Sessão Solene de Abertura do II Forum de Cooperação e Solidariedade

Feira Internacional de Lisboa, Lisboa
26 de Junho de 1997


Cooperação e solidariedade são expressões que, nos últimos anos, pelo menos em termos da eficácia dos resultados, têm sido remetidas para lugar secundário no léxico do discurso político à escala internacional.
Em nome das exigências, reais ou fictícias, de uma crescente globalização da economia, tem-se instalado a tendência para reduzir as opções políticas a um leque limitado pelos objectivos da modernização, da competitividade e da conquista de mercados.
O primeiro sinal de que a mundialização hipercompetitiva da economia podia conduzir a alguns becos sem saída terá sido dado por aqueles movimentos que, nos países desenvolvidos, foram alertando para os riscos de rupturas ambientais irreversíveis à escala planetária, nacional ou local.
Hoje, os alertas que nos chegam traduzem-se por imagens de fome, de epidemias incontroláveis, de migrações sem destino certo, de homicídios e genocídios, de traumatismos físicos e psicológicos irreversíveis nas gerações mais jovens.
Vamos percebendo, dia a dia, com imagens que chegam ao conforto de nossas casas graças a tecnologias de informação e meios de difusão eles próprios globalizados, que, para extensas regiões do mundo e suas populações, a globalização da economia não tem qualquer sentido emancipador - se é que não constitui, mesmo, uma das causas fundamentais da sua pobreza extrema.
Quanto aos Relatórios sobre o Desenvolvimento Humano que as instituições internacionais especializadas mais credíveis vão publicando, o diagnóstico que nos apresentam é implacável: o fosso entre países mais ricos e países mais pobres, em vez de se atenuar, como há alguns anos se esperava, tem-se agravado.
As nações europeias, muitas delas com um passado colonial que antecipou alguns dos relacionamentos desiguais que caracterizam a actual ordem económica internacional, têm responsabilidades especiais numa chamada de atenção para os problemas das populações mais pobres e abandonadas do mundo.
Se é compreensível que a Europa pretenda salvaguardar os seus interesses e trunfos específicos no jogo competitivo que integra os outros grandes blocos económicos internacionais, cabe-lhe um papel de grande relevância na batalha para colocar de novo o subdesenvolvimento e a miséria do terceiro mundo, na agenda internacional.
Afinal, defender os grandes valores universalistas que achamos próprios do modelo social e civilizacional europeu passa, em primeira mão, por nos solidarizarmos com os homens, mulheres e crianças que mais sofrem, independentemente das latitudes em que se situem.
É indispensável que os governos dos nossos países se empenhem, por palavras, mas sobretudo por actos consequentes, na concretização de medidas capazes de repor alguma harmonia e generosidade nas relações entre os povos e entre grupos sociais.
Compreenderão, perante o que acabo de dizer, que tenha sido com todo o gosto que aceitei o convite para estar presente neste II Fórum da Cooperação e Solidariedade, organizado pela AMI - Fundação Assistência Médica Internacional.
Não creio que os avanços mais institucionalizados das grandes instâncias internacionais no combate contra a fome, a doença e outras formas de sofrimento possam prescindir da acção de Organizações Governamentais e Não-Governamentais com a experiência das que estão representadas neste Encontro.
Admito que algum desconhecimento recíproco sobre os objectivos e âmbitos de acção dos organismos que em Portugal se preocupam com a cooperação e solidariedade nas suas vertentes interna e externa seja motivo para alguma timidez em termos de afirmação pública e coordenação efectiva de esforços.
Nesse sentido, a realização deste Fórum é já, por si mesma, um passo muito importante para dar vida a um espaço de intervenção cívica que nem sempre tem tido entre nós o dinamismo que se desejaria.
Os meios de comunicação social darão conta, como se espera, do desenrolar dos trabalhos e das conclusões a que, seguramente, vão chegar.
Cabe-lhes um papel muito importante na mobilização da opinião pública para o envolvimento nas grandes causas sociais e na resolução de problemas humanitários de alcance nacional e internacional.
Não é aceitável que, perante a complexidade e o dramatismo dos problemas sociais contemporâneos, as bandeiras da fraternidade permaneçam, timidamente, por desfraldar.
É preciso unir forças, despertar energias e usar as infinitas potencialidades da criatividade humana para repor alguma harmonia e generosidade nas relações entre os povos e levar aos mais deserdados dos deserdados um mínimo de esperança na dignificação das suas vidas.
Políticos, organizações governamentais e não-governamentais ligadas à acção humanitária, meios de comunicação social, associações juvenis, sindicatos, intelectuais, artistas, professores, empresários - estamos todos convocados para dar corpo a esta cooperação fraternal.
E não deixemos de nos inclinar respeitosamente perante a memória e o exemplo dos que, sem nada exigirem em troca, (nem mesmo a notoriedade), se arriscam a dar a vida pelos outros.
Façamos tudo para que a cooperação e solidariedade façam parte da nossa prática diária, para dar vazão às energias e para dar combate ao esquecimento e a alguma hipocrisia.
Assumamos as causas justas e incontornáveis do nosso tempo.