, por que se cumprem 25 anos sobre as primeiras eleições da Democracia, em resultado das quais se formou uma Assembleia Constituinte e se elaborou a Constituição da República.

Nesta sede do Poder Legislativo, quero lembrar as mulheres e homens que, pela primeira vez assumindo no confronto livre as suas convicções políticas e partidárias, se submeteram ao sufrágio popular a 25 de Abril de 1975 e deram o melhor do seu esforço, dedicação e saber à construção de uma Lei Fundamental à sombra da qual se desenrolou a vida democrática das últimas décadas.

O 25 de Abril deu a todos os Portugueses o poder para debaterem e decidirem em Liberdade o seu destino colectivo. É em homenagem a essa liberdade, que hoje celebramos, que é, de novo, importante pensar o futuro.

O destino de Portugal depende de todos os Portugueses, do seu esforço e trabalho, sem dúvida, mas também da sua capacidade de interpretar o presente, de preparar o futuro, de participar nas escolhas, sabendo olhar para além da conjuntura e combatendo o crescente conformismo que se abate sobre as sociedades contemporâneas. Só assim é possível requalificar a cidadania, que traduz e resulta da participação na vida colectiva do País.

Confrontados com a necessidade de assegurar as condições de sustentabilidade do nosso desenvolvimento, temos de apostar permanentemente numa política de rigor na gestão dos nossos recursos.

Tenho aludido reiteradamente a este tema, pois julgo ser necessário assegurar rigor na identificação de problemas e soluções. Rigor na definição das prioridades políticas. Rigor nos calendários de execução das reformas. Rigor, por último, na gestão orçamental, por forma a criar um permanente clima de confiança na capacidade de previsão e gestão do próprio Estado.

O Estado não pode mover-se, na sua acção, a um ritmo inferior ao da evolução da economia e da sociedade. Tem de saber estar constantemente aberto à inovação, à adaptação a novas funções que lhe são exigidas e a prescindir de algumas que se tornaram supérfluas, ou que melhor podem ser desempenhadas por outros, para a satisfação do interesse colectivo.

Um Estado que, por lentidão burocrática ou indecisão no caminho das reformas, se mostra incapaz de acompanhar o dinamismo da sociedade, transforma-se num factor de atraso na modernização do País, em vez de ser um motor do seu desenvolvimento.

Entendo que o desafio que se coloca ao Estado é o da sua própria reforma, uma reforma que assegure o fortalecimento e a agilidade da administração nos domínios onde a sua intervenção activa continua a ser indispensável e útil.

Julgo necessário reabilitar a ética do serviço público, como modelo para a satisfação de necessidades colectivas, apto a assegurar a igualdade e a universalidade no acesso aos bens e serviços públicos.

O que recuso – e tenho-o afirmado repetidas vezes – é, por um lado, uma cultura da dependência em relação ao Estado que está, ainda, muito presente na nossa sociedade e na nossa economia e, por outro, as tentativas de apropriação das próprias funções do Estado pelas estruturas de interesses parcelares e corporativos.

Sinto, ainda, o Estado pesado e lento, centralista, pouco ágil e inseguro na concretização, no terreno, de um programa de modernização, desconcentração e descentralização. Sinto o Estado fraco na defesa do interesse colectivo perante o poder crescente dos grupos de interesse organizados. Em suma, sinto-o menos apto a exercer as funções reguladoras, próprias de um Estado moderno.

Vivemos hoje numa sociedade aberta e numa economia de mercado, mas a liberdade pode ser ameaçada e a concorrência distorcida se as instâncias de controlo e de regulação do Estado não funcionarem, em nome do bem público.

E, de facto, não creio que os Portugueses se revejam numa crescente evolução corporativa da sociedade. Em lugar do reforço dos instrumentos de defesa e realização dos direitos individuais dos cidadãos e dos interesses comuns, essa evolução representa uma tendência para a satisfação de interesses de grupo cada vez menos sensíveis à necessidade de contratualizar políticas com o objectivo de combater as desigualdades e satisfazer as aspirações colectivas.

Só um Estado e uma democracia fortes, com uma estratégia de modernização clara, asseguram, como lhes compete, a eficaz regulação dos interesses contraditórios, ainda que legítimos. Só essa força determinada, que assume rupturas quando necessárias, consegue assegurar os equilíbrios indispensáveis à defesa dos interesses colectivos. E garante, afinal, a segurança e os direitos dos cidadãos, a todos os níveis, responsabilidade primeira do Estado. Essa é, aliás, uma condição indispensável à promoção de princípios e valores essenciais a políticas de equidade e coesão social.

