Sessão de Abertura do V Congresso dos Advogados Portugueses

Forum Lisboa (Av. de Roma, 14)
17 de Maio de 2000


Ao saudar todos os congressistas, a quem me sinto particularmente ligado por mais de vinte e cinco anos de advocacia, saúdo, também, a iniciativa de serem temas deste V Congresso questões nucleares da sociedade portuguesa, em que os advogados têm voz exemplar – pelo conhecimento e pela função.

E a iniciativa é tanto mais de louvar quanto o país tem os olhos postos nas questões da Justiça, que atravessam, de modo particular, o quotidiano dos portugueses, e de cuja resolução depende, em apreciável medida, uma mais plena realização do Estado de Direito.

É matéria sobre a qual tenho feito insistentes apelos, com especial detalhe nas sessões solenes de abertura do ano judicial, quando estão reunidos todos os profissionais do foro.

Mas nesta hora, cabe aos advogados falar, com a certeza de que estaremos atentos à sua voz.

Voz enriquecida pela experiência do dia-a-dia, pelo enfrentamento dos bloqueios do sistema, pela busca de caminhos que ladeiem práticas obsoletas e tantas regras desajustadas. Mas voz responsável, e no registo de quem sabe os pressupostos e os limites das reformas a empreender.

Servidores do direito e da Justiça, na magnífica expressão do seu Estatuto, cabe aos advogados estar na primeira linha da promoção e defesa do Estado de Direito - pela reflexão crítica, pela intervenção profissional, pelo compromisso e militância associativa, que em todas as trincheiras há combates a travar.

Essa luta desenrola-se, todavia, num mundo novo.

A vontade política dos povos reuniu espaços e esbateu fronteiras.

As novas formas de comunicação aceleraram o tempo e anularam distâncias.

Os instrumentos de trabalho revolucionaram-se, num percurso sem limites visíveis, e exigindo que da identidade de cada um passe a fazer parte a capacidade de mudança.

É neste quadro que os contratos começam a ser negociados em teleconferência, para serem firmados na Internet; e até o velho e canónico “contestando diz” já não participa dos vagares do papel selado e está prestes a chegar a tribunal, pelo correio electrónico, feito empregado forense da era digital.

Mas a aceleração do tempo e a inelutável globalização dos espaços e das relações trazem consigo um direito novo, também ele global, com novas regras e novas atitudes, a exigir disponibilidade para todas as aprendizagens e formação permanente como projecto de vida.

Tudo isto interpela os modelos tradicionais de exercício da advocacia; obriga a repensar o lugar e o modo da profissão e as estruturas societárias em que, cada vez mais, se insere; postula crescentes especializações e acrescidas exigências de informação, de rigor e de responsabilidade, quando não renovadas deontologias, que respondam, com ética suficiente, aos padrões de comportamento emergentes.

A hora é de desafios.

Para responder, com informação actualizada e indeclinável responsabilidade, às exigências de protecção do património, da honra e da liberdade, que tanto estão em risco na Internet, como no adro da aldeia mais remota.

Para encontrar e formular regras que, tendo em conta a competitividade profissional sem fronteiras, não façam, todavia, do advogado, que tem o homem como medida, mais um produto da publicidade excendentária.

Para compatibilizar os interesses dos constituintes e da Justiça com os insistentes apelos dos media, a que nem sempre sabemos se e como dar resposta.

E aqui impõe-se uma reflexão árdua e inadiável, que terá de ser feita, em conjunto e em insubstituível cooperação, pelos profissionais do foro e pelos profissionais da comunicação social.

Vivemos um tempo em que não é mais possível coutar a Justiça num gueto que a defenda da vertigem dos factos em tempo real.

Preciso é que haja regras.

Regras que permitam a convivência do tempo da decisão judicial – e a delonga que lhe é própria – com o tempo da informação.

Regras que estabeleçam um equilíbrio entre a notícia, que a pessoa e o seu litígio sempre podem constituir, e os limites inafastáveis da ética e da Justiça.

Regras que respeitem a fronteira exígua que separa o direito à presunção de inocência da antecipada e irremediável condenação, sem defesa, nem apelo, no palco da comunicação social.

Mas a resposta aos tempos novos exige ainda que a Ordem dos Advogados, a quem está atribuída, por lei, a função de verificar as condições de acesso à profissão e zelar pela disciplina do seu exercício, veja o seu Estatuto reformulado; sem esquecer a indispensabilidade de se esclarecer e precisar, uma vez por todas, o que é próprio do advogado, e só dele, para que não andem os mandatos ao sabor do amadorismo e da usurpação, e o mercado sem regras se não sobreponha ao saber e à experiência, controladas por quem de direito.

Caros Colegas,

Estou certo de que este V Congresso abrirá novas vias de resposta para as questões da Justiça e para a reformulação de uma profissão que, interpelada pelos tempos novos, tem créditos antigos na defesa do Estado de Direito.

Que dos vossos trabalhos, neste Congresso, haja notícia.

Notícia que represente para a comunidade ocasião de renovada confiança numa profissão que é, antes de mais, serviço público, e sem a qual não há administração da Justiça digna desse nome.