Banquete oferecido pela Rainha Beatriz

Palácio de Noordeinde - Haia
28 de Outubro de 1997


Majestade,
Agradeço-lhe, antes de mais, a tão cordial hospitalidade que Vossa Majestade e Sua Alteza Real o Príncipe Claus nos dispensaram, a minha Mulher, à comitiva que me acompanha e a mim próprio, desde que chegámos aos Países Baixos.
Holandeses e Portugueses conhecem-se de há muito; partilhamos uma idêntica vocação marítima, um mesmo espírito de aventura, uma abertura ao Mundo e a outras maneiras de ser e de pensar.
Encontrámo-nos frequentemente nas encruzilhadas da História, umas vezes separados por crenças e interesses divergentes, até por antagonismos profundos, outras vezes unidos na defesa da liberdade e da afirmação da nossa identidade enquanto nações soberanas. Soubemos, nestes períodos difíceis, em que as nossas independências perigavam, estabelecer alianças e conjugar esforços, lançando as bases de relações sólidas e mutuamente enriquecedoras, tal como já tínhamos sabido, mesmo nas fases mais conturbadas do nosso relacionamento, manter os intercâmbios culturais e comerciais, as vias do reencontro ulterior.
A Holanda foi para muitos portugueses, em diferentes períodos, terra de acolhimento e de tolerância, terra onde deixaram marcas no comércio, nas letras e no pensamento. Tive hoje a grata ocasião de prestar uma sentida homenagem a Spinoza, vulto cimeiro da cultura europeia, descendente de portugueses e que nesta cidade viveu, trabalhou e morreu. Mas foram muitos os que aqui se acolheram e refizeram as suas vidas, perseguidos pela intolerância religiosa no século XV, ou forçados a exilarem-se pelo regime ditatorial deposto em Abril de 1974.
Esta memória e este reconhecimento permanecem perenes na memória dos portugueses. Não esquecemos também a forma empenhada como os holandeses acolheram o restabelecimento da liberdade em Portugal, o seu apoio moral e material à consolidação da nossa democracia, a solidariedade política nunca negada, o contributo importante que os Países Baixos deram para a nossa plena integração na Europa.
Somos hoje dois países parceiros e aliados, animados por um mesmo ideal: construir uma Europa mais solidária, mais próspera e mais coesa; uma Europa que aprofunde constantemente o seu processo de integração, que faça progredir a sua coesão económica e social, a solidariedade entre os seus Estados membros, o projecto político que lhe é inerente; uma Europa atenta e eficaz na luta contra a exclusão e a marginalização; uma Europa de cidadãos e não apenas de consumidores; uma Europa que se enriquece permanentemente na sua diversidade cultural e humana; uma Europa aberta ao Mundo e às expectativas legítimas de quantos anseiam por segurança e por progresso; uma Europa cujas fronteiras são as fronteiras da democracia e da liberdade; enfim, uma Europa de paz e geradora de paz.
O Portugal democrático e moderno que aqui represento está firmemente cometido à prossecução deste ideal. A Europa vive um momento particularmente importante em que se joga, de algum modo, o seu próprio futuro; esse futuro será certamente diferente, mas não se poderá construir fora da solidariedade política, económica e social que constitui a própria essência do projecto europeu, a sua razão de ser.
Majestade,
As relações bilaterais entre os Países Baixos e Portugal têm-se desenvolvido de forma crescente, propiciadas por um quadro europeu comum.
A significativa comitiva que me acompanha - que inclui vários membros do Governo, representantes de todos os partidos com assento parlamentar, empresários, criadores artísticos e representantes de importantes “media” - é sinal do nosso empenho no constante reforço dessas relações, a todos os níveis e em todos os domínios.
Os Países Baixos são, neste momento, o nosso 5º parceiro comercial. O investimento holandês em Portugal tem igualmente aumentado e tem-se diversificado. As ligações entre empresas de um e outro país têm-se reforçado. Acorrem anualmente a Portugal centenas de milhar de turistas holandeses. A Holanda constitui, crescentemente, um destino para turistas portugueses.
Terei amanhã a oportunidade, com os empresários portugueses que convidei a acompanharem-me nesta visita, de me encontrar com um significativo conjunto de representantes da vida económica holandesa, o que constituirá, não duvido, uma ocasião para aprofundar ainda mais o relacionamento económico entre os nossos dois países.