Recuso a concepção de um Estado democrático que não se norteie sempre por uma rigorosa igualdade de tratamento de todos os cidadãos, pela defesa do bem público e pela realização do interesse colectivo.

Por isso, é importante garantir que as decisões de que depende o nosso futuro são tomadas em tempo útil e partilhadas com os cidadãos.

É preciso estar próximo dos Portugueses, não só para compreender a verdadeira dimensão de tantos problemas que persistem, mas também para mobilizar a comunidade para a solução a dar-lhes. É indispensável que se sinta e compreenda a extensão das desigualdades e assimetrias ainda existentes no acesso, tanto a recursos económicos e sociais básicos, como a equipamentos de primeira necessidade e a serviços públicos. Importa que se reforce o combate - que inquestionavelmente tem sido dado - a essas desigualdades, ampliando, com realismo, as políticas sociais activas, para que a solidariedade seja um valor assumido pelos indivíduos e pela sociedade, porque também exercido pelo Estado.

As sociedades são atravessadas hoje pela incerteza e pela precariedade. É importante, por isso, que os valores em que fazemos assentar o futuro das nossas famílias sejam mais sólidos. Reconheço que o apelo consumista é forte. Criou-se uma cultura, quase uma ideologia do consumo. A fronteira da sobriedade que separa as despesas necessárias da compulsão consumista parece ter desaparecido.

Tenho-me referido repetidamente a este tema e continuo a considerá-lo como uma preocupação prioritária O Estado tem também uma função pedagógica e formativa de que não deve abdicar, perante a lógica fria da concorrência entre produtores de bens ou entre prestadores de serviços. A defesa do consumidor não se deve circunscrever à avaliação da qualidades daqueles bens e serviços, mas deve incluir também a informação necessária às escolhas individuais.


Excelências,

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Temos de reconhecer que, apesar do esforço desenvolvido por todos os governos ao longo das últimas duas décadas e meia, subsistem problemas sérios por resolver no País.

Desde o sistema educativo, chave do nosso desenvolvimento futuro, até ao sistema fiscal, que carece de urgente revisão por forma a garantir uma maior equidade social e responsabilização colectiva, todos reconhecemos a necessidade de fazer mais e, sobretudo, com renovado sentido de exigência e de rigor.

Sem esquecer o sistema judicial, cuja credibilidade é essencial a um Estado de Direito, e a segurança, com as polícias que para ela contribuem.

Aqui impõe-se ter por claro que na defesa do Estado de Direito, e salvaguardado o estatuto constitucional dos tribunais, polícias e magistrados exercem funções axiais de idêntica dignidade, que todos respeitamos.

Aos tribunais pede-se que punam as violações da lei; às polícias, que as previnam e as reprimam. E, por esta via, participam, uns e outros, no monopólio do uso legal da força que ao Estado compete. Mas, porque assim é, manda o Estado de Direito, que a ambos justifica, que não ultrapassem a medida de força estritamente exigida em cada situação.

Quando infringem esta ética essencial, não podem, todavia, esperar compreensão da Comunidade que servem, nem, como aconteceu recentemente com os agentes da PSP, faltar ao respeito que devem a si próprios e à sua função, confundindo, no mesmo impulso, reivindicações de estatuto, legítimas enquanto tais, com interferências, essas sempre ilegítimas, no regular funcionamento das instituições cuja liberdade e independência lhes cabe defender.

E essa confusão é tanto mais grave quanto as questões do estatuto das polícias não interessam apenas a elas próprias; interessam, igualmente, ou mais ainda, à Comunidade que servem.

Enquanto às polícias não for reconhecido um estatuto que lhes garanta a plenitude da cidadania, é o Estado de Direito, na leitura garantística que lhe é conferida pela Constituição da República, que perde e se empobrece.

É, por isso, que estas questões, mais do que quaisquer outras, têm de ser tratadas com firmeza e rapidez. A autoridade do Estado é para ser exercida - em tempo, com determinação e com senso. Mas essa exigência não deve misturar-se com levianas demagogias que clamam, num mesmo gesto, pela reposição da autoridade do Estado e pela compreensão com atitudes que, indiscutivelmente, a põem em causa.

Também aqui se pede rigor. Como na saúde, onde não há resposta ainda, com eficácia suficiente, às necessidades da população. Persistem, também, um desemprego de longa duração e dificuldades de acesso ao primeiro emprego, tal como níveis reconhecidos de pobreza urbana e rural. As assimetrias regionais, nem sempre contrariadas de forma sustentada pelas políticas de distribuição dos recursos, prejudicam a coesão do todo nacional.