Não lhe escondo, Majestade, que a forma pela qual os Países Baixos têm sabido fazer face, de modo eficaz, aos desafios económicos e sociais que se colocam à Europa neste final de século, constitui, para nós, um estímulo e uma fonte de inspiração.
Temos, tal como os Países Baixos, atribuído uma importância significativa à procura dos consensos em torno do nosso desenvolvimento económico, por forma a preservar as condições indispensáveis da coesão social. Trata-se, Majestade, de uma dimensão do progresso a que as Autoridades dos nossos dois países têm dedicado uma particular atenção.
Portugal é hoje um país moderno, que soube, em larga medida, ultrapassar um atraso estrutural herdado de uma economia fechada. O esforço de modernização da economia portuguesa está a ser prosseguido, com seriedade e rigôr. Beneficiámos, sem dúvida, das políticas estruturais comunitárias, mas também é verdade que a nossa modernização não teria sido possível sem um esforço sério e um empenhamento substancial das capacidades nacionais.
Não atingimos ainda, é certo, os níveis de progresso económico que desejamos, comparáveis aos dos países mais desenvolvidos da Europa. A abertura da nossa economia, os efeitos da globalização têm tido, naturalmente, custos e consequências sociais importantes.
Mas prosseguindo nesta via, apoiados no largo consenso nacional que existe em Portugal em torno da construção europeia, e, com a solidariedade dos nossos parceiros, estou certo que saberemos encontrar as soluções necessárias para os problemas com que nos defrontamos.
O reforço nas nossas relações económicas e comerciais tem de se acompanhar de um desenvolvimento paralelo do nosso conhecimento mútuo, em termos humanos e culturais. Autores holandeses são traduzidos em português, tal como um número crescente de obras portuguesa estão acessíveis ao público holandês. Mas muito mais haverá que fazer, no domínio da música, das artes plásticas, da língua, da ciência, da literatura.
A EXPO 98, em que os Países Baixos estarão tão bem representados, será, nesta perspectiva, uma ocasião particularmente importante para reforçarmos esse conhecimento mútuo, para partilharmos a vivacidade criativa dos nossos artistas, a pujança das nossas culturas, em suma, para nos conhecermos melhor.
Estou em crer que Vossa Majestade e a Família Real holandesa nos darão a honra e o prazer de os acolhermos, em Lisboa, por ocasião deste extraordinário evento.
Majestade,
A Europa e o Mundo conheceram, nos últimos dez anos, desenvolvimentos dificilmente previsíveis para quem se tinha resignado à perenidade de uma lógica internacional bipolar e ao fatalismo da divisão do nosso continente. Tal como anteriormente em Portugal e em Espanha, os povos da Europa Central e Oriental souberam reencontrar-se com a liberdade.
Esta evolução positiva não nos pode fazer esquecer, no entanto, todos quanto sofrem ainda a opressão, a injustiça, a negação dos seus mais elementares direitos. Os seus apelos, o seu sofrimento, a sua tragédia quotidiana surgem-nos, com particular brutalidade, nos ‘media’ , dia após dia. Para com todos eles temos um dever de solidariedade.
A atribuição do Prémio Nobel da Paz a Monsenhor Belo, Bispo de Dili, e a José Ramos Horta, veio sublinhar, de modo particularmente eloquente, a luta de um povo pela sua autodeterminação.
Portugal tem, para com os timorenses, uma responsabilidade histórica particular e um papel específico no quadro das negociações que decorrem sob os auspícios do Secretário-Geral das Nações Unidas. Aos nossos parceiros e aliados, aos membros da comunidade internacional, pedimos apenas que utilizem a sua influência junto da Indonésia para que o povo de Timor-Leste possa exercer, livremente, os seus direitos.
Majestade,
Os Países Baixos e Portugal são dois países europeus, orgulhosos da sua História, ciosos da sua liberdade e conscientes do contributo original que dão à cultura e à identidade europeias e à construção de uma Europa assente nos valores da Liberdade e da Justiça, no progresso económico e social, na solidariedade e na paz.
Estou certo que os nossos dois países continuarão a encontrar, no futuro, constantes ocasiões para reforçarem a sua cooperação e o seu entendimento mútuo.
Peço a todos que me acompanhem num brinde pelas felicidades pessoais de Sua Majestade a Rainha Beatriz e de Sua Alteza Real o Príncipe Claus, à prosperidade crescente do povo holandês, e ao reforço da cooperação entre os Países Baixos e Portugal.