É certo que, nos últimos anos, se realizaram ajustamentos importantes nas políticas públicas de protecção social, o que contribuíu para minorar as carências dos cidadãos que delas beneficiam. Mas é preciso que estejamos conscientes de que há sectores fragilizados e se multiplicam factores de marginalização social.

Portugal apresenta também graus de desigualdade na distribuição dos rendimentos sem paralelo em qualquer outra sociedade europeia. Essa tendência tem que ser controlada e invertida, com medidas que garantam uma efectiva e crescente igualdade de oportunidades.

O País tem hoje, por comparação com os nossos parceiros da União Europeia, bons níveis de emprego masculino e feminino, níveis de desemprego relativamente baixos, mesmo representando o desemprego de longa duração uma grande parte do nosso total de desempregados. Mas persistem domínios onde a qualidade de emprego não é assegurada e a legislação laboral não é integralmente aplicada. Ora o respeito pela dignidade dos trabalhadores, sendo uma questão do Estado Democrático, é igualmente uma questão do desenvolvimento. A competitividade da economia portuguesa só ganhará a prazo com essa qualidade e este respeito.

A evolução da conjuntura aconselha a que se encarem com rigor e exigência novos passos no sentido da modernização do País. Temos todos de interiorizar a urgência dessa modernização, ousando agir corajosamente, ultrapassando o adiamento que tudo compromete e a espera que tudo paralisa. Não é possível olhar apenas ao curto prazo, se com isso se adiam opções estratégicas, ou se não concretizam as incontornáveis plataformas de entendimento, que considero elemento indispensável à consolidação de uma modernização solidária.

É para mim claro que a ideia de uma economia moderna e competitiva exige a aplicação de políticas de solidariedade que lidem com o problema das tensões sociais provocadas pelo processo de modernização.

É necessária uma valorização da educação permanente, da mobilidade profissional e social, em suma, da polivalência, da capacidade de adaptação à mudança. Precisamos de uma formação escolar e de uma formação profissional mais exigentes: uma economia aberta impõe novos padrões de qualificação que são decisivos para acompanhar a evolução do mercado de emprego. O desempenho económico do País dependerá, ninguém duvide, da capacidade de realização neste domínio.

Esse imperativo de qualificação é, igualmente, válido no que toca à necessidade de um mundo empresarial melhor preparado, factor decisivo para a inovação, a organização de empresas competitivas e a sustentação do emprego numa economia aberta, bem como para o desenvolvimento de uma sociedade civil mais autónoma e menos dependente do Estado.


Senhor Presidente da Assembleia da República

Excelências,

A igualdade dos cidadãos perante a lei exige não só o respeito integral pelos seus direitos políticos, mas também que a democracia garanta a todos uma igualdade de oportunidades económicas, sociais e culturais.

Recuso a ideia de um País em que os direitos sociais sejam considerados um luxo cujo exercício fique reservado para épocas de prosperidade. Preocupa-me a dimensão das desigualdades. A garantia de direitos sociais constitui uma condição de desenvolvimento justo e equilibrado, essencial para uma democracia moderna.

É preciso, em tempo útil, gerar níveis satisfatórios de resposta a estas preocupações, para restabelecer a confiança numa sociedade mais justa e equitativa.

Portugal tem perante si um problema demográfico que nos próximos anos influenciará decisivamente a questão social. Trata-se do envelhecimento da população. Da coragem e da criatividade com que se desenharem as novas políticas de solidariedade entre gerações depende muito a evolução da sociedade portuguesa.

O problema interpela o sistema de protecção social e as políticas de natalidade, mas também a forma como valorizamos a relação entre o emprego e a vida familiar e como asseguramos a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Não é um problema simples. Nem um simples problema de natalidade. É, também, um problema de valores, de percepções e de expectativas.

Neste aspecto, não o nego, as soluções têm de ser arrojadas, sob pena de não mobilizarem nem as gerações mais velhas nem as mais novas. Não basta a iniciativa do Estado, que todavia necessita de ser pioneiro na abordagem do tema. Há que contar também com a iniciativa dos empregadores que têm de compreender esta realidade e o contributo que podem dar para a sua solução.

Recuso a ideia de uma sociedade que não cultiva a dignidade da pessoa humana como forma de reforçar o princípio essencial da solidariedade entre gerações e corre o risco de patrocinar o egoísmo mais do que a generosidade.


Excelências,

Minhas senhoras e meus senhores,

Como é natural, nunca há apenas um único caminho para a solução dos nossos problemas. Nenhum partido está isento de responsabilidades nas carências que subsistem. Tal como a todos é devida uma palavra de reconhecimento pelo contributo generoso que deram, e têm de continuar a dar, no poder ou na oposição, para a estabilidade democrática e para a indiscutível modernização do País.

Mas, hoje, a mobilização da sociedade para a participação na vida colectiva torna necessário e desejável que se distingam com clareza as propostas concretas e responsáveis, as políticas distintivas que cada um propõe para assegurar as transformações necessárias na sociedade e no Estado.

Cada um tem as suas responsabilidades próprias. O governo de governar. As oposições de apresentar os seus programas alternativos. Todos são garantes, por igual, da qualidade do debate político que deve estar longe de pulsões demagógicas, que privilegiem o aproveitamento emocional do momento, em detrimento dos interesses estratégicos nacionais. Disso depende a estabilidade política, a qualidade da nossa Democracia, e o desenvolvimento sustentado do País. Todos os contributos para assegurar a qualidade do debate político são indispensáveis para fortalecer a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas.

É na fidelidade a uma política de responsabilidade que importa assumir, sem equívocos, as diferenças. Essa é a forma de clarificação das opções e, por isso, de identificação dos eleitores. Só assim se pode levar os Portugueses a participar mais activamente na vida política nacional, conferindo uma legitimidade acrescida aos partidos políticos em que se reconhecem.

Olho, como sabem, com apreensão para os sinais de distanciamento entre as estruturas de decisão política e os cidadãos que lhes asseguram a necessária e insubstituível legitimidade democrática.

É preciso, como já tive ocasião de dizer, voltar a pôr os valores e as convicções políticas em primeiro lugar, como instrumentos norteadores de uma sociedade onde nem todos os compromissos são aceitáveis, onde a tolerância não pode ser sinónimo de laxismo, onde a dedicação à causa pública tem de ser prestigiada e respeitada.

A República que todos queremos servir tem de ser aquela em que ninguém espera que as coisas mudem por si, mas onde todos sentem que é seu dever melhorar a sociedade em que se inserem. Mesmo que isso implique sacrifícios. Por isso, é sempre necessária determinação, tanto para governar, como para opor aos governos políticas alternativas.

Recuso, porém, a ideia de que o País se encontra num impasse. Tenho consciência que estamos perante novos patamares de exigência e de expectativas por parte dos Portugueses a que é necessário dar resposta urgente. Existe uma consciência pública mais aguda quanto à necessidade de acção política sobre a dimensão de muitas desigualdades e problemas que subsistem na sociedade portuguesa. Mas, em democracia, existem sempre soluções.

Tenho procurado, ao longo do meu mandato, exprimir a minha confiança na democracia e na capacidade de realização do povo português.

Se bem que, entre nós, o Presidente da República não governe nem se corresponsabilize pelo cumprimento de um programa de acção governativa, sempre entendi ser meu dever intervir nos grandes temas que se colocam ao Estado, à economia e à sociedade, na defesa dos valores da liberdade e da igualdade em que assenta a democracia portuguesa.

Exclusivamente orientado pela prossecução dos fins constitucionais e pelo interesse nacional, a minha preocupação essencial tem sido a de abrir caminhos ou novas soluções, estimular consensos, mobilizar as vontades institucionais, apelar à participação. Tenho-o feito sempre numa perspectiva positiva de combate à passividade ou ao fatalismo, e de apelo ao empenhamento de todos, e à confiança dos Portugueses no seu futuro comum.

Tenho-o feito e pretendo continuar a fazê-lo, sempre na mais estrita observância e respeito pelas competências próprias de cada um dos órgãos de soberania, e sem interferir na livre competição política entre o Governo e as oposições, condição essencial da estabilidade democrática.

Nos estritos limites das minhas funções constitucionais, continuarei, como sempre, a procurar garantir o equilíbrio, a separação e interdependência dos poderes, o pluralismo democrático, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições e, nesse sentido, estarei atento à necessidade de melhorar e aperfeiçoar as práticas democráticas, corrigir abusos que ponham em causa os direitos fundamentais dos cidadãos e prevenir bloqueios institucionais artificiais e inúteis.


Excelências

Minhas Senhoras e meus Senhores

O regime democrático aberto com o 25 de Abril restaurou e viabilizou a esperança para Portugal e para os Portugueses.

Orgulhamo-nos do património de realizações dos 26 anos entretanto decorridos. E os desafios do futuro continuam a interpelar-nos. E para isso e por isso queremos que a democracia seja mais forte, o mesmo é dizer que a vida colectiva seja mais participada pelos cidadãos, que o debate político seja mais vivo e responsável, que se criem mais e melhores espaços de afirmação cívica para todos.

Em suma, queremos que Portugal se afirme como uma comunidade de cidadãos livres e iguais, uma República moderna e solidária.

Viva o 25 de Abril !

Viva Portugal !